Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 89
No esconderijo dos mercenários, momentos após o grupo do grão-duque sair com as reféns…
Do mesmo buraco próximo ao declive, aquele avistado por Rebecca, um outro impacto forte surgiu. Era como um pequeno meteorito atingindo o solo, muito poderoso.
Poeira se espalhou, e mais uma vez as paredes tremeram.
E foi em meio a esse pó espalhado das rochas esmagadas que ele surgiu. Verde e alto, mas não tanto quanto os cadáveres espalhados pelo chão. Também não era muito largo. Na verdade, o contrário disso.
Seus longos cabelos brancos lhe davam um ar de majestade que o ser anterior não tinha. E as vestes que usava transmitiam-lhe uma aura de nobreza.
Ele caminhou lento declive abaixo, passando por uma entrada sem porta e atingindo o que parecia ser uma espécie de pátio central do lugar. Pelos tremores anteriores, a maioria das tochas já tinham se desgrudado das paredes, apagando-se em meio à umidade, sem se espalhar pelos cadáveres e moveis quebrados de madeira e ferro.
A atmosfera fétida não parecia o incomodar. Pelo contrário, apesar da careta séria, a criatura dava grandes lufadas de ar. Era como se a morte tivesse um gosto doce.
Ele nem piscou quando viu seus companheiros mortos, passando indiferente a eles, até pisando em alguns.
Parou rente ao buraco cavado pela outra criatura misteriosa. Mas não pulou. Um chiado ao fundo chamou sua atenção. Era um grito seco e desesperado.
— V-vo… matar… matar… nobre estrangeiro… Como ousa… me deixar… aki…
— Humak? — perguntou a criatura, na mesma língua estranha do outro.
O mercenário aleijado ao chão claramente não estava em boas condições psicológicas. O embate mais cedo o fez colapsar.
Quer dizer… Rukie treinou muito para que fosse capaz de adquirir tal poder. Ele até fez o pacto com os homens encapuzados, se tornando um de seus peões para obter poder. E mesmo assim não foi o bastante. Mesmo com tamanha força, mesmo depois de aprender a usar a aura de batalha, ele foi derrotado por Pedro, abatido como uma mosca.
Todas as suas esperanças foram perdidas. A vingança falhou de forma miserável. Isso, mais a dor física, o fizeram perder o pouco de sanidade que lhe restara.
Esse era Rukie, filho de um ex-conde, ex-herdeiro de uma das casas mais poderosas do Oeste, um playboy fracassado. Um mercenário derrotado e esquecido pelo inimigo mortal.
Sim, quando Pedro foi embora ele percebeu, sequer se lembrava de quem ele era, ou do incidente que deu início a sua inimizade. Era tudo unilateral, um ódio platônico. O rival nem se importava o suficiente com ele para matá-lo, deixando-o abandonado às traças, aos cadáveres e ao ser misterioso que agora o encarava friamente.
Rukie soltou uma risada engasgada e cheia de sangue.
— Paté… tico…
Naquele momento, contudo, algo o surpreendeu.
— O que é patético, humano?
A criatura desconhecida falou seu idioma. Ela falou seu idioma. Rukie entrou em perplexidade. Suas mãos tremulas; os olhos, piscando. Não conseguiu responder.
— O que é patético, humano? — perguntou-lhe novamente o ser, a voz gélida como a nevasca.
O ex-nobre sentiu a temperatura cair. Literalmente, a temperatura de seu corpo começou a cair. Suas veias ficaram escuras, mostrando a mudança na corrente sanguínea. As extremidades adquiriram uma cor pálida por causa da falta de oxigenação.
Ele estava morrendo?, foi o que se perguntou. O medo espalhava por seu coração como o fogo na palha. Ele não queria morrer. Não ali, e não daquele jeito. Mas o destino era cruel.
— Fique quieto, humano. Mostre-me o que aconteceu aqui — disse a criatura, colocando a mão sobre a cabeça de Rukie.
No instante seguinte os olhos do homem perderam a cor. O corpo ficou mole como geléia e caiu no chão quando a criatura o soltou.
— Ayvu Humak? — murmurou, já na língua materna. Contudo logo balançou a cabeça, ajustando levemente a respiração. — Drag… nark…
Por algum motivo desconhecido, aquelas palavras fizeram-no tremer um pouco. Se era medo, ódio, uma mistura dos dois ou algum outro sentimento, só ele mesmo sabia.
Após pensar um pouco, ele balançou de leve a cabeça e encarou o buraco. Depois foi até ele e pulou sem hesitar.
Parou quem sabe quantas centenas de metros abaixo, após minutos e mais minutos de queda livre rumo ao desconhecido, só parando com o duro do chão.
Pah!
Lá dentro a coloração azul tomou conta de seus olhos. O lugar era espaçoso e gigantesco. Haviam árvores e vegetação por onde a vista alcançava, além de trilhos enferrujados e estruturas mecânicas antigas.
Uma paisagem de tirar o folego.
