Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 88
Entre pular rumo ao desconhecido e investigar o caminho misterioso aberto pelo ser verde, e ir atrás dos seus, que estavam em perigo, Pedro não teve dúvidas. Deveria salvar aqueles que estavam com ele, ainda que Simel fosse um rival político de Edward e que Rebecca facilmente pudesse se salvar com a força que tinha.
Assim, ele desceu correndo pelo declive que ficava na passagem do fundo. Lá haviam algumas mobílias antigas em péssimo estado de conservação, às quais o rapaz ignorou com presteza.
“Sofia; Amélia. Será que eles as acharam? Será que estão bem?”, refletiu inquieto o rapaz, pensando em possíveis rotas de ação. “Já usei um terço da minha mana com o rugido diacrônico hoje. Tsc! Dane-se. Uso até o final se precisar”.
Olhando ao redor, via-se algumas passagens duplas e mais de uma opção de saída, o que dificultava a procura.
Usar sua habilidade única para desacelerar o tempo e cobrir mais rápido grandes áreas da caverna parecia mesmo ser a melhor opção naquela hora. E era justamente o que Pedro estava prestes a fazer, quando vozes agitadas capturaram o foco de seus pensamentos.
— Vamos! É por aqui!
“Hm? Essa voz…”. Olhou de reflexo, desviando de uma pequena pedra que caiu do teto.
— Vocês encontraram elas?
— Sim, Amor. Os guardas estão levando Amélia. Sofia está com Simel. Estavam desacordadas lá atrás. — Rebecca tentava explicar enquanto arremessava suas agulhas nos pedregulhos que caiam, apontando para uma passagem grande, no final do declive.
Como ela disse, olhando melhor ele viu Milla correndo e usando sua magia para fazer o mesmo que Rebecca. Simel seguia logo atrás com Sofia no colo, e um dos guardas segurava Amélia, enquanto o outro a protegia com o escudo.
Pedro partiu a seus encontros. Primeiro tomou Amélia. Podia não parecer, mas a moça era pesada, dificultando o passo dos guardas, que já carregavam muito peso com o equipamento. Eles até deixaram suas mochilas e suprimentos para trás, para poderem ir mais rápido.
De qualquer forma, foi um alivio quando o rapaz de cabelos negros carregou a lady. Em outra situação eles com certeza ficariam surpresos, pois a levantou como se fosse nada, disparando rumo a saída.
— Vamos! Andem mais rápido ou todos ficaremos presos nessa caceta de lugar.
Apesar do incentivo de Pedro, aquela parte em específico se mostrou um desafio ao grupo. Muitos corpos mortos estavam atirados ao chão, fora a instabilidade geológica daquela estrutura, que ameaçava ruir a qualquer momento.
— Não tem nenhuma magia que envolva terra que dá pra estabilizar essa caverna? — Ele perguntou para a maga.
— Se tem, eu não conheço, senhor Petter. Vamos! É melhor corrermos.
Resignação tomou conta de seu coração. Naquele momento o jovem dragonark notou que era muito bom em destruir coisas, mas péssimo em evitar sua destruição, ou repará-las.
“Eu com certeza vou pesquisar mais feitiços quando for para a Confederação”.
Após martelar aquela certeza em seu coração, Pedro decidiu acelerar o passo, mas não demais, para não se separar dos outros. Já haviam atingido a porta de entrada do esconderijo.
Todavia ainda estavam na Gruta-Labirinto. E, assim, bifurcações e caminhos triplos os separavam da liberdade definitiva e do ar puro de Mea.
— Os tremores estão um pouco menores ali. Estão parando. Talvez não desmorone por agora.
Bastou que Rebecca fizesse tal comentário, outra explosão soou do epicentro do esconderijo, e muita poeira saiu da entrada atrás deles. Felizmente, já haviam deixado o local da luta.
— Para onde, Milla? — Simel perguntou.
— Para a direita. Eu marquei as entradas a medida que íamos passando — respondeu a maga, demonstrando o quão grande era sua sagacidade.
Ao que parece Pedro já havia notado tais marcas, pois estava bem à frente do restante, parando as pedras que iam em sua direção com socos e pontapés.
Brutal, como a situação exigia.
Quando a tremedeira diminuiu, eles se reagruparam.
— Como estão? Conseguem todos continuar? — perguntou Simel, um pouco eufórico e com dificuldade para respirar. Contudo com o rosto ainda frio, como se nada o abalasse.
Talvez inspirados por ele, ninguém ousou reclamar, e o grupo então continuou a fuga.
Antes, com as pausas regulares para descanso e o passo lento, demoraram cerca de cinco horas para chegar até ali. Agora, deveriam sair o mais rápido possível, pois não sabiam o quanto da estrutura daqueles corredores de pedra ainda se manteria em pé, e por quanto tempo isso aconteceria.
Friamente, Simel fez um plano para que saíssem em cerca de duas horas e meia de caminhada rápida, conjugada com descansos rápidos de dois a três minutos, seguidas passadas rápidas que beiravam o trote lento.
