Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 85
Com o cair da noite, o grupo de elite escolhido por Simel e Pedro adentrou a Gruta-Labirinto, na esperança de lá encontrar as reféns.
Pedro achava surreal que o nobre de cabelos ruivos estivesse se mantendo tão calmo. Afinal aquele era uma situação complexa que envolvia a integridade física de suas filha e mulher.
“Esse cara é muito frio, muito frio mesmo”, pensou.
O rapaz não podia deixar de compará-lo a Edward. Mesmo que fossem irmãos, eram muito diferentes nesse sentido. O irmão mais novo, mesmo com mais barba, era muito mais emotivo, não se preocupando em esconder suas inquietações e a preocupação com o futuro dos súditos. Foi assim que ele tentou convencer Pedro a ajudar, afinal.
Reparando o ambiente, o mago notou que a umidade aumentava conforme adentravam mas a fundo na gruta. A luz, que já era escassa antes, se tornava cada vez menos presente. Chegou ao ponto de apenas os dois pequenos domos serem a única fonte de luz visível no lugar.
— Sem tochas, nem lamparinas — comentou Simel. — Muito cauteloso. Eles de fato não querem ser encontrados.
Pedro concordou. Não havia o menor sinal de tochas ou trilhas naquele lugar. Praticamente nenhum rastro perceptível fora uma ou outra pista que os homens do grão-duque desconfiavam ter sido postos propositalmente para distraí-los.
— Que filhos da puta! — O jovem mago já estava perdendo a paciência com aquela situação.
Estavam muito perto do alvo, mas ao mesmo tempo tão distantes. Afora o frio e a umidade, que só aumentavam, fazendo com que crescesse o incômodo sentido por Pedro.
O rapaz já tinha começando a desconfiar que esse desconforto todo estava ligado a sua herança genética de dragonark. Era completamente diferente do calor, que o confortava e deixava com uma sensação agradável na pele.
Esforçando-se para manter a tranquilidade, respirou fundo e seguiu a diante. Rebecca o acompanhava logo atrás; Simel e Milla estavam a frente com os dois guardas.
— Esperem! — ordenou o nobre, vinte passos a diante.
— Uma outra bifurcação?
Ele assentiu.
Pedro respirou fundo, tentando pensar em qual caminho deveriam apostar dessa vez. A outra escolha havia sido mais fácil, pois um dos caminhos emitia muito eco de retorno. Um indicativo de que havia uma parede se saída não muito distante.
Dessa vez, todavia, o eco não retornava tanto. Isso só podia significar que estavam diante do início verdadeiro do labirinto.
— Qual das rotas tem o maior número de vestígios? — perguntou Simel a seus escoteiros.
— O da direita, meu lorde.
Ele assentiu, depois se virou para a maga, encarando com um olhar assertivo. Ela também assentiu e rapidamente estirou as mãos em linha reta. Depois, colocou outra sobre a testa e recitou palavras estranhas.
— [Clarividência]!
O que se seguiu deixou Pedro desnorteado.
Um pequeno tracejo azul, que ia de Milla até a abertura esquerda da gruta. Era esse o lugar para o qual os inimigos foram?, perguntavam-se os demais.
— Então vamos para o da esquerda — decidiu o nobre, que já conhecia os segredos de sua serva. Antes, contudo, virou-se para o mago-comerciante, esperando uma resposta ou algum comentário.
Em resposta Pedro não disse nada e apenas concordou. Ele estava muito surpreso com tal feitiço. Sem dúvidas, seu mestre nem passara perto de lhe mostrar algo tão trapaceiro quanto aquilo.
Usando a lógica, de fato, se o inimigo tentava confundi-los, então o local com mais vestígios deveria ser o menos provável. Desse modo, seguiriam pelo caminho oposto, qual seja, pela esquerda.
O truque de mágica aliviou um pouco os ombros do rapaz, que já estava ficando frustrado e se sentindo sem saída diante da evidente situação de aposta.
Se não estivesse com todas essas pessoas, Pedro poderia convocar mais remulus para ajudá-lo com as buscas. As bifurcações então já não seriam um problema. Mas como a maga resolveu tudo, o estresse se foi. Ao menos um pouco.
O rapaz inclusive chegou a se perguntar o porquê de ela não ter feito aquilo antes, todavia, olhando para a maga, cambaleante e sendo apoiada pelo próprio Simel, ele teve sua resposta.
“Esse negócio deve ser difícil e usar mana pra caraca”, concluiu, decidindo que questionaria a moça quando está se recuperasse.
Continuando, o grupo atravessou mais ou menos outras cinco bifurcações daquelas, antes que Simel decidisse que era hora de parar e deixar Milla recuperar suas forças.
Eles então desviaram para uma pequena abertura que encontraram e lá ficaram.
