Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 82
— Já matamos todos os bastardos, é melhor deixar eles se virarem agora. Vamos! — disse o jovem à garota de armadura leve.
Era Pedro, que voltou à vila para pegar Rebecca. Quando chegou, a garota já havia eliminado todos os mercenários restantes, impedindo que o dragonark roubasse suas almas.
Contudo ele não se importou com isso. Tinham assuntos mais urgentes no momento e, com a morte de Linn, ele agora tinha mais uma alma média em seu estoque.
— Achei alguns inimigos na floresta, eles foram para o Norte — mentiu.
Rebecca assentiu e assim eles decidiram deixar a vila incendiada para os aldeões e seguir com as buscas.
Minutos antes, quando Linn o reconheceu, Pedro também acabou reconhecendo o cavaleiro loiro. Ele era aquele que comandou o ataque nas ilhas, trucidando os nativos.
Na hora o rapaz não notou isso, mas acabou se lembrando enquanto corria com sua amada para o Norte. Se Linn, que protegia Amélia e Sofia, era subordinado de Simel, e este é um grão-duque, portanto um nobre, então Amélia e Simel só poderiam ser…
Pedro riu, riu e riu muito, muito alto.
Reecca ficou sem reação, confusa e sem entender o porquê disso. Eles estavam no meio do nada, seguindo a estrela, quando Pedro do nada parou e começou a gargalhar.
— Amor?! O que aconteceu? Por que tá rindo?
Notando o inconveniente, o rapaz lutou para se recompor. Era uma situação engraçada, de fato, mas ele já mentiu antes e não havia mais como explicar a Rebecca sem criar uma nova briga ou revelar informações confidenciais.
Assim sendo, ele tomou o caminho mais fácil.
— Não é nada. Só estou preocupado com elas e acabei ficando nervoso. É só o estresse falando…
Sim, ele mentiu outra vez.
— Hum?
A cara abobada da garota o fez querer rir novamente. Mas dessa vez ele se conteve, ou acabaria criando um outro mal-entendido.
— Vamos! — Pegou-a pela mão e correu.
Rebecca ficou sem entender nada, de novo, mas assentiu. Ela era como uma colegial apaixonada pelo crush, e mesmo que um ano já tenha se passado, era como se ainda estivessem nos primeiros meses.
Pouco sabiam um do outro, ela gostava dele, o toque a deixava calma, suas ações a deixavam ansiosa e desejando mais, contudo a insegurança e o medo da perda ainda a perseguia.
Ela mordeu os lábios levemente, sentindo os ventos alísios massagearem seus curtos cabelos lisos e observando as costas largas de seu amado.
…
Uma semana atrás, em algum lugar ermo de Mea…
Uma mulher arfava. Todo o esforço e os movimentos bruscos que fizera a pouco a deixaram cansada.
Arr… Arrr…
— Vou ir mais fundo.
Ela se assustou, jogando os cabelos para trás.
— O-oquê? M-mas, Simel, se você for mais fundo, e-eu…
O homem cerrou as sobrancelhas.
— Eu realmente não vejo graça em suas piadas sexuais, Milla. Agora saia logo daí e deixe-me checar o centro dessa cratera.
A garota piscou sensualmente, colocando o indicador na linguinha. Sem dúvidas, uma forma tola de apelo sexual, típico de uma adolescente carente, ou de uma senhora de meia-idade solteira, o que era ainda pior.
Simel vestia um traje simples, diferente de quando estava em seu Palácio. Colete verde, desses de geólogo, e chapéu. Milla estava com seu jaleco marrom e segurava algo que parecia ser uma lupa.
Alguns homens os acompanhavam. Soldados, oficiais e outros pesquisadores da equipe da maga. Uma pequena comitiva de vinte pessoas.
Acamparam perto dali e iniciaram os trabalhos.
— E então, a quais conclusões chegou, Milla?
A maga se desfez do objeto e caminho até o lorde vagarosamente. Ainda estavam no centro da cratera, examinado as rochas.
— Hummmm… Essas rachaduras, o diâmetro e a profundidade… Esse estrago todo não é algo que um pequeno amontoado de pólvora pode fazer — refletiu em voz alta. — Não sem deixar vestígios, pelo menos…
A pesquisadora deslizou o dedo sobre o solo, tentando encontrar algum vestígio do pó preto ao qual se referiam. Esfregou a terra com as mãos e então deixou que caísse.
— Nenhum material?
Ela fez que não.
— Só terra. Nenhum vestígio de salitre ou enxofre, nem de carvão-negro ou carvão-vegetal.
Simel estava pasmo. Nos últimos meses, desde que ouviram falar de uma certa arma letal usada no Oeste, capaz de gerar dano explosivo em área com baixo esforço, ele lutou bravamente para encontrar uma forma de dominar essa ciência. Todavia nada parecia dar certo.
Por sorte, a deusa do destino escolheu favorecê-los e uma informação nova veio. Desde que o desertor do Oeste, lorde Inneus, apareceu no ultimo inverno contou-os sobre essa arma nova, ele não descansou. Ordenou que seus espiões encontrassem um pouco desse material. E assim aconteceu.
Mas não foi apenas o material que encontraram. Informações novas, de uma super-explosão na Floresta de Jamor, apareceram, fazendo-o ir pessoalmente investigar.
— Não podemos ficar muito tempo, ou minha ausência será notada. Recolham as amostras e investiguem o que precisamos. Na madrugada de amanhã estaremos retornando a Kirgton.
Eles assentiram e continuaram o trabalho.
E assim foi.
