Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 59
— Uaaar… Mas que sede…
Sedutora. E essa não era uma característica exclusiva de sua dicção, pois a silhueta era igualmente quente. Curvas acentuadas, mas avantajadas nas partes certas. Pele macia e reluzente que se mostrava sem resguardo sob a prata da lua.
— Hum? Matou todos os meus servos? — questionou indolentemente.
Reparando de perto percebia-se aqueles olhos injetados, essa era a única imperfeição em sua face. De resto, cabelos negros e rosto delgado. Cintura fina e seios salientes. Sem dúvidas, uma autêntica beleza.
— Ué? Você por acaso não é… Pera! O que raios aconteceu com você?! — Surpreso, Pedro indagou.
Notando a aparência do jovem o olhar da garota vacilou. Ela se espavoriu por poucos milésimos antes de recuperar a compostura.
Então sorriu galantemente em resposta. Sua figura piscou e sumiu.
Um breve momento depois e já estava na frente do rapaz, com os caninos afiados descendo sob seu pescoço jovial.
E ele, claro, não tardou em desviar.
Psum! A adversária escorregou.
— Ohrf… Você é rápido! He… E tem um cheiro tão bom… mesmo de longe, que delícia!
Mas enquanto ela murmurava frases estranhas, Pedro raciocinava.
“O que raios tá acontecendo?! Por que aquela mocinha tímida de antes se tornou essa cadela depravada? Uma vampira, é sério?!!”
A mente remava rumo a uma resposta lógica. Todavia foi inútil. Na hora ele não entendeu o que aconteceu com ela.
Isso acaso estaria relacionado ao surgimento das aberrações?
Se sim, então o mesmo grupo por trás dos gaudérios e da gripe fez isso com ela? Ou seriam pessoas diferentes?
Pah! A vampira interrompeu as divagações.
Usou as unhas afiadas para apunhalar. Mas em resposta teve o pulso afastado por um golpe de judô.
Poft! Pah!
Caiu com tudo. Mas não ficou parada, fugiu.
Ziup!
Os remulus também procuravam, entretanto não a encontraram em lugar algum. Sua sombra estava oculta de um modo tal que nem a luminosidade da lua cheia foi o suficiente para revelar seu breu.
Pedro então se pôs em guarda, atento. A adversária escondida era ao menos tão rápida quanto ele. Por causa disso não podia vacilar.
Essa figura com quem lutava, a única vez que a viu foi na noite em que conheceu Giulliano e Jina no bar.
Na ocasião, o ruivo saiu na frente com a garota. Ela se mostrou bastante tímida, mas parecia olhá-lo com um intenso desejo.
E mesmo Pedro nunca compreendeu direito como Giulliano conseguiu provocar aquilo em uma mulher. Foi tão surreal que pareceu um daqueles “serviços” feitos por certos “profissionais” na Terra.
Pah! A vampira atacou de novo, dessa vez pela retaguarda.
Havia uma abertura lá. Sucesso! Ou foi isso que ela pensou. Contudo, a única coisa que conseguiu foi um chute de capoeira na boca.
Em desespero ela usou os braços para se defender, mas isso não impediu que voltasse voando para trás.
Pah Poh! As paredes racharam.
Temerosos, os remulus correram até seu general e o cercaram por todos os lados. Para um próximo ataque teria que passar por eles.
Mas a oponente não se importou nadinha com isso.
Pah! Shiiiiin! Como um flash, garras afiadas atingiram em cheio o pescoço dos remulos. Sem tempo para escudos. Dois deles caíram.
— Que filha da put… — Pedro sequer terminou a frase antes de avançar. O corpo agiu sozinho. Ele perseguiu a figura esguia.
Todavia, quando estava prestes a destituí-la de sua existência…
Ziiup! Suas mãos comeram o ar.
“Tsc! Juro que quando eu pegar essa puta irei socá-la até ela falar”, pensou.
Dessa forma, tendo recuperado novamente a postura, ele decidiu apagar os pensamentos inúteis e se concentrar de vez na batalha.
— Venha aqui e mostre-se meretriz! — gritou em direção ao beco.
