Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 52
Mesmo partindo para cima do líder gaudério, Pedro não usou sua verdadeira força. O principal motivo era evitar que a caverna desabasse.
Além disso, ele sabia que o que fizesse na frente de tantos homens com certeza não ficaria ali. Isso daria vazão a boatos ainda mais estranhos depois.
E com a forte inclinação que tinha para o mundo do crime, atenção desmedida não era bom. Atos ilícitos eram a regra que Pedro seguia. Legalidade a exceção.
— Vamos, seu merda! — atiçou o gaudério enquanto seus aliados recuavam.
— Esperto. Quer defender os capachos, não é? Sem problemas, eu permito que vão — respondeu o marginal. — Afinal eles só atrapalhariam nossa festa. Gyahaha!
Mas a simpatia do criminoso logo se mostrou superficial. Ele logo girou o punho em Pedro.
Shiiiiiiiiin! Sua Sanguinolenta beijou o ar.
Pah! O rapaz interceptou.
Foi estranho. O homem nem saiu do lugar, mas as lâminas de Pedro sofreram danos.
“Racharam…!?”, ele ficou incrédulo. O adversário usou a mesma coisa para matar os soldados mais cedo.
Mas como? Pela forma e velocidade de execução, Pedro tinha certeza que não era um feitiço. Mesmo assim, ele sentia as partículas mágicas se reunindo frenéticas próximas ao oponente.
— Tsc! Armas quebram muito rápido. Como sempre, vou ter que usar vocês de novo — comentou, olhando para as mãos nuas.
Foi então que ele agiu. Como um tigre, tomou impulso e encurtou a distância do inimigo.
Ziiiiiuuum! A velocidade surpreendeu o gaudério. Apesar disso, o homem também estava preparado.
Pah! Punho contra punho. O bandido foi obrigado a usar sua mão livre para não ter a cabeça esmagada por Pedro.
Pah! Shiiiiiiiin! Revidou rápido, tentando cortar o rapaz.
Mas Pedro fez uma esquiva e depois usou as pernas como base para um golpe no estômago do adversário.
Poft! Instantaneamente, o homem sentiu o ar ser expulso à força pela boca do esófago. Recuou alguns passos com o impacto.
“Mesmo o cara não usando armadura, isso foi meio duro de bater”, comentou Pedro em sua mente.
Algo cobria a pele do gaudério. Partículas mágicas o rodeavam, formando uma espécie de armadura invisível. Ele não sabia explicar.
Mas tudo bem, não havia tempo.
Shiiiiiiiin! O inimigo cortou à distância.
Logo, Pedro sentiu duas lâminas invisíveis chegando. O alvo era seu pescoço. Sem outra opção, optou por um recuo.
Desse modo, a distância entre eles aumentou ainda mais, o que parecia ser o objetivo do gaudério.
Ele riu, encarando-o do fundo ca caverna.
— Você é forte. Tão forte quanto aqueles caras de dourado. Agora sei porque os velhotes concordaram tão fácil com o pedido do gordão, nesse lugarzinho tem uns animais realmente interessantes — disse.
Ele deu alguns passos a seguir, encarando Pedro com um ar complacente. Este o retribuiu na mesma moeda e, nesse momento, os dois eram como chefes do tráfico rivais.
Cercavam um ao outro em círculos, esperando o momento mais oportuno para atirar e roubar do adversário seu ponto de drogas.
— Tudo bem, pirralho, essa noite eu serei seu adversário. Gyahahaha!
Shiiiiiiin! Shiiiiiiin! O homem ficou sério, enviando ondas e mais ondas de cortes invisíveis. Pedro precisou de esforço considerável para desviar dessa vez.
“Preciso me aproximar dele”, pensou, percebendo que só se afastava do oponente.
Apesar da diferença de forças, o rapaz não levou muita vantagem nessa luta até agora. Mesmo que fosse rápido, ainda havia um limite para o que poderia fazer contra cortes invisíveis.
Shiiiiiiin! Pah! Pah!
O gaudério era formidável com a cimitarra. Seus golpes por vezes passavam perto de atingir alguma área crítica dele.
“Merda! Preciso de algo que o bloqueie. Se tiver isso poderei me aproximar dele”, refletiu.
Ele então olhou para os lados, para os cadáveres mortos, na esperança de encontrar algum escudo. Infelizmente, nada encontrou.
Shiiiiiiin! Mais cortes vieram.
Pedro não podia desviar por muito tempo sua atenção. Precisava de todos os sentidos para adivinhar a trajetória dos golpes.
Pah! Shiiiiiiin! Mais golpes, mais recuos. Pedro já estava ficando puto.
