Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 78
— Ninguém encosta no Boris. Ouviu o que eu disse, careca?
Pela cara de inconformado e o rosnado de dor, o careca ouviu muito bem. Sua mão estava presa, completamente à mercê do punho de Pedro, que não a largava por nada.
O mercenário tentou de tudo para sair dali, girar o punho, torcê-lo, retrair, todavia nada funcionou. Ele então resolveu ser mais direto e gritar.
— Me larga, seu merda! Você sabe com quem tá lidando, em?! Vou acabar com a tua raça e de toda tua família se não me soltar!
As ameaças foram em vão. Na verdade, tudo o que o careca conseguiu foi fazer o rapaz dragonark sorrir. Era um sorriso torto e distorcido, o qual combinava bem com sua embriaguez.
— Tá bom, careca. Vem cá e tenta, mas acho que vai precisar da mão e dos joelhos pra isso, certo? — Gargalhou maliciosamente.
O oponente sequer teve tempo de reagir quando o primeiro crak veio. Pedro apertou firme algumas articulações, em um golpe marcial, e rompeu tudo o que conseguiu com um só movimento.
Crak! Crak! Crak!
— Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah!
O chiado agonizante foi sucedido por um golpe na costela, que deixou o careca de joelhos no chão. Pedro o encarou por cima, ainda com a mão dele esmagada sob a sua.
Os outros mercenários notaram a dor de seu líder e vieram ao socorro. Naquele momento já haviam lidado com o lutador loiro, que agonizava de dor no canto da taverna.
— Larga ele, seu camponês de merda! — gritaram, sacando as armas da bainha.
Apontaram-as para ele, cercando-o por todas as direções. Contudo não atacaram. O cheiro de urina que exalava de seu chefe mais a aura intimidante do oponente não os encorajava a avançar.
— S-se você não largar ele, falarei com o capitão e ele vai matar você!
— É isso mesmo, camponês! Não ache que só porque é um pouco forte será capaz de vencer nosso capitão, nós vamos acabar com sua vida e com toda sua família!
Os homens ameaçaram e gritaram, mas ainda não se atreviam a avançar. Tinham medo e olhavam para todos os lados, provável que pensando em uma retirada.
Àquela altura todos os clientes já tinham deixado o local, restando apenas o rapaz e os inimigos, além do garçom, da mocinha e do loiro parrudo duramente machucado.
Caso estivesse sóbrio, Pedro estaria pensando em como se livrar dos cinco sem chamar muito a atenção de Boris e demais. Mas acontece que não estava são, e assim não pensou em nada, apenas agiu.
Crak! Crak! Um sentimento súbito de dor tomou conta do punho do careca. Dessa vez o rapaz misterioso não apenas contorceu seus tendões, como também destruiu os ossos. A carne também foi rompida, enquanto diversas fraturas externas eram fabricadas.
— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!
Sangue escorreu, misturando-se com o vapor que exalava incessante do corpo do mercenário.
— Por Solaris, esse homem é um ser das trevas! O-o sargento… Ele esmagou a mão do sargento!
— Corram, rápido! Precisamos avisar o capitão! — disse um deles, se precipitando para a porta.
Pedro não deixou que fugissem, é claro. Apareceu na frente como um vulto, assustando os mercenários.
Dois deles deixaram as armas caírem, um tentou pular pela janela e o último avançou num golpe desesperado.
Shiiiiiiiiiiiiiiiin! Pah!
Não deu certo, por óbvio. O rapaz de cabelo preto segurou a espada com o punho, impedindo o encontro do aço com o seu pescoço.
Pah! Pah! Crak! Dessa vez foi a arma do mercenário que rachou, quebrando-se em duas partes perfeitas ao cair sobre a madeira da taberna.
— O-o quê? C-como ele…?
— Rapazes — interrompeu —, precisamos… high… conversar.
…
Dizem que não ser amado é falta de sorte, mas não amar é a própria infelicidade… Mentira!
Felizes são aqueles que não amam, porque só assim não têm alguém pra os fazer se decepcionar.
Argh! Aquela pinga do Boris é do caramba, até agora o gostinho tá na boca. Hmmmmm…
Enfim, tava triste com minha namorada. Fui no bar e deitei o careca e seus amigos na porrada. Depois disso deu tchauzinho pro Boris e pro pessoal e meti o pé. Aliás, parece que o loiro era namorado da mocinha… Tadinho, vai sofrer muito nas mãos daquela megera! Ahrg!