…
Voltando ao presente…
Dias se passaram, entretanto Pedro e Rebecca ainda não haviam encontrado Sofia, nem Amélia.
— Merda… Esses caras são mesmo profissionais — comentou o jovem de cabelos negros, atento ao notar quaisquer indícios possíveis de rastro inimigo.
Rebecca assentiu do alto de uma árvore. Ela agia como uma espécie de campana, observando atenta e à espreita do inimigo.
No início, os dois avançaram seguindo as pegadas e outros rastros, como galhos quebrados ou restos de acampamento.
Acontece que em um dado momento as pegadas começaram a se dividir em diversas direções, a quantidade de galhos quebrados aumentou de modo exponencial e todos os lugares óbvios pareciam ter servido de base para um acampamento. Os inimigos os estavam confundindo.
Eram mesmo especialistas.
E pra piorar uma massa tropical oceânica se moveu por aquela região, fazendo chover muito e apagar os poucos indícios da única trilha mais ou menos factível que eles encontraram.
O resultado era que Pedro, que já estava ficando puto, começou a correr ainda mais rápido. O objetivo era cobrir mais área e tentar de alguma forma surpreender os mercenários.
Não deu certo, por obvio. E a única a quem ele surpreendeu foi a namorada.
“Ele já tá se movendo assim tem três dias, e não parou nenhum minuto sequer! Pela deusa! Quanta resistência!”, refletiu, ainda do alto das árvores.
A garota estava genuinamente surpresa. Mesmo tendo convivido com Pedro por praticamente um ano inteiro, ela ainda não havia visto o máximo de suas capacidades.
Na realidade, podia-se dizer que sequer tinha arranhado a superfície desse enorme iceberg.
— Amor — chamou ela —, acho que deveríamos parar por hoje. Você já tá todo ensopado… se continuar assim vai pegar um resfriado e…
— Tsc! Esses bastardos são mesmo bons nisso. Bons em serem uns completos filhos da pu…
Pedro ia completar o xingamento, contudo parou tudo de maneira repentina. Seu senso superior de dragão-divindade acabou captando sons do Leste.
Passos…
E não eram de pessoas. Pareciam animais, mais especificamente cavalos, pela força e constância. Marcha e galope; dois tipos de andamento, dois espécimes de equinos.
As aulas com Celine realmente foram muito uteis, seria algo que diria caso não estivesse tão sério no momento.
— Alto lá! Quem está aí?
Como resposta ele só obteve um chiado.
Chiiiiii! Pah!
Um objeto pontiagudo atingiu o chão, dez centímetros distante de seus pés. Uma fecha de aviso.
Pedro arqueou as sobrancelhas, preparando-se para o ataque. Foi então que seis cavaleiros saíram por detrás das moitas e arbustos, cercando-o em um círculo.
O rapaz colocou alisou a bainha em sua cintura, empunhando a lamina gaudéria.
Tomando aquilo como um sinal de hostilidade, um dos cavaleiros atirou com sua balista. A flecha voou rápida, em linha reta, bem na direção de sua perna. Pedro contudo mal se esforçou, apenas fez um movimento com o punho e cortou-a em duas.
O projetil foi neutralizado em um relés piscar de olhos. E então ele decidiu contra-atacar.
Pedro não sabia quem eram, ou por que o atacaram, mas seus destinos estavam selados. Quem se punha em seu caminho deveria ser tirado à força. Quem o tentava matar deveria ser morto. Simples assim.
Desse modo, e querendo eliminar primeiro os dois com arco e balista, ele conjurou seu feitiço: [Labaredas escarlates].
Fogo brotou da palma de sua mão vazia, enquanto a outra aparava mais uma flecha.
Ssssssss!
Em um piscar de olhos, um chamativo raio de fogo emergiu de sua palma, nadando pelo ar até o inimigo.
Os cavaleiros ficaram boquiabertos, surpresos com a magia do rapaz. O arqueiro tentou desesperadamente mover o animal em um trote lateral, todavia não funcionou. O cavalo não era tão ágil quanto o projetil vermelho.
Percebendo que seria o fim, o arqueiro colocou a mão sobre o peito e murmurou o que provavelmente fosse sua lamuria final.
Pedro já se preparava para atacar o próximo, quando um barulho de impacto adveio do alvo.
Pah! Pah! Ssssssssssssss!
Seu fogo se chocou com algo. Poeira e brasas encheram o ar, mas não havia cheiro de carne queimando, nem pedaços de tripas se espalhando por aí. Ao se dissipar, todos notaram que o homem continuava inteiro.
O rapaz ficou surpreso.
“Uma armadura mágica?”, pensou. Contudo logo descartou a suposição. O choque não foi com uma armadura, e sim com uma parede. Além disso, pela confusão de partículas mágicas na atmosfera, era certo que a parede era também um feitiço.
— Ora, ora… Quem diria que encontraria um colega aqui.
A voz que saia do longe o fez cessar à força os pensamentos, voltando à realidade exterior.
No instinto, Pedro lançou novamente suas [labaredas escarlates], dessa vez no novo alvo.
Ssssssssssss! Pah! Pah!
Só agora ele finalmente viu com clareza. Havia uma parede ali, uma parede semi-invisível, feita apenas com mana condensada, com um aglutinamento de partículas magicas.
O escudo era convexo e assim distribuiu as ondas de calor por toda sua circunferência.
Quando o fogo cessou, uma segunda figura saiu detrás do conjurador do feitiço. Foi então que Pedro cerrou ainda mais as sobrancelhas.
— Você?