Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 51
Pedro já havia recuado para a retaguarda junto com os demais comandantes.
Todos os gaudérios fora da mina estavam mortos àquela altura. Não houve rendição. E no momento, o cheiro fétido que exalavam se misturava à briza taciturna da noite. Os pedaços de seus cadáveres se espalhavam por todos os lados da clareira.
Enquanto isso, os soldados aliados cercavam a entrada, enquanto os lordes pensavam em como fariam para retirar o obstáculo ominoso de lá.
Mas a preocupação se mostrou desnecessária. Em poucos minutos, a porta foi aberta pelo lado de dentro.
Como? Foi isso que tentavam descobrir. Pedro presumiu que eles criaram um dispositivo de corrimão ou alavanca para tal. Mas não era isso.
— Que força avassaladora! — comentou um oficial ao ver que na verdade não se tratava de um dispositivo.
Na realidade, o responsável por abrir a entrada foi um homem!
E ele não estava sozinho. Dúzias de arqueiros puxavam suas cordas atrás dele, apenas esperando a retirada do obstáculo.
Pressentindo o perigo, Pedro gritou por escudos. E os soldados responderam como num ato-reflexo para impedir as flechas gaudérias. Infelizmente, a grande maioria não foi rápido o suficiente.
Tssss! Pah! Uma chuva de pontas tomou o campo aliado.
— Merda! — Lorde Hatton não pôde deixar de xingar. Seus homens compunham a força principal e foram os que mais sofreram com a saraivada.
A linha de frente desmoronou. Um terço foi eliminada só com aquele ataque.
— Primeira linha, recuar! Segunda linha, manter posição! Arqueiros, atirem! — Pedro gritou diversas ordens. O nervosismo lhe assolou, mas se esforçou para não deixar transparecer.
“Raios! Caímos na velha tática do ataque surpresa!?”, resmungou.
Do outro lado, Jin ordenava seus homens com muito mais calma e concentração.
— Intendência, reabastecer flechas! E preparem-se para retirar os feridos daqui!
Mas o ataque dos gaudérios não cessou. O moreno alto da frente também gritou diversas ordens. Logo, a força de Pedro sofreu outra investida.
— Primeira linha, manter! Lorde Caring, mande sua cavalaria flanquear a entrada! — comandou.
O velho assentiu e também começou a gritar ordens a seus oficiais. Em pouco tempo, uma dúzia de cavaleiros foi ao encontro dos gaudérios.
— Arqueiros, cubram a cavalaria! — ordenou o comandante.
Tssss! Pah! O campo de batalha estava um completo caos. Flechas voavam dos dois lados. Pela esquerda, os cavaleiros de Camring flanquearam a entrada, raspando todos que saiam por lá.
Os inimigos, por óbvio, não deixaram barato e os arqueiros gaudérios foram então instruídos a mirar nos cavalos.
Do outro lado, Pedro não os deixou se safar com isso e mandou os seus próprios arqueiros atirarem nos arqueiros adversários.
— Matem todos! — gritou o lorde em cima de seu cavalo.
Naquele momento, o moreno tatuado percebeu que aquele muito possivelmente era o líder principal do inimigo. Por isso, tomou uma ação ousada.
Rápido e forte como um nefilim, ele pegou a haste na mão e…
Shiiiiiiiuuuuum! Fez o disparo.
A lança foi com tudo rumo à cabeça de Pedro. Mas o que o gaudério não esperava era que Pedro percebeu com antecedência.
No último segundo, levantou seu escudo e parou a arma.
Pah! A ponta atravessou o objeto, mas não atingiu nenhum ponto vital. Tanto ele quanto o gaudério mostraram alguma surpresa.
Força e reflexos sobre-humanos. Com um movimento, ambos notaram que estavam acima dos demais naquele campo da morte.
O gaudério sorriu, sussurrando alguma coisa para seu tenente mais próximo. Ao contrário das expectativas, porém, ele se virou e saiu depois disso.
“O quê é que esse maldito tá fazendo?”, pensou Pedro. Os lordes ao lado também notaram.
— Lorde Comandante, o líder inimigo debandou. Devemos aproveitar e lançar o contra-ataque!
— Tirou as palavras da minha boca, Lorde Hatton. Ataquem! — ordenou Pedro.
Eles assentiram e com aquilo as linhas avançaram. A formação não era perfeita, mas foi o suficiente para abrir um caminho de sangue rumo aos oponentes na entrada.
Seus destinos estavam traçados. Nesta noite, era glória ou morte.
E os bandidos foram brutos, fizeram o possível para não recuar. Os criminosos levantaram seus escudos e armas sob a liderança do baixinho careca — o mesmo que Pedro viu da última vez.