Olhando um pouco ao redor, notou algo que lhe chamou a atenção. Vinha de pequenos montes ao sul, os quais ele em instantes alcançou. Lá estava uma pequena fortaleza.
Ele alcançou a enorme porta metálica do lugar, mas não entrou. Ao invés disso, ficou parado esperando algo. Permaneceu naquela posição por cerca de uma hora ou duas, como se estivesse de vigília, guardando o forte.
Foi então que um chiado começou a soar, e a porta começou a se abrir. Uma silhueta com cerca de 1,90m surgiu de lá, em meio a uma rala cortina de fumaça gasosa.
— Vossa alteza — disse o ser verde em sua língua materna, curvando de leve a cabeça.
— Encontrou o que buscávamos?
O subordinado fez que sim, tirando uma caixinha metálica de suas vestes e a entregando aos cuidados do de cabelos brancos. Seu semblante estava um tanto abatido e com ferimentos visíveis por todo o corpo. Com certeza não havia sido fácil obter tal objeto.
Abrindo com cuidado, o ser misterioso viu um pedaço cilíndrico e dourado, mais ou menos da extensão de um dedo humano médio.
Acontecia que o seu dedo mindinho tinha mais ou menos a mesma circunferência que um dedo humano, de modo que o acessório coube perfeitamente.
— Ah, sim… É exatamente o que procurávamos. Você será recompensado quando chegarmos, Zirgur. Sua tribo inteira será elevada pela contribuição que fez à Grande Missão.
O subordinado assentiu, fazendo o que provavelmente era uma saudação militar.
— Alteza, mais cedo, quando vim com o esquadrão de buscas, achei um alto-humano estranho. Não consegui identificar sua linhagem, mas acho que é um…
— Dragonark — completou o outro, interrompendo o companheiro. — Eu sei. Vamos embora logo.
Assentindo, o ser verde seguiu seu líder, deslocando-se rápido por algumas centenas de metros.
De lá avistaram um buraco com o dobro da circunferência de seus corpos, com o diâmetro exato de seus braços abertos. Eles estavam prestes a saltar, quando…
— Alto lá, seres inferiores!
— Onde pensam que vão, escória orc? Devolvam o anel.
Os donos das palavras rudes pronunciadas com escárnio eram dois seres brancos com lábios finos e de orelhas pontudas que vinham atrás, de uma outra direção.
— Afastem-se ou morram — avisou o ser verde.
Os elfos, todavia, escolheram pagar para ver. Ignoraram por completo a ameaça a conjuraram seus feitiços.
Três ondas brancas sobrevieram. Tudo o que tocavam, congelavam. Mas não era um simples congelamento. A vegetação que estava entre o conjurador e o alvo foi perdendo sua cor, tornando-se cinza. Era uma geada que congelava o espírito.
Junto com as ondas vieram grandes chicotes de espinhos. Saiam da terra e também iam rumo aos dois seres verdes em uma velocidade tremenda.
Antes que lhe agarrassem, o líder misterioso de cabelos brancos agarrou o subordinado pelo braço e recuou centenas de metros ao lado. O objetivo era fugir do perigo, mesmo que tivessem que se afastar da melhor rota de fuga, que era o buraco no teto.
O vento gélido continuou, até que se dissipasse com um movimento de mão do elfo que o conjurou. O mesmo aconteceu com os espinhos, que voltaram para a terra.
Em um pensamento crítico, os dois orcs não podiam simplesmente ir para cima, ou seriam bombardeados pela retaguarda pelos elfos. Assim, desistir e lutar era a única opção.
— Aquele ali está machucado, mira nele — observou o elfo.
Como se entendesse a língua do inimigo, o líder orc correu ainda mais, carregando seu subordinado para uma área que entendia mais segura e benéfica para um combate 2×1.
A fortaleza de antes era o lugar ideal. Uma vez lá dentro, seria um jogo de gato e rato, e se ele conseguisse a dianteira, também conseguiria ficar de campana ou criar armadilhas para os inimigos.
Pela magia que usaram antes, ele sabia, eram fortes. Talvez vencesse em um 1×1, mas, com o subordinado ferido, estaria sujeito às adversidades do destino.
Assim, escapou para o forte, que se fechou de imediato com a presença dos dois em seu interior.
Os elfos rangeram os dentes.
— Então faremos assim… Tsc! Escória orc…
Com outro feitiço, a parta gigante se abriu, só para que o interior da fortaleza fosse bombardeado pelas magias élficas. Ondas e mais ondas de gelo mortal, bem como espinhos de terra, espalharam-se por todo o vão de entrada. Se os inimigos estivessem ali, com certeza teriam levado sérios danos.
Mas nem chiado foi detectado pelas orelhas dos elfos. Estava vazio.
— Parece que não temos escolha, mestre, vamos entrar — disse o com aparência mais jovial.
O ancião fez que sim, dando o primeiro passo rumo ao perigo iminente.
Aquela disputa duraria ainda algum tempo, o suficiente para que Pedro distraísse Rebecca e voltasse à Gruta-Labirinto.