Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 86
- Início
- Sangue do Dragão Ancestral
- Capítulo 86 - Solidão, companheira nos momentos difíceis
O grupo de busca de aproximou calmamente da entrada, tomando cuidado e buscando armadilhas. Eles acharam estranho que nenhum guarda estivesse ali, afinal, era a porta do esconderijo.
Será que eles estão mesmo aqui?, era o que questionavam em seus corações.
Puto com aquela situação e extremamente incomodado com o ambiente úmido e frio daquele conjunto subterrâneo de cavernas rochosas, Pedro foi o primeiro a adentrar.
Um pah! bem alto ecoou quando ele arrebentou a porta no chute. Rebecca rapidamente fez o mesmo, pulando sobre os estilhaços no chão.
Vendo que o mago e a mercenária entraram, e não querendo ficar para trás, Simel ordenou que seu pessoal os seguisse.
E, para suas surpresas, tudo o que encontraram foi um ambiente vazio. Duas mesas e algumas cadeiras ao redor de uma fogueira apagada. Todavia um cheiro forte os incomodou. Um odor putrefato, o cheiro da morte.
Olhando ao redor, via-se a origem do mesmo. Três cadáveres ao chão, crânios amassados e tripas espalhadas para todo o canto. Um deles tinha pedaços do cérebro vazando.
— Armas pesadas… — comentou um dos guardas. — Clavas, talvez?
— Sim e não — Pedro respondeu, rodando seus olhos genericamente até se concentrar em um corpo em especifico. — Pelo tamanho dos estragos, é possível que sim. Mas esse cara aí… provavelmente foi morto com um soco na têmpora.
Ao contrário do que suas palavras frias sugeriam, ele estava fervendo por dentro. Se estes fossem alguns dos mercenários, então provavelmente uma luta havia acontecido. E se uma luta aconteceu, então…
— Elas correm perigo. Vamos!
Antes que a última palavra tivesse saído de sua boca, Simel já havia corrido pelo grande vão que levava à parte de baixo do esconderijo. Todos o seguiram.
Ele e Pedro eram aqueles que estavam a frente; cautelosos, mas ansiosos também, com armas em punho e os corações em brasas.
Rebecca, de outro modo, seguia atrás, olhando com cuidado o ambiente e tentando encontrar uma passagem. No caso, a passagem que esses novos personagens desconhecidos eventualmente usaram para adentrar na caverna sem passar pela porta da frente.
Não foi difícil. Ao olhar para cima, ainda no declive, ela viu. No teto havia um enorme buraco.
“Eles devem ter entrado por ali”, concluiu, se adiantando para seguir o resto do grupo. De todos, era por certo a que melhor se manteve calma. Apesar do pouco tempo que passaram juntas, ela não tinha muito envolvimento emocional com as duas. E, para ser franca, ele tinha que admitir, não entendia o porquê de Pedro ter se apegado tanto a elas.
Parecia que algo não estava normal com o namorado frio e estrategista que conhecera, o qual articulara um golpe de estado, mudando todo o status quo do Oeste.
Ao ouvir os sons de metal colidindo com metal, no entanto, ela decidiu deixar esses pensamentos para trás. De qualquer modo, ela estava ali com ele, e se algo acontecesse certamente interviria.
Olhando a frente, a garota logo entendeu a situação. Haviam dois grupos lutando.
De um lado estava um mercenário corpulento de cabelo raspado, seguido de seus páreas. Todos eles vestiam armaduras de couro leve com partes de metal ou aço, e portavam espadas bastardas, claymores e espadas longas. Alguns usavam escudos e outros, apoiavam com arcos ou balistas.
Do outro, estavam personagens estranhos. Eles tinham a pele verde e eram muito, muito fortes e muito, muito altos. Mas muito altos mesmo. Portavam todos armaduras pesadas de metal, com partes de couro, todavia só cobriam partes vitais do corpo. As pernas e articulações, por exemplo, estavam desprotegidas.
O que chamava a atenção era a disparidade de números. Do lado dos mercenários estavam algumas dezenas, talvez um pouco mais que uma centena, se se contasse os corpos espalhados pelo chão. Enquanto que os seres verdes podiam ser contados nos dedos de uma mão. Rebeca avistou nove deles.
Simel e Pedro se mantiveram escondidos em um canto com o resto. Provável que estivessem pensando em um plano de ação naquele momento. A garota se juntou a eles.
— Aquele ali deve ser o chefe — Pedro apontou.
O ser verde era deveras diferente do resto. Para começar era menor, apenas um pouco mais alto que ele mesmo, ou Simel. Também não parecia tão musculoso. Contudo ninguém ousou duvidar de sua força.
Naquele momento ele estava lutando contra o capitão-mercenário. O homem usou a aura de batalha para distribuir danos em área e à distância. Recuando.
Mas o ser verde sequer se deu ao trabalho de desviar, em uma caminhada calma, apenas usando as mãos para bloquear os feixes verdes semitransparentes que miravam suas partes vitais.
— Forte — deixou escapar o rapaz. Pela velocidade e ondas de impacto, ele calculou que os golpes tinham energia o suficiente para partir uma rocha de 60 cm ao meio. E o ser verde os estava segurando com os punhos lisos. Não parecia estar usando aura de batalha.
— Não sinto mana nenhuma emanando das mãos daquela criatura — comentou Milla.
Pedro assentiu. Também não sentiu nada, apenas por parte do mercenário.
