Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 67
— Muito bem, pessoal. Vocês cinco serão os responsáveis por levar ao mundo o bom nome do nosso ramo de atividades.
— Sim, lorde Pedro! — responderam os novos membros.
Mais cedo foi explicado o que deveriam fazer. Basicamente, sairiam por Mea completando as missões nos murais das cidades, espalhando que pertenciam a uma organização denominada “Associação dos Aventureiros”.
Já haviam grupos que trabalhavam juntos nessas missões, mas eram sempre restritos a um número pequeno de pessoas. Isso porque as recompensas não eram altas e as demandas mais complicadas normalmente ficavam confiadas a mercenários prestigiados.
O plano de Pedro era mudar o sistema.
Se ele conseguisse profissionalizar a atividade e criar um lobby, então Vilazinha nunca mais iria ter que se preocupar com dinheiro novamente. Assim, sua ausência prolongada não seria mais um entrave aos cofres da vila.
Beto os comandaria para a glória, enquanto Pedro fazia sua viagem com Rebecca.
— Prontos? — perguntou o capitão assassino.
Eles assentiram. Lerr checava a bainha de sua espada, enquanto Harold conferia o novo escudo e Bert arrumava seu arco.
Lerina, por sua vez, checava se todos os equipamentos estavam em ordem. A primeira viagem prometia ser longa, por isso ela trouxe bandagens extras.
— Boa sorte, estou confiando em vocês!
A garota lançou um último olhar enquanto partia. O rosto ainda se mantinha inexpressivo, mas o gelo de suas pupilas havia derretido um pouco. Mesmo que timidamente, a esperança retornou. Bem tênue, de fato, mas a menina estava convicta que com a ajuda dele se vingaria da Igreja.
— Acho melhor partirmos também, Rebecca — disse o rapaz.
A garota acenou em resposta. Ela estava arrumando as coisas na carruagem enquanto ele instruía os outros presentes.
— Bom… espero que trabalhem juntos e protejam a vila pelos próximos meses — disse para a primeira. — Janet, como Diretora-Geral da polícia, você é a pessoa de maior autoridade em minha ausência. Comande-os bem e se precisar de ajuda não hesite!
— Sim, lorde Pedro! Confiarei em lorde Jin e em Sua Alteza caso precise.
— Poodle — falou para o segundo. — Lidere o Departamento Criminal e cubra os malditos de porrada!
Ele ficou desnorteado por alguns minutos, mas sorriu em resposta. Sem dúvidas cumpriria a missão.
— Quanto a vocês. — proclamou para os dois restantes. — Marta, continue nosso plano cultural. E capitão, espero que apoie Janet e Jonson com a segurança da vila.
— Sim senhor! — respondeu o oficial. A velhinha também assentiu.
Com isso o rapaz se virou e seguiu para os palafréns na campina. Foi ajudado por Rebecca, que já estava dentro da carruagem. Dessa vez seria ela quem guiaria, por motivos óbvios.
— Deixo Vilazinha em suas mãos — disse uma última vez, vendo as casinhas de pedra e palha se tornando cada vez mais distantes.
Dessa vez, nem ele, nem Beto e nem Rebecca estariam ali para salvá-los. Haviam apenas umas dúzias de remulus e a polícia. Exatamente por isso deveriam ter extremo cuidado.
— Acha que vão ficar bem? — perguntou para a garota. Seu tom era similar ao de um pai preocupado.
— Confie neles, amor. Todo mundo aprendeu muuuito e trabalhou bastante nesses últimos tempos, estão prontos — confortou, sentindo suas mãozinhas sufocarem em meio às garras do companheiro.
…
Enquanto isso, no outro lado da Península, uma grande festividade acontecia. Os jardins de Lilus Willbood ficavam agitados à medida que os membros da alta sociedade desfrutavam do evento.
— Senhores, senhoras — chamou o anfitrião, batendo palmas e içando-se sobre a mesa. — Agradeço a todos por vossa ilustre presença e também proponho um brinde. Saudemos ao ditador Lucelius e à sua importantíssima contribuição para nossas tropas.
O gramado luzente refletia bem o estado de espírito do orador. Seu tom era tão intenso quanto a primavera.
— Ao ditador Lucelius! — bradou o homem.
— Ao ditador! — responderam os convidados.
O homenageado em questão foi obrigado a largar suas bebidas e agradecer aos amigos.
— Obrigado a todos, meus irmãos de batalha! E obrigado pelas bebidas, Pill. Os wex sabem mesmo como fazer uma boa cerveja! Hahaha!
O comerciante gargalhou vividamente com a brincadeira.
— Mas principalmente, — continuou o homem — obrigado a você, caro amigo. Não só me ajudou na Assembleia como também organizou essa festa. Sem você, nada disso seria possível! De verdade mesmo…
— Sou eu quem agradeço, meu amigo. Sua experiência militar será fundamental agora — ressaltou. — Um brinde a Lucelius! Uma salva de palmas para os colorados!
— Um brinde a Luceilius! Vivas aos colorados! Vivas ao senhor Lilus, ditador da República!
Tim! Tim! Taças bateram. Lilus e Lucelius brindaram primeiro entre si, como camaradas e personagens ilustres que eram.
A festa continuou e em algum momento um grupo de oligarcas conversava. Eles se sentavam na mesa mais próxima à fogueira, rodeados pelo cheiro embriagante do álcool e pela doçura cativante das especiarias estrangeiras.
— Isso aqui é de fato muito bom, Pill. Onde caralhos você arranja essas coisas deliciosas? — perguntou o ditador parrudo.