E a vampira não tardou em aceitar o convite. Fora da formação e com a lateral exposta, ele estava completamente vulnerável.
Dessa vez, entretanto, Pedro se virou e a recebeu de frente. O perfume sangrento a denunciou.
Mas o ataque que esperava não veio. Ao invés disso, do outro lado…
— Vocês, saiam daí! — vociferou para os soldados remulus.
Logo em seguida o rebote do vento passou de raspão sobre as costelas deles. Foram arranhados, mas mantiveram a vida intacta.
Pedro arqueou as sobrancelhas em descontentamento. A inimiga usou uma tática perversa que quase custou mais vidas de seu lado.
Mas ele não pensaria muito nisso. Era guerra. Por isso não vacilou, sacou a arma e avançou.
Pah!
Shiiiiiin! Shiiiiiiiiiiin!
Fio por fio, a lâmina gaudéria foi de encontro às unhas aguçadas da vampira. O ruído foi alto, quase ensurdecedor.
A adversária foi forçada a recuar novamente, antes de ser surpreendida. Dessa vez Pedro não permitiria que desaparecesse.
— Tiid KLo Ui!
Ele desacelerou o tempo e isso não foi tudo. De longe, chamas vieram de sua mão livre.
Sssssssss!
Apesar disso, quando se focou no solo chamuscado viu que ela não estava mais lá. Sumiu!
“Essa safada foi mais rápida que o meu rugido dracônico?!”, ele ficou atônito. Isso nunca aconteceu antes, ao menos não fora de seu treinamento.
— Essa velocidade… Os resquícios de mana… Ela usou algum feitiço — concluiu em voz alta.
Era a única explicação possível. Contudo, a moça não era antes uma simples camponesa? Como adquiriu tal conhecimento?
E se ela de fato se teletransportou, então aquele não tinha como ser um feitiço simples.
Mesmo depois de três anos estudando os fundamentos da ciências naturais e a arcana, Pedro sequer adquiriu a noção dos princípios básicos necessários para tal.
Ele só sabia que em tese teletransporte não deveria ser possível.
“Não, sem pensamentos desnecessários!”, repreendeu-se. Em seguida agiu novamente.
Pah! A oponente também atacou de novo.
— Espero que seu sangue seja tão prazeroso quanto essa batalha.
— Não viaja, sua puta!
A luta continuou daquela mesma forma por algum tempo. A vampira atacava e depois sumia. Uma estratégia de morde e assopra.
Pedro estava puto. E a cada minuto que se passava só fazia piorar o seu já catastrófico humor. As mortes não cessaram também.
Para se proteger os remulus usaram uma formação de fortaleza, com paredes de escudos em todas as direções. Infelizmente, aquilo só os ajudou a reduzirem as baixas, mas evitá-las se mostrou impossível.
Pedro lutava para manter o autocontrole. Seu peito estava quente e, por algum motivo, ele sentiu sua fúria crescer. A reação era um tanto desproporcional e inconsciente. A verdade é que já estava saturado.
Na maioria das batalhas anteriores venceu facilmente. E nas que isso não foi possível ele ao menos causou sérios danos à parte contrária, ou sentiu que poderia os causar se tentasse a sério.
Essa vampira, contudo, foi na contramão de suas expectativas.
Ela era tão veloz quanto ele. Suas táticas eram tão perversas quanto às dele. Ela batia na parte mais frágil e então fugia. Implacável.
— Fica parada, sua dentuça! — gritou.
Ainda nas sombras, a referida torceu a boca em desgosto.
Ela era muito arisca e sua blitzkrieg muito eficiente. Pedro não sofreu danos, mas a cada minuto que se passava um subordinado seu morria.
Ele não ligava tanto assim para a vida dos remulus, afinal, não os colocava no mesmo patamar dos habitantes de Vilazinha. Mesmo assim, vê-los sendo abatidos como galinhas… Isso o deixou furioso.
Ziup! Pah!
A vampira atacou novamente, mas foi interceptada.
Dessa vez foi diferente. Pedro sentiu o movimento adversário desacelerar. O impacto do golpe estava um tanto mais fraco também.
— Então você tá sem energia, é? Sua rameira safada — ironizou.
