Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 91
Ao se aproximar do vendaval, Pedro logo notou que havia algo de errado. Sentiu uma serie de pontadas por debaixo da pele. Era como se seu sangue tentasse sair.
Não conseguia mais sentir as partículas mágicas. As mãos perderam a sensibilidade.
— Cacete! Dessa vez estou realmente ferrado…
Ele não mais conseguia se mover sem sentir dor. Era que a própria pele ameaçava se desgrudar do corpo. Mas ele suportou, pois aquilo ainda estava longe de ser o seu limite.
Como teste, o rapaz tentou usar o seu [dissipar partículas]. Um feitiço que criou, um que não tinha cântico. Um que usava a própria ciência atômica para controlar a instabilidade nuclear.
Pequenos aglomerados brancos de luz se formaram ao redor de suas mãos. A dor diminuiu.
“Deu certo”, concluiu, não deixando de sorrir de felicidade.
Naquele mesmo momento, sentiu fortes rajadas de vento por entre as orelhas. Olhando melhor, viu dois borrões vermelhos passarem. Tinham o formato cilíndrico e vários símbolos indecifráveis, desenhados em meio à figuras geométricas diversas.
Pararam perto do gigantesco disco giratório de energia. Depois, começaram a girar. Giraram e giraram e pequenos feixes vermelhos começaram a sair.
Mais dois rojões vermelhos vieram por trás, mais dois círculos vermelhos. Eles também começaram a girar, gradando-se aos feixes vermelhos.
Pedro notou que esses feixes formaram uma espécie de prisão. Uma prisão tão poderosa que mantinha retida toda aquela energia azulada.
A dor parou subitamente.
“Mas que cacete de feitiço é esse?”, perguntou-se o rapaz, atônito em meio àquele caos mágico. Foi então que parou para respirar, organizando suas ideias e montando um plano. A prisão seguraria o vendaval, impedindo-o de se expandir, mas realmente pararia a explosão?
Pela expressão azeda na cara do ser misterioso, “não” era a resposta mais provável. O companheiro verde havia fugido mais cedo, talvez estivesse apenas ganhando tempo para ele.
Foi por isso que agiu.
E chegando ainda mais perto, sentiu a pontada súbita de novo. Parece que estava certo, e a gaiola vermelha realmente não pararia a explosão, apenas a retardaria.
Por isso tinha que usar o [dissipar magia] e forçar o decaimento das partículas de energia, para estabilizá-las novamente, interrompendo a destruição de Mea e, por consequência, de Vilazinha.
Assim, ele se aproximou o suficiente, reuniu a mana que tinha e…
— Pedrinho, não faça isso!
BOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOM!
Um clarão branco foi a última coisa que Pedro notou antes de sua visão embaçar.
— Podem matar os dois…
E a voz doce e desconhecida foi a última coisa que escutou.
…
O local era rodeado pelo verde das árvores e pelo azul do céu. A vegetação era rica, muito rica, e vasta. A umidade, também. Rios e balanceais rodeavam a vista, inundando as narinas de qualquer ser com ar fresco, sem descriminação. Eram como os bordados de um belo vestido que pertencia à própria mãe-natureza.
E, em meio àquele Éden lúdico, estava o verdadeiro inferno. Um caos completo de gritos e explosões, de projeteis voando e lascas de casca caindo.
— Atenção, Vinte e Três! Presta atenção na missão!
A repreensão vinha de um homem carrancudo, com colete e uniforme verdes-escuros. Ele carregava uma AR-57 que com certeza mostrava toda a versatilidade de uma submetralhadora convencional.
O homem a usou para atirar, se levantando de leve do pequeno monte de terra natural que lhes servia de abrigo.
O rapaz fez o mesmo, se adiantando para trocar o cartucho de sua própria arma, um fuzil de fogo seletivo com calibre 5,56mm. Na parte superior de seu colete estava o tipo sanguíneo e o número, além do título: “aluno”.
— Senhor, o inimigo vai tentar sair pelo rio, senhor! — alertou de longe outro jovem com o mesmo título do rapaz. Diferente dele, contudo, estava mais atrás e usava um binoculo para ver a área.
O homem assentiu, em seguida fez sinais estranhos para as equipes do lado, disse uma coisa ou duas em seu walkie talkie e disparou para o alto. Mas não um disparo comum, e sim um sinalizador preto.
Quase que imediatamente, outra saraivada de projeteis voou. Só que agora mais à frente, pela lateral do grupo inimigo.
Pelo que parecia, a equipe do rapaz ficou responsável por distrair o inimigo, possibilitando que outra equipe adentrasse pela mata densa sem ser percebida e alcançasse uma boa posição de fogo.
Isso foi feito e agora eles avançavam.
— Padrão, padrão — gritava o homem carrancudo. — Fatiou… passou. Sigam a doutrina.
— Sim, senhor!
O jovem aluno de antes também avançou, rastejando-se pela terra enlameada de sangue e tripas. Alguns, dos animais que haviam sido pegos pelo fogo cruzado, sem conseguir fugir.
