Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 84
Pedro já havia se posto em posição de combate diante do barulho súbito de galhos se quebrando. Rebecca fez o mesmo. Simel, que se manteve parado, contudo fez sinal para que não atacassem.
Logo entendeu-se o porquê. O cavaleiro que vinha era um homem do grão-duque.
— Meu lorde — saudou. — Nossos batedores capturaram dois escoteiros do inimigo. Interrogados, se recusaram a passar informações, entretanto presumimos que foram para as colinas a norte.
Simel assentiu friamente, esforçando-se para manter a compostura de um nobre. Pedro, por outro lado, não se preocupou com as aparências.
— Então vamos para o norte, oras! — E correu, num súpeto, sendo acompanhado pela companheira de cabelos curtos.
Os cavaleiros encararam Simel, aguardando as ordens. Ele franziu de leve o cenho, mas não tardou em ordenar que o seguissem.
Estava ventando bastante naquela noite, o que era incomum, considerando a estação do ano em que estavam. Por isso, os cabelos longos de Pedro balançavam muito, era como se estivessem dançando com a natureza.
Ele não corria rápido. Aliás, para Simel, a maga e os cavaleiros, era bastante rápido; uns trinta e poucos quilômetros por hora, talvez. Mas Rebecca sabia que aquilo não chegava a um décimo da capacidade que demonstrara até então, o que a fez concluir que o amado estava propositalmente escondendo suas forças.
Ela sorriu um pouco ao chegar a esta conclusão, se esforçando para fazer o mesmo e controlar sua verdadeira força.
A luz da Lua clareava a paisagem, tornando os obstáculos visíveis e as árvores charmosas. Infelizmente para Pedro, a ocasião exigia atenção, ou então aquele seria um ótimo ambiente para namorar e relaxar.
Em pouco tempo eles chegaram ao que parecia ser um posto avançado do inimigo. Dois homens estavam de guarda, com arcos em punho e espadas nas cinturas.
Ao se aproximarem da clareira, os primeiros cavaleiros a chegar notaram o jovem mago e sua esposa guerreira esgueirados, quietos. Era como se estivessem se preparando para algo.
— O que estão fazendo? — questionou Simel, que vinha logo atrás. — São apenas dois homens, vamos capturá-los.
Pedro fez sinal para que falasse mais baixo e se aproximasse. Um dos homens encarou estranho o mago, afinal, ele havia acabado de dar uma ordem ao grão-duque.
O nobre em questão entretanto não pareceu se importar. Desceu do arreio e se aproximou com cuidado do jovem de cabelos negros.
Foi então que pôde ver. Ao longe estavam outros guardas, estes com balistas e barricadas, em posição e esperando possíveis inimigos.
“Como caralhos eles conseguiram trazer essas coisas enormes pra cá?”, Pedro se perguntou.
Em seguida apontou para as enormes pontas de madeira e disse para que Simel preparasse seus homens, pois ele iria incendiar as armas com sua magia. Foi nessa hora que Milla interveio, parando o ataque.
— Espere — Ela disse —, tem meios melhores de se fazer isso. — E então tirou de suas vestes o que parecia ser uma varinha.
Fez um movimento sutil e gracioso, movendo sua mão para cima e após em um movimento circular. Balançou duas vezes mais, retirou algo de seu manto com a outra mão e então passou a ressoar palavras estranhas, mas que Pedro conhecia bem.
“A Língua-Antiga de Arcana também serve pra feitiços com varinha? E-espera! Dá pra lançar feitiços com varinha? O mestre nunca mencionou isso”, questionou-se, atento para cada ação da maga.
— Malmola tero, moligu nun! — Ouviu-a dizer.
Ele ficou impressionado com uma coisa. O feitiço era curto, com poucas palavras, diferente da maioria dos que conhecia, com frases que demoravam em média de dez a vinte segundos para serem proclamadas. Será um efeito da varinha, ele se perguntou.
Houve um barulho. Em seguida, o chão abaixo das balistas cedeu, quase que de imediato.
Os guardas inimigos olharam assustados. Mas ficaram ainda mais atônitos quando notaram os cavaleiros saindo da mata.
Aquilo era um ataque!
— Neutralizem os arqueiros — O grão-duque ordenou, sacando ele próprio uma arma e se dirigindo ao campo de batalha.
“Pelo visto Simel é um dos que lideram pelo exemplo. Tsc! Esse é o pior tipo desses filhos da puta”, Pedro pensou, também tirando sua lâmina gaudéria da bainha.
Por estar a pé, alguns inimigos montados tentaram eliminá-lo primeiro. Não podiam imaginar a tolice que estavam a cometer.
Shiiiiiiiiiiiiiiiiiiin! Um só corte, quatro animais abatidos. Dois cavalos; dois, homens.