Tá bom, então foi assim que acabei nessa situação. Talvez o problema não seja a banana, afinal…
— E-eu já falei tudo! Juro! N-nós fomos contratados pra sequestrar a bastarda e a amante de um nobre, mas não encontramos ninguém lá. Por isso o capitão mandou a gente esperar enquanto ele mesmo caçava elas. Isso é tudo, eu juro! P-por favor!
O desgraçado acenava e babava ao falar, como um porco no abate, com lágrimas nos olhos e suor aos montes. Além disso, diversas marcas roxas inundavam sua pele, como se fossem queimaduras. Até porque… eram mesmo. Hehehe!
— Não tô convencido ainda — avisei ao safado.
Infelizmente os quatro peões não sabiam de nada, o que foi um saco, já que tive de esperar o careca acordar pra perguntar o que caralhas eles tavam fazendo aqui.
— N-não! Isso é tudo, eu juro! Juro por Solis e também por Solaris!
Afastei minha mão em chamas por alguns segundos.
— Então essa era toda a tramoia? — Vi que assentiu, ainda trêmulo, e perguntei: — Quem é esse nobre e qual o nome da bastarda?
Ele paralisou, abriu a boca, e nada saiu dali. Tinha ficado sem palavras?
— Responde, safado! — disse, antes de meter-lhe a bicuda.
Pah! Meu pé acertou direitinho a ponta do queixo dele. Fez um barulhão alto, certeza que se tivessem velhinhas fofoqueiras neste beco, elas iam ter saído pra ver.
Cuspiu um pouco de sangue, tossindo, e se esforçou pra dizer:
— N-não sei…!
— De novo então…
Pah! Poft!
O sem-vergonha acertou feio a parede dessa vez. Qualquer que seja o mendigo que morava ali, com certeza vai ficar puto com o careca.
— Fala — disse, ameaçando um novo chute.
— Tá bom! — respondeu ele, com minha perna a dois dedos do nariz. — Uma vez… cof! Cof! Uma vez escutei o capitão conversando com a fonte, não consegui ouvir o nome do nobre, mas a criança se chama Sopia.
— Pera, cê quer dizer Sofia?!
Ele fez que sim, balançando devagar o que restava da cabeça.
— Tá bom, obrigado pela informação, careca.
— V-você vai me libert…
Shiiiiiiiiiiiiin! Shiiiiiiiiiiiiiiin!
Pronto. Libertei você, careca abusador!
Mais uma alma pro estoque, quantas são agora, em…? Eita, tem mais de duas mil! Nossa… Quando foi que matei tanta gente?
É muito estranho matar sem sentir nada, acho que vou ver esse negócio da genética quando voltar ao clã.
Bom… de qualquer forma, é melhor queimar esses merdas antes que comecem a feder. Também preciso avisar Rebecca.
Sofia e Amélia correm perigo!
Tsc! A historinha dela vai ter que ficar pra depois, antes precisamos acabar com essa tramoia.
…
Enquanto isso, em um navio discreto no meio do mar…
— É o seguinte, marujos: se não quiserem ser jogados para os tubarões e as bestas marinhas, vocês vão parar com esse motim!
O homem que falava tinha uma cara lisa e a pele tostada de sol, o que eram indícios de sua profissão. Sim, ele era um marujo, um imediato, mas talvez não por muito tempo.
— Abaixe você a sua arma, senhor, ou então teremos que enviar os restos da sua bunda gorda pra tua puta kalissiana antes de cruzar o estreito! Gyakakaka! — respondeu um marujo parrudo e com cicatrizes, talvez o líder do motim.
Os homens atrás o seguiram em uma longa risada. Marinheiros por todos os lados, pelo convés, na proa, as cordas presas ao mastro principal e até sobre os canhões laterais.
Eles erguiam espadas e lanças improvisadas, além de outros tipos de armamento que conseguiram roubar dos cofres da embarcação. Era um movimento bem organizado e o imediato logo percebeu isso.
— Quem comprou vocês? — perguntou, já emendando: — Saibam que tudo o que fizeram foi assinar suas sentenças de morte! Com esse barulho, o prelado logo vai vir e…
— Nos poupe dessa conversa fiada, senhor. Já nos livramos do capitão, o que um idiota com uma máscara e seu gigolô de batina podem fazer contra cinquenta homens armados, em?!! Gyakakakakaka!