— Cadê os arqueiro? Atira! — gritou o capanga.
Por causa da tática anterior, sobraram poucos arqueiros do lado inimigo. Todavia, eles ainda causaram bons danos ao exército dos lordes.
Os gaudérios miraram principalmente nos oficiais de médio porte. A regra parecia uma só, eliminar quem dava ordens.
Uma técnica descarada. Tão errada quanto dar rasteira em um perneta no sinal. Deixou Pedro puto.
Por causa disso, fez os criminosos provarem do mesmo remédio.
— Arqueiros, mirem naquele careca! — gritou.
O homem em questão quase pulou para trás ao ouvir aquilo, mas então sorriu. Em seguida murmurou algo a seus capangas.
— Formem a parede!!
Eles ergueram os escudos na frente dele. O gaudério claramente não pretendia ser atingido por mais flechas naquela noite. Infelizmente, seu inimigo na ocasião foi Pedro.
“Então é assim, né?!” pensou o jovem com um sorriso, antes de se virar a um subordinado e ordenar que lhe desse mais flechas.
— Só as flechas, Lorde Comandante? Não quer o arco também? — perguntou o oficial arqueiro.
— Não, só as flechas. Hoje vou ensinar um novo jeito de degolar um careca — disse com um sorriso malicioso.
O tenente não entendeu, mas fez exatamente conforme ordenado.
Ao receber a aljava, Pedro pegou duas munições e as posicionou entre os dedos. Quanto ao que ele fez depois foi…
Tsssssss! Tssssss!
Pah! Pah!
— AAAAAAAAH! — O careca gritou.
— Parece que minha mira não tá tão ruim assim, hehe...
Os oficiais ao lado ficaram pasmos. Pareceu um jogo de dardos.
“Ele atirou nos olhos dele!” analisaram.
Inusitadamente, Pedro usou sua visão superior para achar uma brecha na parede de escudos gaudéria. Como principal comandante inimigo, o capanga não cobriu diretamente os olhos para a batalha. Foi o seu erro.
— Carecas brilham, é o segredo — comentou com os camaradas.
A surpresa ainda não havia deixado os rostos deles. Tanto aliados quanto inimigos acharam aquilo surpreendente à sua própria maneira.
Entretanto, a batalha não parou. E aproveitando-se da elevação da moral, Pedro ordenou uma nova investida para dentro do território inimigo.
— Avancem! Quero todos os idiotas mortos ainda nesta noite!
— Sim, Lorde Comandante! — responderam.
— Pela glória! — gritou um deles, o primeiro a avançar.
E o soldado foi seguido por seus pares, que também gritaram:
— Pela glória! Pela glória!
Foi aí que a verdadeira carnificina começou.
Shiiiiiin! Shiiiiiin! Pah!
Cabeças e partes desmembradas rolaram para todos os lados. Não tardou para que uma pequena piscina de sangue inundasse o chão.
Os soldados lufarvam o ar e a única coisa que sentiam era o cheiro mórbido dos pedaços de corpos assustados dos criminosos.
Apesar disso, motivação não lhes faltou. Aqueles homens ouviram histórias sobre as arruaças gaudérias, bem como seus saques e os sequestros à jovens damas das vilas e povoados próximos.
Alguns pessoalmente até, vendo com os próprios olhos e gravando no próprio coração o horror que aqueles criminosos fizeram.
A tática era covarde, atacar e fugir. Pegavam o que queriam e iam embora antes que os lordes mandassem seu apoio.
Mas o jogo virou. Essa era sua chance de revidar e eles a agarraram.
— Aaaah! Maldito! Isso é pela minha filha! — gritou um soldado, antes de decepar o pescoço de um inimigo ferido.
Shiiiiiiin! Poft! Um piscar de olhos e a luta se tornou completamente unilateral. Tudo por causa da fuga repentina do líder gaudério.
Pedro olhou desconfiado. Aquele cara de antes fugiu? Simples assim? Ele não acreditava nessa hipótese.
E como se respondendo a pergunta, um grito pavoroso veio de frente.
— Gyahahaha!
Os soldados olharam para trás. Uma silhueta anafada saía dos recôncavos lúgubres da caverna.
— Então todos morreram?! Tsc! Pelo menos esses lixos ganharam tempo pra eu pegar a Sanguinolenta. Gyahahaha!
Era o moreno tatuado, agora com uma cimitarra nas mãos. Ele também vestia um cinturão de couro, com um círculo de ouro na frente.