O adversário claramente estava se divertindo com isso. Zombaria tomou seu olhar, como uma hiena para a carniça.
— Apenas espere, maldito! Sua hora vai chegar — Pedro ameaçou .
O inimigo respondeu com outra série de golpes, rindo mais alto.
— Gyahahaha!
Naquele momento, Pedro desviou o olhar para trás. Foi breve, só para ver a posição dos aliados.
“É o suficiente. Eles já não devem conseguir ver nada dali”, concluiu. E um sorriso se abriu em seu rosto raivoso. Aquilo foi subito.
O gaudério estranhou. O que o garoto ia mostrar?
No instante seguinte, chamas brotaram das mãos dele. Depois, dois jatos vieram voando em sua direção.
Sssssss! Ssssssss!O vermelho tomou conta de seu campo de visão.
Era o cântico das [labaredas escarlates], um dos feitiços mais poderosos que Pedro sabia.
Ssssss! Pah!
O homem atirou suas lâminas invisíveis para as interceptar antes que elas o transformassem em torradinha. Isso causou uma pequena explosão na caverna.
Não foi o suficiente para fazê-la desabar, mas satisfez com sucesso o plano de Pedro. A distância entre eles diminuiu.
O gaudério percebeu a aproximação e lançou mais golpes, na esperança de fazê-lo recuar. Não funcionou.
Sssssss! Pah! Pah!
Todas as lâminas do homem foram interceptadas pelas chamas de Pedro. Ele pareceu surpreso ao ver os feitiços poderosos.
“Então é isso… Esse cara é um infiltrado dos hereges. Tsc! Que cacete! Preciso avisar os velhotes“, xingou internamente o gaudério, guiando estrategicamente os golpes para se pôr em direção à saída.
Shiiiiiiin! Sssssss!
Pah!
As explosões residuais estavam cada vez mais próximas dele. O homem se assustou. Se o pegassem, já era.
“Em que círculo esse pirralho tá? Tsc! O Desgraçado nem parece cansado, e é tão rápido quanto minhas projeções. Nem parece que entoa algum feitiço“, analisou.
Ele também já tinha visto que o jovem à sua frente era bem mais rápido e forte do que ele mesmo. De modo que simplesmente se virar e correr não era uma opção.
“Preciso de um refém!”, concluiu.
Infelizmente, não sobrou ninguém vivo ali. E os aliados do rapaz também já haviam debandado. Foi só naquele momento que o homem notou sua própria estupidez, deveria ter ido com mais calma.
Pedro já estava a cinco passos quando o gaudério terminou a varredura. Fugir não era mais opção.
— Pirralho. Eu admito, tu é bom — disse o homem. — Mas fale pra mim, cê teve alguma coisa haver com aquelas palhaçadas dos últimos dias, estou certo?
— Q-quê? — atrapalhou-se o rapaz no meio do ato.
— Cê sabe, Pirralho. O roubo, os assassinatos, o terror que tu pôs nos meus capangas. Aquilo tudo era uma estratégia sua.
Ele obviamente sabia do que se tratava. Mas fingiu ser uma planta, esperando o homem continuar seu discurso de vilão.
— Cês já sabiam que a gente tava aqui e então se aproximaram lentamente, invadindo meu acampamento e surrupiando tudo. Cacete! Cês roubaram até a contabilidade!
Pedro segurou o riso.
— Mas cês não vieram me enfrentar diretamente — o homem continuou — E isso tudo pra fazer eu baixar a guarda. Tsc! Espertos…
— Quem você acha que tá acusando, safado?! Não tive nada haver com isso — Pedro negou enfaticamente. Se fosse outra pessoa, talvez tivesse acreditado.
Mas o gaudério ali o encarou com um rosto cínico. Não gostou nadinha de ser roubado, pelo visto.
— Claro que teve. Admita!
— Nunca! — respondeu por reflexo o rapaz.
A seguir o foi a vez de Pedro encará-lo cinicamente. E ele era bom nisso.
— Vocês, servos das trevas, são mesmo ardilosos. Nem com a verdade apontada para suas caras, admitem a verdade…
Tsc! O gaudério estalou a língua em desgosto, parando por alguns segundos antes de continuar.
— Mas tudo bem, nesse aspecto nós não somos tão diferentes assim. Gyahaha!
“Do que quê esse maluco tá falando?”, pensou Pedro.
— Viu? — O homem sorriu, antes de bater no cinturão.
O movimento foi rápido. Talvez começar aquele diálogo fosse só uma forma de ganhar tempo para aquilo. Não… provavelmente era aquilo.
