Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 80
— Então você também sabe a técnica sagrada? — disse, com as sobrancelhas arqueadas de surpresa.
O mercenário-chefe com certeza não esperava por essa. Afinal ele cresceu ali e nunca ouvira falar de homens capazes de manipular a aura de batalha, ao menos não até pouquíssimo tempo atrás.
Ele ainda se lembrava daquele dia, quando foi expulso do bar. Estava bêbado e ressentido, ressentido pela vida, pelas escolhas tolas do pai, pela humilhação do Grão-Duque, por tudo que foi obrigado a passar. Mas, principalmente, ele estava furioso com o nobre estrangeiro que veio ali e estragou seus planos.
Foi quando recebeu dos homens encapuzados a chance de mudar. Eles cuidaram dele, lhe deram ensinamentos e, o mais importante, lhe deram poder.
— Quem ensinou a aura de batalha pra uma escória como você, arrivista traidor?
O cavaleiro não teve resposta. Na verdade, o oponente apenas o encarou com desprezo e riu, como quem dissesse: “não é da sua conta, seu merda”. Depois avançou.
Um clarão borrado disparou pelo ar, desviando das árvores e raízes do bosque e atingindo em cheio o cavaleiro.
Linn se viu forçado a usar sua técnica outra vez. Ergueu o punho, segurando firme o cabo da espada. Em seguida se concentrou e guiou sua corrente amarelada até o fio da arma.
Pah! Espada com espada. O choque foi forte e criou uma corrente de ar que fez a cabeça das árvores tremerem. Depois daquilo era certeza que não precisariam de ser podadas por um bom tempo.
O cavaleiro resistiu, mas mesmo assim teve que recuar. Um passo… dois passos… três… quatro… seis… dez!
O atrito com a terra criou dois rastros abaixo de seus pés. Ele sentiu. Era como se uma onda grande o arrastasse pela areia. Uma resistência forçada.
Linn não tardou em contra-atacar. Girou sua espada longa e varreu os outros dois inimigos que tentavam se aproveitar da fraqueza momentânea.
Shiiiiiiiiiiiiin!
Corte liso e preciso. Suas mãos giraram, enquanto os pés realizavam um jogo complicado. Passadas sutis e que se aproveitavam da força centrípeta para dar o maior impacto possível aos alvos.
Foi ágil, contudo não precipitado. O cavaleiro sabia que devia tomar cuidado, afinal o oponente era poderoso e estava em maior número. Sua única missão era ganhar tempo.
— Capitão, precisamos ir atrás do alvo — avisou um deles, notando a intenção do cavaleiro.
Rukie assentiu, fez um gesto e ordenou que os homens avançassem. Ele foi junto, indicando a Linn a estratégia que usaria: ataque total. O cavaleiro até poderia parar um ou dois, mas todos? Impossível.
O mercenário-chefe nada disse, apenas se direcionou ao cavaleiro loiro e cortou o ar. Cortou e cortou, e rajadas verdes disparou. Seu alvo era a cabeça dele.
Linn projetou sua aura amarela até a ponta da espada, apunhalando na direção dos golpes.
Pah! Pah!
Ele os aparou com maestria, mas não avançou. Estava em uma situação complicada agora, pois sete mercenários avançavam mantendo uma certa distância lateral, de modo que, se ele fosse para a direita, os da esquerda e do centro passariam e vice-versa.
O gosto de fel tomou toda a extensão de sua língua, era uma completa porcaria estar ali, sozinho. Mas o pior, o que realmente o fazia sentir, era outra coisa.
“Maldito Vënot, deus surdino e trapaceiro! Se ao menos eu pudesse projetar minha aura…”, pensou, apertando firme os punhos sobre o cabo da espada.
Aquele fato o consumia. Linn não conseguia projetar sua aura de batalha para fora do corpo, como a maioria das pessoas, apenas conduzi-la pelas armas e armaduras. Por causa disso que sofria. Por isso não foi capaz de tomar seu lugar como um Cavaleiro Peninsular. Por isso se amargurava.
Todavia, como cavaleiro experiente que era, ele não deixou seu foco se perder. Não conseguia projetar sua aura, como o mercenário-chefe, mas teria que se virar sem isso.
“E não foi o que fiz até hoje?”, questionou-se, num tom de ironia, antes de avançar.
Ergueu de novo a arma longa no meio do ar e depois desceu. O chiado da lâmina era como o que os gaviões faziam ao cair sob suas presas.
Acontece que o capitão inimigo não era uma reles presa, mas um predador também. Portanto ergueu sua aura verde e com as armas em punho devolveu o golpe.
Um pah bem alto foi o que se seguiu, com nenhum deles recuando, com nenhum dos dois movendo meio centímetro sequer.
Os demais mercenários passaram.
— Escolha interessante — disse Rukie, sem esconder o sorriso. — Se atacasse pelos lados, talvez levasse dois ou três de meus homens. Mas, não, escolheu interceptar a mim, o único que você não pode vencer.
Ele riu. Linn continuou sério.
— Capturem os alvos vivos. Podem se livrar dos idosos.