Simel encarou por alguns segundos. Era como se não acreditasse na cena que presenciou. Afinal, o rapaz se dizia mago, e mesmo assim decapitou quatro cabeças com um único golpe.
Ao entrar na mira de uma flecha, contudo, decidiu desviar o foco e continuar na batalha. Girou o pulso e puxou as rédeas, aparando a flecha com um movimento de espada, enquanto desviava do rumo do segundo disparo.
Aquela não foi uma batalha longa. Os homens do nobre eram muito bem treinados, os melhores do Principado.
Além, é claro, de estarem com as melhores armas e serem apoiados por uma maga de ataque, uma assassina-mercenária e um mago-comerciante-espadachim maluco, o qual se atirava insanamente de inimigo em inimigo, em busca de almas como um comensal da morte.
Ao dominar o terreno, render os guardas e capturar mais informações, Simel e Pedro acabaram por descobrir que aquele não era um lugar comum.
— Essa caverna é só uma das várias entradas da Gruta-Labirinto — disse o grão-duque.
Gruta-Labirinto?, fazia a cara de Pedro. Foi então que Simel lhe explicou do que se tratava.
Na verdade, aquela era uma das várias lendas e mitos de Mea. A Gruta-Labirinto era um lugar no subterrâneo, imenso e com diversos túneis e cavernas interligadas entre si. Alguns diziam existir monstros lá, criaturas estranhas e perigosas que tinham medo da luz, ou então que eram muito grandes para passar pelas entradas.
— Você claramente não acredita nessa babozeira — afirmou o rapaz ao nobre.
E ele assentiu.
— Mas eles provavelmente colocaram armadilhas em vários lugares, além de poderem fugir por qualquer túnel marginal ou caverna tangente. Não podemos arriscar uma entrada forçada. Eles estão com minha filha, afinal. E não sabemos ainda quem são eles ou quais suas intenções.
Ouvindo as ponderações de Simel, Pedro teve que concordar. Cercar tudo e esperar que o inimigo aparecesse para pedir a recompensa seria mais prudente.
Poderiam segui-los depois e então matá-los. Era o método mais seguro.
— Só que não podemos deixá-las aí também, completamente à mercê. Deveríamos pelo menos vigiá-las, deixando-as onde a vista alcança. Né não?
A sugestão de Pedro fazia sentido, de modo que Simel assentiu. Provavelmente era o que também estava pensando.
Assim sendo e estando todos os guardas capturados ou mortos, o grão-duque e o suposto mago itinerante decidiram formar um grupo de elite para encontrar e vigiar as duas reféns.
Os escolhidos para isso foram Pedro, Rebecca, Milla, o próprio Simel e mais dois dos melhores guardas de sua cavalaria pessoal.
A Lua já estava mostrando sinais de partir, quando os escolhidos adentraram a caverna. Levavam consigo suprimentos e armas leves, o suficiente para alguns dias de buscas.
— Lumo! — A maga disse, e uma pequena bola em formato de luz apareceu, clareando a área.
Era de fato escura, mesmo sendo apenas a entrada. Além disso, pedras soltas e declives faziam parte do cenário, temperado pela umidade e eco que cada passava gerava.
Silencioso, um dos guardas liderou, agindo ao mesmo tempo como um escoteiro em busca de armadilhas.
— Como faz esse feitiço? — Pedro murmurou para a maga, em um tom baixo, mas que não escondia nem um pouco a curiosidade que detinha.
— Precisas excitar os átomos, deslocando os elétrons de suas camadas para desgarrar os fótons. É bem simples. Só tome cuidado para não atrair partículas mágicas demais, ou vai criar uma pequena explosão de luz e revelar nossa posição.
Pedro assentiu, copiando o feitiço conforme a explicação.
— Lumo! — disse, e uma pequena bola de luz apareceu.
Milla quase não conseguiu esconder seu espanto. “Ele conseguiu de primeira?!”, a maga ficou um pouco atônita. Apesar de simples, ela mesmo precisou de três ou quatro tentativas antes de fazer acontecer.
— Bom. Agora solte-o e dê pequenos impulsos com a mana para guiar o domo.
Pedro assentiu. De fato um feitiço simples, ao menos para ele.
Rebecca encarou aquilo tudo com curiosidade, em um tanto de ciúmes, mas considerando a situação decidiu guardar seus sentimentos para si, contentando-se apenas com um leve trocar de olhares para o amado. Olhares não muito amorosos, por assim dizer.
— Achei rastros, meu lorde. A trilha leva por ali.
O escoteiro guiou-os até as pegadas. Pedro e Milla guiaram seus domos de luz até lá, mostrando a trilha.
— Continuemos! — ordenou.