Mas porque ele só bateu no cinturão no final da conversa? Se queria mesmo ganhar tempo, não deveria ter feito isso no início para só depois enrolar?
Pedro pensava em uma resposta, mas isso se mostrou desnecessário. Quando a mana começou a se expandir para fora do objeto, ela veio espontaneamente.
“Pilantra! Ele já tinha mana reunida naquilo. Se eu recuar agora, a caverna toda explode e perdemos todas as provas“, Pedro xingou em seu coração ao sentir o fluxo de partículas mágicas se expandindo para fora do cinturão.
Era preciso interromper o fluxo antes que aquilo explodisse. Mas como faria isso? O rapaz estava sem ideias, encarando com a guarda alta o gaudério e seu cinturão.
Ele não sabia o motivo, mas naquela hora uma memória lhe veio à mente. Foi na mansão do Barão de Oss, quando usou as partículas em um estado puro para criar uma pequena explosão radioativa.
Elas reagiram com o ouro, que rebateu parte da radiação, só que com uma pequena interferência ondulatória.
Na época, Pedro pensou que as ondas azuis da mana sofreram uma espécie de efeito doppler ao serem refletidas pelo ouro, o que comprimiu as ondas e as fez mudar de cor.
Contudo, como ele poderia usar isso para reverter a reação?
— Já sei! — gritou, desaparecendo subitamente da vista do homem.
O que aconteceu depois foi que se aproximou o suficiente do homem para apunhalá-lo no peito com a mão direita.
Pah! O oponente cuspiu sangue, mas manteve ambos intactos: olhar e riso jocosos.
— Me matar não vai parar a explosão, pirralho. Cê só tá perdendo o pouco tempo que tem pra tentar fugir daqui. Gyahahaha!
Pedro não lhe deu atenção, afundando ainda mais a mão no homem, até o coração. Ele já havia largado a cimitarra a muito tempo, sem ter tido a chance de cortá-lo.
Com a esquerda, Pedro pressionou o cinturão. E logo, logo toda a mana daquele lugar começou a ser reunida ali.
O que ele estava fazendo? Algo similar à explosão azul?
Não. Aquilo ia além de deslocar elétrons das partículas para mudá-las de cor. Na verdade, ele aplicou o mesmo princípio de modo bem mais complexo, quase intuitivo.
Ao alterar a estrutura fundamental de algumas delas, usando uma enxurrada de outras partículas para atacar momentaneamente a força fraca, ele forçou artificialmente o decaimento das partículas armazenadas no cinturão.
Pedro intuiu que essas partículas armazenadas estavam programadas por algum mecanismo para se transformarem em substâncias explosivas.
Com o decaimento forçado, no entanto, as partículas programadas para a explosão se transformariam em outro elemento, até que o núcleo se tornasse estável. Assim perdendo a capacidade explosiva.
O líder dos bandidos olhou para baixo e percebeu a falha do objeto. Aquilo o assustou.
Mesmo sem entender o que o rapaz fez, ficou óbvio que não era um simples amador.
— Pirralho, você é mau. A reencarnação do próprio Baal! — disse, dessa vez com medo. Isso foi antes de sentir um aperto firme recolher à força seu órgão vital.
Com a voz baixa, ele completou: — E mesmo agora, a dois passos da redenção, dou de cara com o próprio diabo. Mas que homem sortudo eu sou… Gya… ha… ha…
Quando o órgão explodiu, o gaudério caiu de joelhos, gastando a última gota de vitalidade restante para dar uma risada alta e abafada.
— Gyahahaha!
Paft! Os joelhos cederam. Pedro encarou de cima o último sopro de vida do adversário mais tático e que mais lhe deu trabalho até agora.
Ele estava cansado. A estratégia de antes o obrigou a usar muita mana de uma vez só. Pode até não parecer, mas foi uma aposta arriscada tentar parar a explosão, ao invés de só atirar o homem para o espaço com cinturão e tudo.
Pedro não queria chamar atenção, entretanto. E quem sabe que cartas na manga ele tinha? Não arriscar foi a melhor opção.
A consequência disso foi um pouco alta, mas deu tudo certo no final.
Sem tempo para absorver nada do ocorrido, contudo, uma voz estranha bateu a porta de sua mente vacilante.
—[ O anfitrião capturou uma alma maior ]
— [ O anfitrião deseja trocar essa alma maior por um oficial do exército remulu? ]
Essa foi a última coisa que ele ouviu naquela noite, antes de desabar de cansaço na entrada da caverna.
Mais tarde, seu corpo exausto foi encontrado ao lado de dois companheiros mortos e do cadáver sem vida do líder gaudério.