Os homens gargalharam e gargalharam, antes de avançar. O imediato estava rente ao corrimão de uma escada que ficava ao lado de uma cabine.
— Eles estão ali — apontou o marujo. — Vamos mostrar pra esse cabeça de siri do que somos capazes. Vamos pegar o tesouro da Igreja e ficar ricos! Yahaha!
— Yahahaha!
Paft! Pooh! O imediato tentou correr para trás, possível que em busca de apoio, mas foi acertado pela arma daquele que parecia o atual líder dos marujos.
— Essa belezinha veio do Sul. — Analisou de forma cuidadosa a pequena balista. — Soube que o capitão pagou uma fortuna para tirá-la das mãos de um contrabandista. E é mesmo boa. Hehehe…
Alguns homens o encararam com espanto, depois encararam o alvo abatido, a dez pés de distância dali. Ficaram impressionados com o estrago produzido.
— Está morto! — avisou um deles.
— Bom, agora vamos…
Um pah bem forte veio da cabine, interrompendo a fala do parrudo de cicatrizes. Um homem com máscara e roupas brancas saiu vagarosamente, dizendo:
— Pelas barbas lisas de Sua Santidade, mas que barulho diabólico é este?!
Um outro o seguiu, de cabelos castanhos e sem máscara. Seu jeito imponente de andar e as roupas brancas eram as únicas semelhanças com o sacerdote que abriu a porta.
— Ali, Jeff! Vamó pegar eles e atirá pras sereia! Yehehe…
Os marujos se precipitaram para frente, numa tentativa de cercar os dois membros da Igreja. Até desceram as velas dos mastros, parando a embarcação.
— Excelentíssimo, quantos eu devo matar? — perguntou o de cabelos castanhos.
Ele deu de ombros.
— De quantos achas que precisaremos para este navio funcionar?
O subordinado entendeu, acenando positivamente antes de pular. Foi um pulo alto e preciso, repleto de malabarismos e que terminou com uma queda perfeita no centro da multidão.
Caretas impressionadas tomaram de assalto os rostos dos marujos rebeldes, quando um uma ventania forte veio do nada e fez tremer as bases do convés. Um vento frio e gélido, como o bafo da morte.
— Que os raios benignos de Solis tenham compaixão de vossas almas — disse o jovem, antes de sumir.
Shiiiiiiiiiiiiiin! Shiiiiiiiiiiiiiiiiin!
— O-o quê? O-onde ele… Ahr…
Corte perfeito, a garganta foi aberta em um furo, com a traquéia à mostra em respingos de vermelho e pus. A cena traumatizou os demais.
O choque ajudou na matança, proporcionando tempo para o sacerdote terminar o serviço.
“Seis, oito, treze, dezesseis… Creio que seja melhor deixar alguns de sobra para revezar nos mastros. E também caso precisemos matar mais”, pensou, antes de parar.
— Feito, excelentíssimo!
— Fizestes um bom trabalho, Felipe — disse, estendendo a mão para frente. — Mondlicht, das brennt. Verbrenne die Ungläubigen!
O que se seguiu após a fala estranha foi que algo surreal aconteceu. Colinas brancas de luz desceram sobre os cadáveres, queimando-os, mas sem deixar cheiro ou marcar o convés.
As luzes se apagaram e nenhum resquício permaneceu de que corpos mortos, dejetos e tripas estavam ali. Tudo ficou limpo, tão brilhante quanto o sol da manhã.
— Se não quiserem ter o mesmo destino, pagãos, é melhor estarmos em Kalis até o raiar do próximo nascente! — ordenou o jovem de batina, agora ao lado do prelado.
— Agora entendestes o grau de sigilo esperado para esta missão, Felipe? Compreendestes o porquê de escolher apenas pagãos?
Ele assentiu quieto, completando na mente: “Ninguém pode saber por onde navegamos e nem o que levamos. Todos eles serão descartados. Estamos dando a estes pagãos uma chance de serem úteis à luz; uma chance de abandonarem as trevas”.
Cerrou os punhos, afrouxando-os em seguida para fazer uma oração a seu deus. Manteve o olhar resoluto.
“É assim que servirei à Justiça!”, concluiu.