Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 90
Dentro da fortaleza metálica, os dois orcs se escondiam em uma salinha qualquer, repleta de móveis de pedra. Em cima desses móveis estavam algumas ferramentas estranhas e restos de um maquinário estranho, indecifrável.
A iluminação era parca, mas abrangia todo o ambiente. Uma espécie de luz roxa e clara.
O de cabelos brancos esticou a mão com o anel. Encarou fixo o novo objeto por alguns minutos, fazendo uma careta de compreensão. Era como se estivesse decifrando sua utilidade.
— Fortalecimento, restauração e cura maior. Pegue, Zirgur. Pegue e se esconda.
O subordinado encarou com espanto, mas não ousou recusar. Pegou o objeto recém-obtido e o equipou. Depois, fez conforme ordenado e saiu por uma outra sala ao fundo. Não sem antes passar ao líder um relato básico das instalações e rotas de fuga do lugar.
Já com o necessário, o ser de cabelos brancos também se moveu. Era a hora de agir como o gato e montar a emboscada.
O grande salão de entrada estava gélido e com marcas de destruição. A magia dos elfos agiu como um ácido, corroendo tudo.
Passos.
Como um flash, o ser de cabelos brancos agiu. Várias linhas mágicas e finas se formaram no chão, alguns metros depois de onde ouvira os passos. Se condensaram em figuras geométricas estranhas, runas. Quatro delas, com comprimento o suficiente para cobrir uma boa área.
Quando o elfo pisou, elas explodiram.
Em menos de um segundo o frio deu espaço ao calor das chamas, que tomaram tudo naquele lugar. Igual aos feitiços de antes, aquele não era um fogo comum. Para começar, sua coloração era verde e ele se alastrava por tudo, mesmo o que parecia ser feito de metal.
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Ainda encoberto pelas brasas, os elfos começaram a cantar em um dialeto estranho e incompreensível, mas muito belo e hipnotizante.
Uma luz azulada então explodiu de seus corpos, que passaram a ficar encobertos por uma fina camada da mesma cor. O dano que sofreram começou a se curar rápido, e as chamas não mais os pareciam afetar.
Após balbuciar palavras que pareciam xingos, eles atacaram a posição do inimigo.
O orc fugiu, se escondeu e atacou novamente após alguns minutos. Os elfos contra-atacaram e a luta continuou daquela forma por horas.
A luta já havia saído da fortaleza brilhante naquele momento, e os dois orcs agora lutavam. Pelo que perecia o outro se recuperara por completo, e agora agia como ponta-de-lança de seu superior.
Pah! Pah! Sssssss…
Tremores tomavam conta do chão. Qualquer fosse o ecossistema ali, corria sério risco de existência, pois o fogo, o gelo e a destruição tomaram conta, destruindo quem estivesse em seus caminhos.
A um certo ponto a batalha se tornou mortal. Sangue escorria da boca do orc que antes se recuperara. O companheiro de batalha também não parecia em estado melhor, apesar de estar na retaguarda.
De modo similar, do lado dos elfos os danos eram igualmente altos, com o mais velho arrastando uma das pernas, severamente danificada pelo fogo.
— Se esconda, Caranthir. Rápido! — ordenou o velho. — Vou usar aquilo. Já você, vai voltar e avisar ao clã que os orcs de Al Ak’Muur encontraram uma das relíquias de Dianchet. Ainda não sabem como usá-la, e eu tentarei atrasá-los com aquilo, é por isso que você deve ser rápido.
O jovem elfo parecia consternado, contudo não recusou a ordem. Apenas rangeu os dentes e fez conforme pedido. Não sem antes distrair os inimigos com sua poderosa magia da terra, é claro.
Forçar os inimigos a esquivar-se dos espinhos deu ao mestre o tempo que precisava para conjurar aquilo e, a ele, para correr.
Quando olharam para as mãos do velho, viram uma grande bolota azul se formar. Basicamente, toda a vida que restara até aquele momento da batalha estava morrendo, emanando uma luz clara e opaca, que ia toda para ele, como se fosse o epicentro de um gigantesco vendaval.
A terra e as paredes tremeram. Rochas enormes começaram a se desprender do teto, e os lençóis freáticos dali começaram a secar.
— Não podemos deixar que termine o feitiço — observou o orc.
Seu superior negou, balançando a cabeça em reprovação
— Não há nada que possamos fazer. Não está vendo? As partículas, mágicas ou não, estão sendo transformadas em energia. Mesmo entre os demônios, aquele é um feitiço proibido. Nosso inimigo está consumindo a própria alma para lançá-lo.
O subordinado teve um entendimento súbito. Caso se aproximasse muito, ele mesmo teria sua força vital drenada e morreria sem nem mesmo conseguir alcançar o inimigo.