Pedro logo pressentiu o perigo que representava. Ele não sabia por que, mas uma coisa nele o fez sentir que era diferente de todos inimigos que abateu até agora.
“Esse cara tem uma aura… algo tenebroso que eu não consigo explicar”, pensou, antes de murmurar: — Parece que esconder minha força não é mais opção agora…
Ele suspirou, descendo de sua montaria.
— Todos vocês, afastem-se! — ordenou.
Os soldados não entenderam o porquê da ordem. Eles já massacraram todo mundo e o único que restava era o moreno à frente. Por que simplesmente não se juntavam para matá-lo?
E esse foi o pensamento de alguns deles ao desacatar a ordem do lorde e partir para cima do líder gaudério.
— Pela glória! — gritaram os soldados. Estavam decididos a matar ou morrer.
O homem riu, mexendo levemente a cimitarra em suas mãos.
Shiiiiiiin! Shiiiiiiiin! Mesmo a metros de distância, ele os cortou.
Paft! Fez o som dos restos dos soldados apressados, quando caíram sobre o chão frio da caverna.O escurecer de suas vidas foi ali.
— Ele…
— Cortou o ar e….
— Droga! O Jonny, e-ele…
Os soldados ficaram pasmos. Em contrapartida, o chefe gaudério continuou rindo.
— Gyahahaha!
Pedro ficou furioso.
— Tsc! Esses idiotas…
Não disposto a ver mais de seu lado morrendo em vão, o jovem comandante pegou duas espadas aleatórias e partiu para cima.
— Venha, maldito!
O adversário o recebeu com um sorriso.
…
Enquanto isso, em um recanto afastado do mundo…
Pah! Uma bola de aço bateu contra um enorme pedregulho. Logo depois uma figura de preto seguiu andando, bem lentamente.
— “Quebraescudos”, certo? — Ele perguntou.
Cof… Cof… Enquanto ouvia, o homem de armadura cuspiu o sangue residual.
— Você…
— Venci — comentou a figura. Seu tom era apático, completamente sem emoção.
Frio como o inverno, ele balançou a adaga e a mirou no elmo de aço. O adversário já estava debilitado e sem forças, mas mesmo assim se recusava a ficar deitado.
Por isso, estava apenas meio ajoelhado e usava um grande machado como apoio. E mesmo de longe exalava um cheiro forte de sangue e bebida.
— És um grande guerreiro. Estou pronto para ir a Vallara — cuspiu o homem. Provavelmente suas últimas palavras.
A figura se aproximou o suficiente dele naquele momento. A adaga agora apontava para o pescoço, enquanto uma flecha estava alojada na mão que segurava o machado.
— Esse é o seu desejo? — perguntou, cessando os movimentos.
Em resposta, o homem demonstrou sua melancolia.
— Preferia que as condições fossem outras, não vou negar…
— Que condições? — interrompeu o assassino.
O homem voltou a encarar nas pupilas de seu algoz.
Demorou um pouco, mas um murmúrio tristonho e zombeteiro saiu de sua boca, enquanto mudava seu ângulo para o fiel companheiro de batalha.
— Quando o recebi, jurei morrer na pior batalha do mundo. Do lado dos maiores guerreiros e lutando contra o maior dos adversários. Ahr… os deuses devem estar rindo agora. Ha… ha… ha…
Depois encarou o resto de escudo no chão próximo ao pedregulho. Pelo que se lembrava, o deus da vitória uma vez foi estampado nele. A pintura já estava gasta quando o recebeu, mesmo assim, ainda era uma pena que aquele fosse o fim de seu velho e fiel amigo.
A esperança se esvaiu. Ele iria morrer. Sabia disso.
Fiel às tradições, entretanto, não fugiu ou gritou. Na verdade, esticou o pescoço com orgulho e esperou pelo movimento final.
Segundos se passaram, no entanto, ele não veio.
— Posso dar o que deseja, mas em troca você vai fazer algo para mim.
A surpresa tomou conta do homem naquela hora. Ele até caiu de costas ouvindo isso.
— E o que seria?
— Junte-se à Associação. — O encapuzado estendeu as mãos e recolheu a adaga.
O homem estendeu o pescoço, só para ver mais três pessoas com o assassino. Um deles sorriu para ele. Em resposta o homem arqueou as sobrancelhas.
— Levante-se. Eu explico no caminho — disse. — Precisamos cruzar o mar do Oeste, antes que os mercadores lotem os barcos.
O homem sentado aceitou a mão. Agora estava ainda mais curioso com os propósitos desse misterioso assassino e seu grupo.
— Para onde vamos agora, chefe? — perguntou um deles.
O homem pensou alguns segundos antes de responder.
— Para a sede.