Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 81
Enquanto Rebecca aluviava seus pensamentos e se preparava para a ação, a algumas dezenas de quilômetros a frente, Pedro se movia surdinamente.
Bom… não tão surdinamente assim.
— Dizem que o corpo humano é setenta por cento água, hoje irei testar isso — disse, antes de atirar dois dos mercenários para as chamas de uma casa.
Eles gritaram, imploraram por ajuda e clemência, mas não adiantou. Morreram, e isso era tudo o que podiam fazer.
Pedro ficou puto quando chegou ali e viu as cenas de caos e desespero que os mercenários causaram, mas muito puto mesmo. Crianças, idosos e mulheres; os invasores não perdoavam ninguém, principalmente estas últimas.
Violência, morte e risos de insanidade foi o que encontrou. De outro lado, pedidos de ajuda, lagrimas e tentativas infrutíferas de fuga e resistência por parte dos aldeões. Além de fogo, muito fogo!
Infelizmente o rapaz dragonark não conhecia nenhum feitiço que envolvesse água ou terra, caso contrário poderia apagar as chamas. Contudo, como não adiantava reclamar da própria inaptidão, ele simplesmente decidiu fazer o que podia. Ou seja, eliminar todos os mercenários que encontrasse e salvar Amélia.
“Aquele guarda-costas esquentadinho, Linn…, acho que ele consegue segurar esses bastardos até eu chegar”, pensou Pedro, enquanto partia o pescoço de um invasor.
Sua mão se mostrou tão afiada quanto uma faca. Balançou-a no ar, só para limpar o sangue remanescente e se livrar dos resquícios de tripas e traqueia.
Os aldeões por perto não o agradeceram, estavam assustados demais para isso. Ao invés apenas correram o mais rápido que podiam para o Sul ou para o Leste, onde estava o bosque.
— C-chamem o capitão! Agora! — gritava um dos homens.
O rapaz de cabelos castanhos o encarou brevemente. Mas quando piscou ele já não estava mais lá. Apareceu que nem um fantasma em sua frente e seu rosto sério foi a última coisa que viu.
Pedro matou mais um inimigo.
“Preciso encontrar Amélia rápido. Qual era a casa dela mesmo…?”, refletia, exercitando sua memória. “Ah, sim! Aquela”.
Parou subitamente ao avistar o telhado parcialmente destruído da pensão. As chamas ainda não tinham chegado naquela parte da vila, mas as portas e janelas mostravam fortes indícios de arrombamento.
O rapaz entrou, contudo nada encontrou ali senão quatro invasores e uma aldeã. Ele não deu tempo para que o explicassem o que faziam. Degolou todos os homens e consolou a mulher assustada com um tapa leve na nunca, o que a fez dormir.
— Desgraçados… — murmurou. Seu ódio era tamanho que escapava do peito e irradiava em nas narinas. — Se tiver acontecido alguma coisa com Amélia ou Sofia… Tsc! Vou torturar o maldito até a morte!
As cenas de agora o lembravam um pouco da calamidade de Oss. Pessoas indefesas, correndo por suas vidas enquanto eram cruelmente massacradas pelos inimigos. Ele não gostava disso.
Assim, com a promessa de morte feita, Pedro dirigiu seu olhar aos arredores. Buscava rastros. Ou ao menos pistas que o levassem a um possível paradeiro de suas amigas.
Quando se aproximou do centro da vila acabou notando uma grande comoção. Barulhos de gritos, mas não gritos comuns. Eram gritos abafados, daqueles que se dá quando se é subitamente calado pela mordaça da morte.
Uma garota de cabelos curtos e armadura leve se movia para lá e para cá, atirando suas agulhas e cortando tudo que encontrava pela frente. Tudo o que tivesse cicatrizes, cara feia e espadas, é claro.
— S-socorr…
Ziiiiiiu… Era o som que aqueles objetos pontiagudos faziam; e um pah bem alto quando acertavam o alvo.
Ziiiiu! Ziiiu!
Pah! Pah!
Mesmo o rapaz dragonark ficou surpreso ao ver as capacidades assassinas de sua amada. Ele já havia presenciado ela em ação antes, mas mesmo assim se impressionou. A quantidade de inimigos proporcionou à garota que usasse o melhor de suas técnicas homicidas.
Rebecca gingava e pulava pelo campo de batalha. Telhados, paredes e nos cantos. Quando um rival se aproximava ela sumia e reaparecia logo em seguida com as adagas apontadas para os órgãos vitais.
Não existia espaço para a compaixão.
Pedro logo se pôs a ajudá-la, afinal, querendo ou não, ela estava roubando suas almas! Mas esta não podia ser a sua preocupação agora. Ele tinha que continuar no rastro, continuar a caçar pistas.
Nisso, algo acabou lhe chamando a atenção. Era a fumaça no alto do bosque, ele também estava em chamas.
“É possível que Linn as tenha levado pra lá com mais guardas que as protegiam em segredo. Os malditos os acharam e batalha se estendeu”, concluiu o jovem baronete.
— Meu Bem, cuida do pessoal da vila. Eu vou pra lá — avisou em seguida, apontando para o fogo do Leste.
Rebecca assentiu, continuando a brandir suas adagas e sumindo na escuridão recente do céu. As nuvens de novo se puseram a cobrir a luz da lua.