Tal era o nível de uma magia proibida.
— O que faremos, alteza?
— Leve isto a meu pai — disse friamente, entregando o anel ao subordinado. — Só há uma forma de parar uma magia proibida, Zirgur… fazendo o mesmo.
Choque tomou conta do ser. Ele queria dizer algo, queria fazer algo, e, no entanto, não havia nada a fazer. Não era tão poderoso e muito menos sábio quanto o líder.
Ele até gostaria de perguntar como teve acesso a um feitiço proibido, contudo este era um segredo que Orkush Al Ak’Muur estava disposto e levar para o túmulo consigo.
Ele se virava para correr até o buraco. E foi neste contexto complicado que um outro ser apareceu.
Pah!
Caiu duro, com a poeira remanescente indicando que fez uso de uma técnica de escalada. O choque produziu um alto som, que foi abafado pelo redemoinho de energia do elfo ancião.
— Mas que cacete de buraco fundo. Nem mesmo a maior petroleira teria uma broca tão eficiente quanto à que aquele safado usou pra cavar isso.
A atenção do orc foi atraída para a figura bagunçada, vestida com o que possivelmente eram pijamas humanos.
— Dragnark.
Pedro ouviu de novo aquele dialeto estranho usado para se referir a ele. Entretanto seu senso de perigo logo mostrou que a criatura verde era, no momento, o menor de seus problemas.
“Miquinhos me mordam! Mas que cacete de feitiço é esse?”, refletiu, sem saber o que pensar.
Aquela onda de energia o fascinou.
Obviamente não eram só partículas mágicas. E se eram, estavam em seu estado mais puro. Um fenômeno incrível, que seu pouco conhecimento arcano não estava nem perto de entender.
Ele não conseguiu sequer perceber que no centro daquele vendaval energético estava um ser, de tão luminoso e forte que o fenômeno foi.
Naquele momento, na verdade, apenas uma coisa lhe vinha à mente: “fudeu!”
Em menos de um milésimo, chegou à conclusão que ali estavam reunidas partículas instáveis em quantidade suficiente para fazer Hiroshima parecer um pequeno teste, uma relés brincadeira de criança.
E como estavam abaixo da terra, aquele lugar misterioso seria o epicentro de um grande terremoto radioativo. Qualquer construção que estivesse na Península seria balançada, inclusive o acampamento de Simel, onde estavam Rebecca, Sofia e Amélia.
Pedro precisava agir. E precisava fazê-lo rápido!
“Tá, mas o quê? O que faço pra parar essa merda”, pensou, sem notar o outro ser verde que agia à frente.
A criatura tirou algo das vestes, uma espécie de adaga carmesim. Depois, bem calmo, usou-a para cortar a carne. Sangue roxo escorreu de sua mão, que estava erguida e fechada.
Ele então fez movimentos estranhos com o indicador e, o mais incrível, seu sangue parou no ar. Em seguida, formas geométricas estranhas começaram a se formar.
“E-ele tá usando o próprio sangue pra desenhar”, Pedro notou.
A quantidade absurda de mana que vinha dali o assustou por igual. O rapaz não sabia se ele mesmo seria capaz de reunir tantas partículas mágicas tão rápido. Não, ele sabia sim: não estava nem perto de fazer um décimo disso.
Outro ser verde, o que estava à frente, o tirou de seus pensamentos, pronunciando-lhe palavras que não entendia em um tom urgente. Depois, passou por ele, ignorando-o por completo, e foi direto por onde acabou de entrar.
Estava fugindo, deixando o companheiro para trás.
Sem saber o que fazer, Pedro decidiu usar de todas as armas que tinha para parar a destruição. Ele primeiro iria reunir uma grande quantidade de partículas mágicas, conjuraria o mesmo feitiço que usou para interromper a explosão galdéria, e então soltaria seu grito diacrônico, usando a única outra coisa que tinha de sobra para se aproximar do fenômeno: força bruta.
Agora que a mana estava de volta, seria capaz de manter o tempo desacelerado por mais tempo, o suficiente para que se aproximasse do fenômeno energético sem sofrer danos absurdos.
Se o [dissipar partículas] falhasse, então ele não sabia o que fazer. Mas isso seria problema para o Pedro do futuro; pro Pedro de agora, além do medo de ter aqueles que ama pegos pelo grande terremoto energético, só restava a fraca esperança na própria habilidade de improvisar.
— Que situação de merda… Eu com certeza preciso de férias — comentou, antes de partir.
Enquanto ainda estava correndo, ele não percebeu, mas uma quarta força apareceu. Um feixe grande de luz.
Quem seria e o que estava fazendo ali?