Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 73
Um mar com ondas verdes e correntezas floridas. No céu, um oceano azul no qual as nuvenzinhas brancas nadavam. Eis a paisagem que cercava Pedro e Rebecca no momento.
— Sabe de uma coisa, Meu Bem? Você tá muito linda hoje — disse o comerciante, galante.
— Obrigada, Amor, mas sei que você tá mentindo.
O tom da garota esboçava sua desconfiança latente. A verdade era que após ter cortado seus cabelos sua autoestima estava em crise.
Aparência é algo importante para as mulheres e com ela não poderia ser diferente.
— Nha… cê tá linda sim. Aliás, você é linda, Meu Bem. Apesar de ser um pouquinho insegura às vezes — disse, completando mentalmente: “E insincera”.
A garota corou, todavia abriu um doce sorriso em resposta. O brilho esbranquiçado fez com que o coração do rapaz começasse a disparar.
“Gyaaaa! Ela é muito gracinha. Ainda bem que é minha”, pensou.
— O-obrigada! Você também é muito bonito — disse, ajudando a aumentar a arteriosclerose do rapaz. Se Pedro fosse um cardíaco, já estaria morto à essa altura.
Eles então se aninharam e contemplaram juntos a frescura primaveril. As fazendinhas ao longe contribuíram para dar à paisagem uma aura pastoril. Mesmo as brisas eram completamente aconchegantes ali.
Durante um certo momento o rapaz arrancou uma das flores e a encarou com avidez, antes de entregá-la à namorada. A sensação gentil que sentiu ao tocar a planta o lembrou dos toques desajeitados que recebia da companheira.
E talvez o efeito fosse o mesmo para ela, pois também sorriu ao pegar a rosa camélia.
— Sabe de uma coisa? Devíamos ter trago um lanche. Esse lugar é bom pra caramba pra fazer um piquenique — lamentou-se o jovem, trocando de assunto.
Rebecca fez cara de paisagem, como um aluno que não havia entendido a lição.
— O que é um “piquenique”? — perguntou, enquanto espalhava seus braços em meio à chuva de pétalas brancas das camélias.
— Como assim, Meu Bem? Cê não sabe o que é um piquenique?
Pedro achou aquilo curioso. Em seu mundo de origem era muito comum que casais se reunissem aos fins de semana e fossem ao parque com uma cestinha de lanches.
“Será que não fazem isso aqui?”, pensou. Todavia logo desconsiderou a hipótese. O motivo para tal vinha caminhando pelo Sul.
Vestido simples. Caracóis negros que se amotinavam na cabeça para dar um ar de sobriedade ao embriagante maral azulado de seus olhos. A pele era clara como um jade cristalino. Uma beleza da mais notória qualidade.
Nas mãos carregava uma cestinha de palha. Daquelas pequenininhas que muito se vê em filmes infantis. Aliás, a própria beleza parecia uma princesa de filmes assim.
E mesmo Pedro, apaixonado como estava por Rebecca, ainda não conseguiu desviar o olhar.
— Ô! Não sabia que um casal estaria aqui hoje. Desculpem, mas se importariam se me juntasse a vocês? É que eu venho de longe e faz tempo desde que estive aqui.
A voz melodiosa tirou-o do encanto. Apesar de o beliscão de Rebecca também ter tido uma grande contribuição nisso.
— P-pode! Claro que pode — respondeu Pedro num impulso e sem titubear. Nem sequer considerou a opinião da companheira.
Virando-se ao lado para confirmar, viu a mesma fitá-lo com olhos de morte. Ela claramente não era favorável a isso.
— Obrigado — disse. — Esse lugar é muito importante pra mim. Foi aqui que conheci meu marido e também o primeiro lugar para o qual levamos nossa filhinha.
Ela era casada. Do nada, a realidade bateu à porta do rapaz como um golpe na cara.
Bom, ele também estava amarrado em um laço, então mesmo que não fosse não haveria muito o que pudesse fazer. Quer dizer, ele não largaria Rebecca por uma desconhecida. Por mais bonita que fosse isso estava fora de questão.
Mesmo assim continuou alegre com a presença charmosa. Algo nela o intrigava.
Não sabia se eram os olhos, ou se a alegria contagiante de sua voz, mas alguma coisa ali despertou sua curiosidade. E assim o tempo passou, e os três foram conversando.
O casal logo descobriu que a moça era filha de fazendeiros locais. Quando jovem ela conheceu uma pessoa e se apaixonou. Também descobriram que tinha um senso de humor muito bom. Fazia piadas e era tão descontraída quanto bonita.
— Amélia, se me permite, tenho uma pergunta. — Pedro interviu. — Você disse que tem uma filha e um marido, certo?
A mulher fez que sim.
— E por que não usa aliança então? — perguntou.
Nesse mundo também era tradição o uso de alianças para marcar o compromisso. Ele sabia e por isso estranhou.
— Ei, Amor! Não pergunta isso pra ela… — sussurrou Rebecca, próxima ao ouvido. O tom cuidadoso mostrou a Pedro que ele acabou de pisar em um tabu.