Mesmo com seus sentidos aprimorados de dragonark, aquele era um lugar escuro. Seus olhos percorreram todos os 360 graus possíveis e nada encontraram que não fossem pedras, declives, estalactites e muitas, muitas estalagmites, além de outras três bifurcações ao redor. Tal formação geológica deixou Pedro desconsertado.
Foi a primeira vez em Ark que o rapaz viu tantos espeleotemas juntos. Mesmo na Encosta da Mina não havia tanta variedade de formas como ali.
Mas o que o incomodava mesmo era o frio crescente e a umidade excessiva. O jovem já servira o exército, e como tal já teve sua cota de experiências com o frio, a água e o desconforto que proporcionavam. Por isso achou estranho.
Desde que chegara a Ark seu corpo mudara muito, mas muito mesmo. E até aquele momento ele se perguntava se era algo bom ou ruim.
“Foda-se tudo! Vou encontrar Sofia e Amélia e exterminar os malditos. Depois disso estarei quentinho nas praias do Leste, com minha água de coco na mão e uma gostosa me fazendo massagem. Hmmmm… Ai sim estarei vivendo. Hehe...”, pensou, pouco antes de ser surpreendido por Rebecca, que se aproximou de súbito, interrompendo qualquer tipo de pensamento indecente que estava para se formar.
— Q-que foi, Meu Bem? E-eu não fiz nada, juro. A gostosa era você.
— Quê? — A cara de paisagem da garota fez Pedro voltar de vez à realidade. Ele balançou de leve a cabeça, depois esticou os braços. Um claro convite para que sua amada viesse até ele.
Entendendo as intenções do amado, a garota foi e juntos se aqueceram do frio. Do outro lado estavam Simel e Milla, separados. Os dois guardas estavam de vigília na entrada.
Pedro queria muito acender uma fogueira, contudo pela falta de materiais adequados aquilo não era possível. Não existiam árvores no interior daquela gruta, e, mesmo que existissem, provavelmente estariam úmidas demais para servir como combustível para o comburente mágico do rapaz.
A meia hora seguinte se passou daquele jeito, com trinta desconfortáveis minutos. Simel ficou calado por todo o tempo e Pedro se perguntava no que ele estivera pensando.
A mulher que amava e a filha estavam sob o julgo do inimigo, um que eles sequer conheciam. Todo milésimo de tempo contava, mas sem descanso Milla talvez errasse o feitiço, fazendo-os ir para a direção errada. Isso mataria muito mais de seu curto tempo. Nesse sentido a frieza de Simel era de fato impressionante.
— Vamos! — declarou, pegando suas coisas e ajudando a maga a se recompor.
Eles então avançaram, desviando dos caminhos dúbios e das pistas falsas com a ajuda da [clarividência] de Milla.
— É uma magia do quarto círculo, a versão que usei pode ser classificada como rank 3.
Pedro ficara curioso com o feitiço usado pela maga e por isso pediu que lhe explicasse mais coisas sobre ele. Seu mestre nunca lhe ensinara nada sobre classificações e hierarquias entre as magias.
— Qual é o nome de seu mestre, senhor Petter? — perguntou Milla, curiosa acerca da origem do jovem colega.
“Ele sequer teve uma educação formal na arcana e já consegue usar feitiços de quinto rank do quarto círculo, talvez até mais!”, refletia. “Isso é muito absurdo. Quem o ensinou essas coisas? De onde ele vem, e o principal, como uma família arrivista do interior conseguiria atrair tal personagem para instruir seus filhos?”
— Isso eu não posso dizer, foi mal aí — explicou o rapaz, com a cara de planta que copiou de Rebecca.
Milla assentiu, guardando sua curiosidade para si. Como prêmio de consolação, Pedro lhe contou um pouco sobre os feitiços que sabia e uma ou outra tese de ciências naturais que trouxe consigo do clã.
A maga achou interessante e, nos intervalos seguintes para descanso, eles foram trocando informações. Com certeza ambos ganharam muito com aquilo, principalmente o rapaz, que passou a ter alguma noção de como era a Confederação e o que deveria fazer lá.
Ele até cogitou se mudar temporariamente com Rebecca para alguma das repúblicas ou principados de Arcana. Talvez até convencesse a amada a aprender alguma coisa de magia.
Voltando à caverna, sons de passos o despertaram de suas digressões fantasiosas. Passos que não eram seus, nem de Simel, seus guardas, Milla ou Rebecca. Só restava uma opção então: encontraram o inimigo!
— Cuidado! Diminuam o passo e se movam para as laterais — o grão-duque disse, indo para a direita do declive rochoso.
Pedro e Milla apagaram os domos de luz e a mercenária de cabelos curtos sacou suas adagas.
Os guardas de Simel também se prepararam, tirando duas balistas das costas, procurando a posição do inimigo.
Em poucos minutos avistaram as tochas, iluminando o que se parecia com uma porta de madeira.
“É horo do show!”, pensou Pedro, cerrando os punhos.