— Ora, caro Lucelius. Um bom comerciante tem de ser como uma cortesã experiente: Nunca deve revelar seus segredos, a não ser que seja necessário, não é mesmo? Ohoho…
Eles entraram na gargalhada.
— Com licença, senhores — disse um servente. — Os ilustres não gostariam de mais uma taça dessa magnífica iguaria?
— Oh! Essa é aquela bebida de Wex?
— Essa mesmo, senhor! — respondeu o garçom.
— Pode servir — disse Lucelius.
— Faça essa gentileza para mim também, sim? — pediu Lilus, educadamente.
E assim foi feito. Mas antes que o jovem de olhos violetas pudesse desfrutar daquela refrangência nortenha, teve a taça arrancada pelo amigo beberrão. Ele sorriu e engoliu rápido os dois copos.
A atitude descontraída de Lilus provava que este era um evento habitual durante seus encontros fortuitos de borracheira. A sede de Lucelius era tão grande quanto seus músculos.
Glub! O ébrio regular soluçou, provocando o riso dos presentes. Enquanto se limpava com a manga, entretanto…
— Ei, Lucelius, que careta é essa? Por acaso destes de cara com Näark?! Parece até que viu um dragão! Haha!
As risadas vieram como de praxe. Os amigos se divertiram muito com a cena, ao menos nos primeiros dois minutos, que foi quando perceberam as mãos do homem em um movimento frenético próximo à garganta.
— O que houve? — questionaram, correndo até ele.
O tom roxeado já havia tomado uma boa extensão de seu rosto feroz. Baba branca transbordava pelas laterais de sua boca, se misturando com um líquido vermelho que juntos maculavam o uniforme do militar.
— Senhor Lucelius… E-ele… Ele está sufocando! — gritou o comerciante, pessoa mais próxima da vítima até então.
O indivíduo foi afastado às pressas por Lilus, que veio freneticamente ao socorro do camarada ditador.
Ele percebeu os espasmos e mandou que todos se afastassem. Depois pediu que trouxessem um pano para proteger-lhe a língua, levantou-o com calma e tentou aplicar-lhe uma técnica salva vidas na boca do estômago.
Se conseguisse vomitar, talvez ganhasse tempo para que arranjassem um antídoto.
Infelizmente, o destino não foi tão clemente com o bravo general. Ele se agitou, espasmou, gritou, mas nada adiantou. As luzes de sua vida se apagaram naquele fatídico dia primaveril.
Os convidados estavam em choque. Lucelius Rock, ditador da República e 1º Marechal do Exército, morreu envenenado durante a festa de sua promoção. A notícia logo se espalharia.
E no momento tudo o que Lilus conseguiu fazer foi se ajoelhar de dor próximo ao defunto. Apesar de tudo, não sabia o que fazer, sua mente estava um caos.
Essa miscelânea, contudo, só durou alguns segundos. Ele logo foi acordado às pressas pelos gritos de pânico da multidão.
Mesas derrubadas, pessoas atropeladas e confusão. Muita confusão!
“O garçom! Foi ele quem serviu Lucelius”, lembrou. E correu para se levantar.
Os guardas da mansão já o haviam cercado àquela altura, junto com os outros oligarcas de seu círculo íntimo. Eram homens de sua confiança e que o protegeriam com as vidas se necessário.
— Onde está o servente que nós trouxe as bebidas? — gritou e ordenou: — Capturem-no, já!
— Sim! — Os protetores foram rápidos em lhe atender, correndo rumo à ala de serviço.
De relance, o jovem de feições elegantes percebeu um brilho prateado na grama. Era da taça que fora servida a ele mais cedo. Lucelius a bebeu por inteiro, de modo que não havia mais nenhum líquido lá.
— Você fez isso de novo, seu idiota! Dessa vez realmente… tinha… — tentou raciocinar, mas novamente os pensamentos e a fala fugiram-lhe o alcance. Ele ficou novamente do lado do amigo.
Com água sob as bochechas, encarou uma última vez aqueles olhos negros, cuidadosamente os fechando para sempre.
— Eu prometo pela minha honra que irei vingá-lo! — Foi a única frase que conseguiu pronunciar com firmeza.
Escutando o trotar de aço, deduziu que seus subordinados haviam retornado.
— Senhor, o empregado foi capturado com sucesso — disse-lhe.
— Pois levem-me até esse desgraçado! — ordenou com palavras que normalmente não usava, muito furioso.
Suas mãos estavam cerradas, junto com os dentes. E a desolação de outrora fora substituída pelo fogo que cresceu como uma bomba dentro de si, cuja fagulha se ascendeu e estava prestes a explodir.
Desse modo, era evidente que alguém iria sofrer as consequências de sua cólera.
— Senhor, temo em dizer que isso seja inútil. O assassino também bebeu o vinho — disse-lhe o guarda.
— O que quer dizer com isso?
— Ele morreu exatamente da mesma forma que o ditador — avisou o oficial. — Mas também disse algo enquanto partia, senhor.
As sobrancelhas de Lilus se ergueram conforme seu ímpeto assassino se abaixava.
— E o que disse? — Se esforçou para perguntar, limpando as lágrimas residuais com as mangas da roupa.
— Não sei se é adequado repetir tal afronta, senhor….
— Diga! — ordenou. E a firmeza em sua voz fez o homem recuar.
Mas antes de falar ele olhou para os lados, conferindo os demais participantes daquela cena.
— Pode falar, todos aqui são de confiança — disse Lilus, dando seu aval.
O subordinado assentiu e em seguida se aproximou da orelha do oligarca, diminuindo o tom.
— O que ele disse foi…
As pupilas de Lilus se dilataram com o susto.
— Como?!