Mudando os rumos da discussão, Simel interveio. Eles tinham que se concentrar no que era importante, afinal: encontrar suas filha e esposa. Para isso traçou um plano:
— Vocês dois vão na frente, pelas laterais, e atuam como ponta-de-lança, lidando com os inimigos como beserkers — disse aos guardas, que assentiram. — Enquanto isso Milla dará cobertura e, senhora Becca, precisarei que apoie pelos flancos, se for possível. Eu farei o mesmo.
Rebecca concordou.
— E quanto a mim? — Pedro perguntou, tacitamente aceitando o comando do grão-duque.
— Senhor Petter, de nós, é provável que sejas o mais poderoso. Preciso que crie uma distração enquanto procuramos.
Pedro sorriu, assentindo.
“Uma distração, é…? Pode deixar”, pensou, instantes antes de fazer o impensável.
…
Enquanto isso, em um lugar distante da Península…
Cinco figuras distintas caminhavam por uma estrada de terra malcuidada. À frente ela se bifurcava, com uma plaquinha indicando Erula, ao nordeste e Eburove, ao leste.
Aquela era uma área de fronteira. Uma fronteira tripla, que marcava o limite entre as três nações. Alguns passos a mais e os aventureiros estariam em terras estrangeiras.
— Não tem nenhum guarda aqui, de nenhuma nação — observou o arqueiro.
O companheiro parrudo o acompanhava de perto, e riu com o comentário do amigo.
— E o que isso importa, Bert? Eu só quero saber é onde fica a espelunca mais próxima, e rezo aos deuses para que lá tenha o hidromel mais doce e as mulheres mais carnudas da região. Hahaha!
— Pra que bebida, Hari? Se de fato encontrarmos a tal espelunca e lá tiver as mulheres, seus deuses ganharão mais um devoto. Se uma delas for carnuda e muda, ganharão mais dois, ou três, a depender da minha disposição de noite. Hehe…
Harold bateu nos ombros do arqueiro. Aparentemente, em algum momento daquela viagem ele ganhou um apelido.
— Com a quantidade certa de hidromel, qualquer mulher fica tão bela quanto as princesas de Eburove, jovem guerreiro.
Ambos riram com a afirmação.
A mocinha atrás virou o rosto e bufou, em claro gesto de desprezo pela conversa dos companheiros de estrada. O espadachim permaneceu silencioso, como de praxe, sendo imitado por Beto, que seguia a garota lado a lado.
— Colinas Setentrionais. Não tem guardas aqui, os erulanos preferem montar seus postos avançados e guarda-fronteiras na parte de trás das montanhas, questão estratégica, suponho — disse um jovem que até então tivera pouca expressão no grupo. — Quanto aos eburordianos, pelo que ouvimos até agora, devem ter concentrado suas tropas na fronteira do Principado.
Beto assentiu, bem como os demais.
Aquele que falava não era um aventureiro como os outros cinco. Ao contrário, não aprecia nada atlético e custava para se manter em cima de sua mula de viagem.
— Senhor Demeter com certeza tem muito conhecimento. Certamente que consegue usá-lo para atrair as mais grandonas para cama.
O dono de tal infeliz comentário era o viki parrudo, o que talvez fosse o principal motivo pelo qual o rapaz apenas assentiu timidamente, antes de dizer:
— Bem, caro Harold, infelizmente terei que discordar. Apesar de ter passado alguns anos trancado nas bibliotecas de meu pai, o que tenho dentro da cabeça, compenso pelo que não tenho fora dela.
O homem o encarou, curioso, enquanto ouvia a explicação do enviado republicano.
— Como pode ver, não sou tão forte quanto você, ou tão carismático quanto o senhor Bert, ali. Muito menos chego perto da beleza do comandante Beto. Então, só me resta minha velha companheira, Solidão.
Instantaneamente, todos ali passaram a olhar o jovem com pena e compaixão, exceto Lerina, que se mantinha inerte andando, como quem ignorasse a conversa.
— Você ainda vai achar uma boa mulher, senhor Demeter.
— Apenas espere chegarmos em uma boa espelunca, vou achar uma companheira pra você — disse Bert, convencido no próprio sucesso.
— Companheira?
O jovem diplomata não se mostrou muito convencido, nem muito feliz com a ideia. Na verdade, por trás de seu sorriso sem graça, os olhos deixavam claro a desconfiança no aventureiro loiro.
— Sim, uma companheira. Em outras palavras… uma puta paga.
Ele quase pulou do animal.
— Uma puta paga? — interveio Harold. — Sim… essas são as melhores, profissionais da felicidade e das boas histórias. Muito melhor que esses curandeiros de cabeça que vocês têm em Erula, Lerr.
O espadachim quedou-se inerte, recusando qualquer tipo de contato visual com aqueles que considerava imorais. Ele inclusive pensou em intervir para salvar o jovem de tamanha impureza, antes que fosse tarde.
Todavia, quando ia agir, notou que Demeter havia deixado cair um objeto de sua bagagem. Parece que o rapaz não estava mesmo acostumado ao trote da mula.
Ele agarrou o objeto e o encarou, um pouco curioso. Era uma boneca de pano. Mas por que ele levaria isso?, era o que se perguntava.
Encarando mais, viu que mais ou menos na cavidade inferior dianteira da pelúcia havia um grande buraco acolchoado num formato bastante peculiar, coberto por uma seiva estranha, parecendo vaselina. Ela tinha até uma etiqueta lateral.
Ao lê-la, Lerr quebrou por completo sua caminhada silenciosa, num grito furioso de raiva.
— V-você… você é pior que eles!
A título de informação, na etiqueta estava escrito: “Solidão — minha companheira nos momentos difíceis”.