Em seus interiores, tanto Pedro quanto Rebecca sabiam que poderiam sair dali mais rápido, apenas os dois e carregando Sofia e Amélia. Poderiam mentir depois, dizendo que Simel e o resto morreu no desmoronamento e se safar ilesos.
Por diversas vezes nesse curto período de tempo, o rapaz cogitou os assassinatos, com as mais variadas formas e dos mais variados jeitos possíveis. Mas algo em seu coração dizia-lhe que aquilo não era certo.
Deixar uma filha sem pai, e uma esposa sem marido, ainda que fossem rivais políticos, não parecia ser o certo a se fazer.
Assim, ele fez um certo gesto para a namorada, indicando que não faria aquilo. Ela assentiu, com uma careta indicando que pensava o mesmo.
Claro, tudo mudaria se o desmoronamento de fato começasse. E Pedro sempre poderia ir e mudar de ideia depois, quando não estivessem mais em perigo, contanto que as circunstâncias exigissem.
Decididos, eles então controlaram o passo e seguiram o grupo.
Conforme andavam, Pedro notou que Simel ficava cada vez mais desgastado, dando indícios cada vez mais claros que estava próximo do colapso.
— Lorde Simel… I-isso é… sangue?
Um dos guardas notou pequenos pingos vermelhos escorrendo da roupa do jovem grão-duque, que atualmente era o último do grupo. Olhando para trás, via-se um pequeno rastro de sangue.
— Ah… Isso? — Ele olhou para a cintura. — Não é nada. Apenas um corte superficial que um dos desgraçados deixou lá atrás. Já estanquei, não se preocupem, só continuem andando.
Suas palavras soaram frias, entretanto cheias de energia. Era como se suas ordens fossem absolutas.
— Se for só uma ferida superficial, eu posso curá-lo. Sei uma ou duas coisas de restauração — ofereceu a maga.
Todavia Simel recusou categoricamente.
— Vamos continuar — ordenou.
Pedro ficou curioso com aquilo. Não pode deixar de pensar que o companheiro era um pai dedicado. Pelo que viu, seria muito difícil convencê-lo a deixar que Rebecca carregasse a menina. Até para ele próprio seria algo fácil, apesar de Amélia em seus ombros.
De forma inconsciente, desde o início dessa expedição, seu respeito pelo ruivo aumentou do zero para um valor muito expressivo. Talvez até convencesse Edward a mudar de estratégia depois que aquilo terminasse.
O tempo se passou daquela forma, e o grupo de resgate conseguiu enfim sair da Gruta-Labirinto.
Ao ver a luz da Lua de novo e sentir a presença do resto de seus homens, que aguardavam em um acampamento improvisado na entrada, Simel entregou Sofia a Milla, virou-se em direção à uma área gramada e, com muito despendido, desmoronou.
Antes que caísse, contudo, Pedro o segurou. Pelo que parecia, o rapaz já tinha se livrado de Amélia, deixando-a aos cuidados de alguns cavaleiros de trajes brancos que vieram do acampamento.
“Hum? Esse idiota andou aquilo tudo com o baço perfurado?”, notou o rapaz, incrédulo com a resistência do nobre em seus braços.
Bem rápido, ele tratou de estancar direito a ferida, virando-se aos outros e gritando:
— Médico! Preciso de um médico, e rápido! Tragam mirra, curativos e qualquer coisa que tenha álcool. Ele tem uma ferida enorme na lateral inferior do abdômen.
Atentos, os curandeiros logo vieram ao resgate.
A expressão de Milla mudou de imediato. Com cuidado, ela deixou a menina para a mercenária de cabelos curtos e saiu correndo em direção a seu mestre.
— [Cura menor]! [Cura menor]!
Ela conjurava e conjurava, e pequenas luzes iam para o ferimento. Círculos mágicos estranhos se formavam sobre a palma de suas mãos. Com o passar dos minutos, pareceu que a ferida se fechou um pouco, sangue parou de escorrer, mas era o limite.
Simel ainda continuava pálido e desacordado, tendo sido levado pelos curandeiros para a cabana central do acampamento.
Ele seria curado, Pedro sabia. Era instintivo, a força da experiência, talvez. Contudo também sabia que isso não seria algo imediato, quiçá fácil de ser obtido.
Desse modo, se preocupou em ajeitar as duas amigas em uma cabana próxima à sua e depois foi descansar com Rebecca.
Pelo menos fingiu fazer isso, até que a companheira adormecesse ao seu lado. Depois, levantou-se com cautela e se esgueirou com cuidado pela trilha lateral até a entrada da Gruta-Labirinto.
O incidente de antes despertou sua atenção, impedindo-o de ter um sono tranquilo.
Ele tinha que voltar lá. Tinha que saber mais sobre o ser misterioso e o que fazia ali. Mesmo que já não estivesse mais lá, o que era provável, considerando o tempo que demoraram para sair, ainda teria que checar com seus olhos.
Ao menos deveria adentrar pela cratera artificial que ele fez e chegar o que estava acontecendo nas profundezas da caverna. Só assim teria uma noite tranquila no futuro.