Os mercenários assentiram, não contendo suas risadas cínicas, enquanto avançavam. O cavaleiro escutou tudo em silêncio, até aquele momento.
— Não tão rápido, escória — disse. — Vocês, imundos, não irão a lugar nenhum…! — Sua fala surpreendeu o líder e os mercenários, que pararam sua corrida para escutá-lo completar: — Inteiros!
O murmurar de sua última frase foi o primórdio de um golpe pesado da espada longa no chão. Rukie pensara que era um blefe, contudo notou algo estranho sob a terra.
Dois rastros de pé seguiam de onde estavam até seus capangas. Era o resultado dos recuos forçados de Linn, ou ao menos era o que ele pensava.
— Espera! V-você… — Ele não conseguiu falar, o som de sua voz foi abafado por outro mais forte.
Booooooooooooooooooom! Sim, pelo som de uma explosão.
E não apenas uma.
Boooooooooooooooooom! Boooooooooooooooooooooom!
O calor abrasador do fogo aqueceu a pele do líder mercenário, que de última hora se viu forçado a usar toda a sua aura de batalha para cobrir a pele; a usar toda sua força para se jogar no chão.
Sssssssssssss! Ssssssssssssss!
O fogo tomou conta do bosque, ou ao menos do que restou dele. Árvores foram arrancadas do chão, arbustos voaram, junto com troncos caídos e as tripas dos mercenários.
Naquele momento, Linn de alguma forma conseguiu espalhar bolsinhas com um pó preto de “quem-sabe-o-quê” que Milla lhe havia entregue.
— E-ele… Esse filho da puta recuou de propósito?!
Rukie, que acabou de escapar da explosão, de repente chegou a uma conclusão. Antes, quando cruzavam golpes, Linn quase sempre recuava. Mas agora, apenas um pouco antes de golpear o solo, ele resistiu com força total. E essa força total era igual
Linn sorriu. Sua armadura estava parcialmente destruída e ele havia tomado diversos danos, mas escapou relativamente ileso se comparado aos mercenários.
Dos inimigos, apenas Rukie permaneceu cândido e com capacidade de se sustentar em pé.
— Chega! — gritou ele, libertando toda raiva interior.
O homem irado avançou, forçando sua aura em diversos golpes no ar. Rajadas verdes se sucederam, rasgando as massas de ar e a carne exposta do cavaleiro.
Linn passava por maus-bocados resistindo. Mesmo cansado ele era obrigado a golpear e mesmo sem forças era forçado a resistir. Não havia escolha. Ele era o único entre o dragão e a mocinha, a única coisa entre o inimigo e a família de Amélia.
Minutos se passaram daquela forma. Quanto ao resultado da luta, bom…
As nuvens cobriram a luz da lua.
…
A noite estava escura naquele momento, quanto Pedro e Rebecca corriam às pressas rumo ao vilarejo na campina.
— Escutou isso, Meu Bem? — O rapaz ergueu as sobrancelhas com o barulho familiar.
Usando os sentidos, reparou que não era apenas o som, mas também o cheiro. Chamas, excrementos e carne viva. Mesmo de tão longe essas coisas lhe eram perceptíveis.
Assim, seu senso de urgência foi acionado e ele não mais tentou acompanhar a companheira na corrida.
— Vou ver o que aconteceu lá na frente. Tenha cautela e me encontre na casa dos pais de Amélia — avisou, antes de sumir.
Rebecca nem teve a chance de assentir, se sentindo chocada com a velocidade do namorado. Pedro literalmente desapareceu em sua frente, deixando apenas um corredor de poeira e muitas perguntas para ela.
“Então essa é a diferença entre nossas forças”, pensou a garota, continuando: “Eu estou quase no limite; ele, nem parece que suou”.
Ela enfim pareceu compreender parte do que Beto lhe dissera aquele dia na floresta. O motivo de Pedro ser considerado tão importante. Ela sentia isso, esse sentimento estranho, quando estava perto dele. Não conseguia explicar…
Aquele rapaz de aparência jovial e bela, quase divina, uma força cujo fim ela mesmo não era capaz de enxergar. Um jovem aristocrata de um grande e misterioso clã, ainda mais misterioso que sua família.
Aquele era o rapaz por quem ela se apaixonou, o mesmo do qual ela tão pouco sabia.
Ainda correndo, Rebecca inspirou fundo o ar fresco da noite, maculado apenas pela fuligem e os restos do massacre do qual ela ainda não sabia. Foi banhada levemente pelo brilho da Lua que, tímida, foi rápida em se esconder outra vez, vestindo seu roupão de nuvens e a deixando só com seus pensamentos.
“O que faço pra ele ser meu?” e “Vou contar a verdade” foram coisas que lhe passaram pela mente durante aquele momento lúdico. Todavia, como se se lembrasse onde estava e o que veio fazer, a garota acordou.
Em seguida sacou suas adagas, respirou fundo outra vez e avançou rumo aos pontinhos brilhantes na campina.
— Que Lunis seja minha força hoje e, ao mesmo tempo, a fraqueza daqueles que matarei — murmurou seca, enquanto diminuía sua presença.