Foi nesse momento que Pedro piscou, usando o máximo de sua velocidade pela primeira vez fora da casa de Marcus. Percorreu cerca de 400 metros em pouco mais de um segundo, chegando ao alvo da incursão em um breve piscar de olhos.
Viu o fogo e o atravessou, como se o calor não o afetasse.
Isso era algo que já avia notado antes. “O fogo não me machuca tanto, na verdade nem o sinto. É tão confortável… Provável que seja aquela modificação genética de novo. Tsc! No que tartarugas aqueles malditos dinossauros me transformaram?”
Esse tipo de pensamento o incomodava um pouco. Por vezes sentia que não era mais humano, que as regras de antes não mais valiam para ele, que não podia mais sentir, que não se afetava fisicamente nem psicologicamente como antes. Sequer sua idade parecia ser a que tinha.
Quer dizer… Ele já tinha 26 anos, fora os cento e sessenta que supostamente ficou em coma na banheira de sangue, e mesmo assim sua aparência física mal o qualificava como um jovem de dezoito, ou vinte, no máximo.
“Quer saber, que se foda essa porra! Foco!”, gritou para si mesmo, voltando sua atenção aos arredores.
Não foi fácil achar rastros naquela hora, uma vez que o fogo consumia tudo. Todavia Pedro tinha uma visão aguçada — outro de seus trunfos de dragão-divindade — e viu resquícios de pegadas com sangue.
Ele os seguiu, afastando-se das brasas cinzentas. O gosto da fumaça o deixava irritado, mas prosseguiu sem dificuldades.
Ao olhar para a direita, em um pequeno arbusto, ele ouviu algo.
Lufadas de ar abafadas, pequenos murmúrios e tilintares de dente quase inaudíveis. Era óbvio que o que quer que fosse estava ferido e tentava esconder ao máximo a própria presença.
“Um animal ferido?”, perguntou-se o rapaz. Deveria ser isso, ou então…
Então diminuiu os passos e tentou não fazer barulho. Se fosse um mercenário inimigo, interrogá-lo provavelmente o daria o paradeiro de suas amigas.
Aproximou-se devagar, a lâmina gauderia em punho. Seus instintos se aguçaram ao máximo para não cair em nenhuma emboscada.
Parou subitamente.
— É você?
Ele não podia dizer que estava surpreso, mas ainda assim não que a realidade pudesse ser tão péssima.
— V-vô… cê… comerciante? — respondeu a figura caída.
— Sofia e Amélia… onde? Quem as levou?
O cavaleiro loiro olhou com surpresa o jovem de cabelos negros. Era muito estranho que justo ele estivesse ali naquele momento. Afinal, estavam sob ataque, e uma taque profissional.
— Soube do ataque e vim salvá-las — avisou impassível o jovem, seus olhos castanhos brilharam com o reflexo da lua.
Acabou apontando a direção com os olhos, como se por reflexo. Um ato-falho que ele logo interrompeu.
O comerciante era muito suspeito.
Aliás, aquele ar de imponência, junto à postura altiva e o ar de general fez com que o cavaleiro se lembrasse de uma outra coisa, contudo; algo que aconteceu há meses, mas de que ele nunca se esqueceu.
“Não deve ser possível… Aquele homem era um mago”, pensou.
Naquele mesmo momento uma árvore em chamas caiu. O fogo corrompera suas bases e fê-la partir-se em duas, em cima do arbusto em que Linn se escondia.
O cavaleiro sabia que iria morrer, mas não esperava que seria assim, depois de levar uma surra, ficar indefeso e estar à mercê da boa vontade de um homem que ele não gostava. E não foi.
Um pah bem alto soou e o tronco sumiu. Desintegrou-se em milhares de partículas de brasa e cinzas.
Acontece que na última hora Pedro combinou um forte soco com suas labaredas escarlates, destruindo o objeto fatal.
O vento ficou mais forte, uivando alto e espalhando os cabelos de Pedro.
— Então… mago… — murmurou o homem à beira da morte. Ele enfim entendeu tudo.
Aquele comerciante na realidade era o mago que destruiu a incursão de Simel pelas Ilhas do Mar do Leste, fazendo-o perder boas fragatas da marinha do grão-duque.
— Para onde elas foram? Para o Norte? — perguntou, forçando a voz e mostrando que não estava paciente. — Quem as levou?
Linn entretanto se recusou a falar. Fez certo, pois o mago o atacou e, se ainda estava em Mea…
“N-não pode ser! E-ele… Sim! Agora vejo melhor… Olhos castanhos, aparência superior e cabelos cumpridos. Apenas a cor e os trajes não batem com a descrição dela”, raciocinou.
— Nobre… estrangeiro…
Pedro riu.
— Acho que terei que descobrir o resto sozinho. Obrigado, Linn. Pode ter certeza que as salvarei.
O cavaleiro caído se assustou. Isso foi instantes antes de ter o coração perfurado pela lâmina prateada.
Não houve barulho, sequer o do corte. Só sangue, sangue e fogo, e um olhar gélido de dragão.
“Para o Norte então”, pensou o rapaz ao se levantar.
— A quem quer que seja o bastardo que as capturou, seu sangue será o líquido que usarei para apagar as chamas de ódio que irradiam em meu coração. Sua alma será minha, bastardo!
Na hora ele não percebeu, mas seus sentimentos pelas novas amigas estavam ilogicamente inflados. Não era algo consciente, contudo que traria inúmeras catástrofes a esse mundo. Mas isso era algo que ainda estaria por vir.