Assim, o rapaz se levantou e se apressou para pedir desculpas. Todavia a mulher foi ainda mais rápido e ergueu as mãos, gesticulando e tentando dizer alguma coisa.
— Não, não! Tudo bem, senhora Bar…
— Pode me chamar só de Beca, Amélia.
Ela sorriu em resposta, continuando:
— Tudo bem, Beca. E tudo bem, senhor Petter. Essa é uma história complicada e não posso entrar em detalhes, mas em resumo, os pais de meu marido não aceitam nosso relacionamento. Eles são nobres e eu apenas uma fazendeira, por isso não uso anel.
— Hump! Quem esses otários pensam que são? Olha aqui, Amélia, se eu fosse você iria até esses velhos ranzinzas, cobria eles na porrada e… espera! Eu mesmo posso fazer isso pra você. Só me fala onde os canalhas tão e eu mesmo…
— Amor! — Cutucou Rebeca, lembrando ao moço que eles estavam disfarçados no momento e que seria bom que continuassem assim.
Cof… cof…
— Onde estão meus modos!? Perdão, Amélia. Não soque seus sogros, só faz o favor de mandar eles irem pra caso do…
Outro cutucão. Dessa vez um muito forte.
Depois disso a conversa continuou por algum tempo, até que a moça graciosa decidiu deixar o casal a sós. Desse modo, eles se despediram e prometeram se sentar novamente, caso se vissem no futuro.
— Gente boa ela, né? Até deixou a gente ficar com o lanche — O rapaz fez a constatação.
Ele ainda analisava cuidadosamente os restos de sanduíche e potes de geleia no tapete improvisado sobre o chão.
Rebecca encarou com ar de resignação. Estava enciumada. Entretanto, mesmo ela tinha que reconhecer que Amélia era de fato encantadora e gentil.
“Ainda bem que ela é casada”, suspirou internamente.
…
Enquanto isso, nos arredores daquela mesma vila…
Em um campinho de grama, um grupo de criancinhas brincava com uma peteca. Elas se moviam alegres enquanto eram observadas por dois adultos.
Ao que parece, um deles acabou de chegar ali.
— Obrigada por cuidar dela, Linn — disse a mulher. — Temo que precisarei de outro favor seu, entretanto…
O homem de armadura ficou um tanto perplexo com a informação.
— Qual o problema, leide Amélia? Achei que ficaríamos na casa de sues pais — disse.
A dama balançou a cabeça em negação, corrigindo o cavaleiro:
— Não, não… Um casal de comerciantes está pernoitando com eles. Acabei de conhecê-los e são realmente muito gentis. Por isso, apreciaria se me ajudasse a encontrar um outro lugar para ficarmos, Linn.
Em outra ocasião, o homem claramente protestaria. Diria que bastava expulsar o tal casal de comerciantes de lá e, no máximo, restituir uma parte dos valores pelo incómodo.
Agora era diferente, contudo. A moça à sua frente era a companheira de seu suserano e, assim, uma vez que tomou uma decisão lúcida ele deveria seguir.
— Tudo bem, minha Leide! — assentiu, inclinando-se brevemente em uma saudação.
Em seguida ele se virou para a garotinha que até então acompanhava e disse para ela que deveria segui-los. Todavia, Amélia mais uma vez fez cessar o ímpeto do cavaleiro.
— Na verdade eu acho que ela pode ficar, senhor Linn. Sofia não tem ninguém para brincar quando estamos em casa, portanto deixe-a se divertir um pouco, tudo bem?
O cavaleiro assentiu, ainda que a contragosto.
— Brigada, Mamãe! E brigado, tio Linn! — disse a garotinha, antes de correr por aí.
— Não vá muito longe! — gritou a mulher. — E não se esqueça de voltar para a casa de seus avós antes de o sol se pôr!
De longe, a garotinha fez que sim. Sua atitude descontraída e feições gentis a davam uma aura que só poderia ser descrita como fofa. A garota exalava fofura da cabeça aos pés.
Talvez o único traço que não lembrasse esse sentimento fosse a venda que usava em um de seus olhos. Uma espécie de tapa-olhos, só que mais chique.
— Por favor, encontre-nos lá por volta desse horário também, senhor Linn. Preciso conversar um pouco com meus pais e por isso não poderei acompanhá-lo, desculpe.
— Não peça desculpas, Leide Amélia. Não sou digno de ouvir elas — pediu o cavaleiro.
A moça gentil ficou um tanto constrangida com a situação, contudo acenou para ele. Depois deu mais algumas instruções, fez uma saudação com o vestido e daí se retirou.
O cavaleiro também saiu dali, todavia ainda tinha algo entalado em seu peito. Algo que ele não gostava e teria que sair.
— Vou procurar esses malditos comerciantes. Humf! Estão sonhando se pensam que podem tomar o lugar da Leide e da jovem mestra!
E assim, as cortinas do desentendimento foram içadas.
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Queria colocar umas roupinhas diferentes na Becca, mas infelizmente não tenho tal habilidade. Sorry!
Espero que apreciem mesmo assim. Hehe…