A moça se zangou com a ofensa dele. Foi a segunda daquela noite.
— Apenas espere, seu merdinha, quem é que vai ficar sem energia quando isso acabar…
Pedro não entendeu a resposta. Todavia, se atentando ao rosto, percebeu diferenças com o estado anterior. Os olhos estavam bem mais injetados, as veias saltavam do pescoço e da testa.
Ela estava claramente alterada e, juntando todos os sinais, a conclusão óbvia era que estava perdendo resistência.
Foi aí que certa uma ideia brotou na mente conciliatória do rapaz.
— Olha, escuta aqui. Eu quero que me responda algumas perguntas. Você só tá com fome, né? — questionou.
A oponente do outro lado se assustou com a fala. Afinal, o que era aquela proposta descarada senão uma forma de fazê-la baixar a guarda?
— O que você quer dizer com isso? Acaso achas que sou tola?
— Não… Não te acho nenhum pouco boba — disse, gesticulando descaradamente em direção a ela. — Vi como me olhava antes, tu também disse que meu cheiro é bom, certo?
Ainda desconfiada, a adversária se afastou. Mas acenou positivamente em resposta.
— Então é simples. Você quer uma coisa que eu tenho e eu tenho uma coisa que você quer. Que tal um contrato então? — propôs o rapaz, como um verdadeiro diabo.
A vampira arqueou a sobrancelha, cética. Ela não acreditava nadinha nele.
— Você vai deixar que eu chupe seu sangue?
— Claro que não! Tu tá doida, é? — disse antes de explicar. — Gaio, me dá seu capacete.
O subordinado fez conforme a ordem e entregou-lhe a peça de aço sem questionar. Era um verdadeiro subalterno militar do povo remulu.
Pedro então sacou a arma e fez um pequeno corte sobre a palma.
Shiiiiiiiin!
Sangue caiu, despertando o desejo da parte contrária. Ela tinha sede, qualquer um com um bons olhos e um tanto de malícia notaria isso. Sua língua se movia pelos lábios com desejo. Sedutora e expectante.
— Dê-me! — disse ela.
— Alto lá, meretriz! — Pedro a empurrou, interrompendo o ímpeto e provocando sua gula crescente. — Não se pode ter a contraprestação sem ceder primeiro o crédito.
— Do que você está falando?!
— Responda essa pergunta primeiro: essas criaturas de antes, foi você quem as transformou?
A vampira assentiu rápido, sem tentar esconder nada. Nem parecia que estava tão desconfiada antes.
— Entendo — disse o jovem, movendo o capacete em direção à outra parte.
Ela salivava, não se preocupando em esconder sua empolgação. Contudo, o rapaz interrompeu o movimento, trazendo o recipiente de volta para si.
— Ei! — xingou a vampira.
— Calma, tenho muitas outras perguntas para ti. Deixa eu pelo menos fazer mais uma antes de dar o que é seu.
A escolha de palavras foi perfeita. Ela concordou rapidamente, caindo no truque.
Mas a verdade era que a sede por sangue provavelmente já fritou seu cérebro. Ela agia desconfiada antes, só que depois de ver o pote de aço perdeu o controle, como um verdadeiro viciado em drogas.
— Ainda sobre as criaturas, o que elas são? Por acaso podem infectar mais pessoas por si mesmas? — perguntou.
— Não, não podem! — disse, avançando para seu tesouro.
Todavia, o rapaz novamente se esquivou, indicando que deveria responder também a outra pergunta antes.
— Não sei o nome, ele não me disse. Só os chamo de servos — explicou, se apressando. — Agora me dê!
Pedro até pensou em enrolá-la mais um pouco e questionar quem era esse “ele”. Contudo, pelos olhos afoitos da companheira, deduziu que isso não terminaria pacificamente.
Assim, entregou de vez o capacete, articulando internamente:
“Quando ela tiver bebendo eu vou desacelerar o tempo e cortar as pernas dela. Sem pernas ela não vai conseguir correr. O teleporte vai ser inútil”.
Era uma estratégia cruel, mas ele simplesmente não se importava. Essa era a pessoa responsável por toda aquela desgraça, afinal.
Contrário senso, os planos não correram conforme o planejado.
Logo ao dar o primeiro gole, o corpo da vampira parou. Suas mãos tremeram e ela largou o recipiente.
“E agora… o que há com essa pevertida maluca? Tava toda doidinha pedindo meu fluído precioso há pouco tempo atrás, e aí, quando dou o que a safada quer, ela larga tudo assim, de qualquer jeito?! Que absurdo!”, pensou.
Mas essa não foi a única coisa estranha que viu naquele momento. A pevertida em questão claramente estava diferente do habitual.
Ao beber o líquido vermelho ela instantaneamente sentiu um prazer extraordinário. E, à medida que o fogo descia por sua garganta, um formigamento gostoso foi se espalhando para outras partes do organismo. Uma mistura de embriaguez e desejo.
Ardência estimulante. Era a única combinação de palavras para isso.
E essa sensação foi ficando cada vez mais intensa. O formigamento começou a tomar conta dos braços. As partes inferiores tremeram um pouco também.
No exterior, uma massa densa de mana se formou. O fluxo caótico de energia girava, moldando a forma do vento. As partículas mágicas desorientavam o curso normal da natureza.
Ficou tão caótico que se tornou simplesmente impossível controlar.
O corpo dela pulsava mana. E não de uma forma saudável. Ela sentiu isso, que a lateral de seu abdômen estava para explodir. Acaso seria este o escurecer de sua essência?
— Não… Não! Não quero deixar esse mundo! Não sem ele! Não até que volte! Preciso esperá-lo no bar! Ele disse que voltaria, que um dia…! Preciso… HAHAHAHAHA!
Apesar da dor a mulher gargalhava e gemia de prazer. Suas reações foram tão altas que Pedro não se assustaria caso alguns morcegos caíssem, desorientados.
Os joelhos cederam. Ela caiu no chão, não conseguindo mais controlar os músculos das pernas. Um líquido límpido escorria aos montes dali, junto com a vitalidade da vampira.
Suas reações foram extremas. As pernas tremiam muito, balançando-se para todos os lados. Ela rolou pelo chão sujo, tentando controlar o êxtase. Mas nada funcionou.
— HAHAHAHAH! — Entre os extremos de felicidade e dor, a criatura da noite não mais ousou resistir.
Aquela ardência ficou cada vez mais intensa, ao ponto não só de queimar, mas de a congelar por completo. E aquela angústia ardente foi indo de suas partes inferiores para o busto, os ombros, o pescoço e, por fim, a cabeça.
Quando chegou ao cérebro, ela apagou. A chama de sua vitalidade foi soprada para sempre. A cera da sua vela da vida acabou.
E uma risada rouca de prazer foi a última coisa que saiu daqueles lábios avermelhados. A vampira tinha sede, mas morreu afogada sob o próprio desejo.
Aquilo deixou Pedro atônito. Será que seu sangue era poderoso ao ponto de fazer um ser hematófago ter morte súbita por overdose?
Será que aquela bobagem de sangue puro dos anciãos na verdade tinha algum fundamento? Não. Não era isso que mais o preocupava no momento.
— Giulliano… você por acaso é o responsável por toda essa calamidade? — questionou, um pouco conflituoso.
Por terem se dado bem no início, ele queria dar o benefício da dúvida ao amigo. Mas teve que admitir, eram coincidências demais. Todos os indícios apontavam para o ruivo.
— Se um dia te encontrar de novo, vou questioná-lo pessoalmente. E se você for mesmo o responsável, Giulliano… então esta será uma dívida quitada com sangue!
Muitas pessoas inocentes morreram em seus braços durante as últimas doze horas. Sua frustração atingiu o limite.
Mas o pior mesmo era pensar que por poucos quilômetros não foi Vilazinha a sofrer tal destino.
Pode ser algo irracional, mas para cada adulto assassinado em Oss, ele imaginou a morte de um de seus súditos; para cada criança, um pequeno de Vilazinha. Aquilo não o agradou nem um pouco.
— Eu juro, seu puto! Juro que vou te matar!
E assim, sob o brilho tímido do sol nascente, uma amizade precoce se desfez.