— Xerife, cadê o chipa inimigo?! O chipa é o objetivo, ouviu? Quero ele vivo! — ouviu pelo ponto de comunicação preso em seu colete.
Naquele momento, o jovem chegou perto o bastante de uma trincheira inimiga. Sem ser notado, ele apontou sua M16 para a cabeça do inimigo e, sem hesitar, abriu os bem olhos, e então atirou.
Crak, esse foi o som que o corpo fez ao cair no chão. E o soldado olhou para ele.
Era um homem com camisa de time, colete balístico e moicano disfarçado nos lados. Repleto de tatuagens e, agora, de sangue. Morreu com a arma ainda em mãos, mas a cabeça estourada.
Infelizmente para o soldado, o inimigo não era o único perigo ali. Outro homem logo levantou, atirando com o que parecia uma metralhadora leve.
O rapaz rolou para o lado, desviando da primeira rajada. Logo em seguida arremessou no homem um objeto pontudo, uma faca tática.
Outro crak soou. Acertou em cheio o alvo: o pescoço do marginal.
— Gama falando, Gama falando. Ponto 14-b dominado com sucesso; inimigo neutralizado; zero baixas — disse, aproximando o rosto do colete e apertando o ponto de comunicação.
— Aqui é Alfa falando. Entendido, Vinte e Três. Prossiga para o ponto 13-d, Zeta precisa de apoio. Repetindo: Zeta precisa de apoio, avance para o ponto 13-d.
— Entendido, Xerife!
Cruzar as linhas inimigas se mostrou mais fácil do que inicialmente pensado. O rapaz não se preocupou com o abate de inimigos nesse meio tempo, apenas cumpriu as ordens, se aproximando do ponto-alvo.
Ficava perto à encosta do rio, de modo que a única proteção existente fosse a vegetação rasteira e os poucos troncos que, com certeza, não paravam um tiro de fuzil.
Enquanto andava, o rapaz não esperava, contudo foi surpreendido por um inimigo no chão. Ele estava desarmado e sujo, com lama e sangue, e fogo nos olhos. Era raiva, um ódio fervente e ácido.
— Pasarse de la raya, hijos de puta. Voy a matarte!
Ele era grande, bem maior que o jovem soldado, em largura e comprimento. A curta distância e a surpresa tornavam seu fuzil uma inutilidade. O inimigo o agarrou pelo pescoço.
De modo quase instintivo, ele segurou-lhe com as próprias mãos. Então atirou-se para trás, criando um pequeno vão entre o antebraço dele e o seu próprio pescoço. Depois pegou o pulso e o torceu, girando-o com todo o corpo. Quando o inimigo ficou de costas, acertou-lhe um chute na articulação da perna, forçando-o a se ajoelhar.
Foi aí que colocou as duas mãos na cabeça do homem e… crak!
O corpo caiu como pedra, juntando-se ao enorme monte de carne espalhado pela aquela mata. Apesar da aparente diferença numérica, o massacre era completamente unilateral. Os homens de verde, todos de aparência jovem, sobrepujavam-se em meio ao caos, como verdadeiros senhores da guerra.
Foi como se tivessem feito pacto com o diabo para levar mais almas ao inferno. Não era só pela diferença tática e qualidade dos equipamentos; mesmo no mano a mano, a diferença era perceptível como o sol no verão. Tinham o domínio da técnica, a arte de matar. E todos matavam sem compaixão.
— Belo tapa, Vinte e Três. Eles também te ensinaram isso na China? — perguntou um outro jovem, que acabara de passar atirando rumo à encosta fluvial.
— Não, Trinta, esse aqui eu aprendi com você.
…
O rapaz acordou sorrindo.
— O que… o que aconteceu? — perguntou, ainda confuso e meio disperso pelo sonho alegre.
— Ah… Pedrinho. Você realmente tem uma linhagem muito abençoada.
Ouvir a voz melodiosa tão de perto por um momento fez com que pensasse que ainda estava sonhando, contudo Pedro não tinha sonhos tão doces.
— Q-quem é voc…
— Que rude — interrompeu a dona da voz. — Já faz tanto tempo assim, pra você esquecer de mim?
Forçando a memória, ele se lembrou.
— Você é… do Conselho… Espera, do Conselho?!
Olhando ao redor, o rapaz notou o embaraço da situação. Ele estava deitado, com as roupas em farrapos e fuligem por boa parte do corpo, apesar de a pele estar intacta, pelo que parecia. A moça loira que lhe fazia uma espécie de cura mágica era uma anciã do Conselho do Clã. E ele a estava usando como travesseiro de corpo!
Com um pulo súbito, ele de imediato levantou.
— P-perdão, anciã!
Ela apenas sorriu. E que sorriso encantador, Pedro não podia parar de pensar.
— Pode, por favor, me explicar o que aconteceu, anciã?
Olhando melhor, o jovem aristocrata dragonark observou, também, outras três figuras estranhas. Todas mulheres, altas e vestidas com armaduras de um metal colorido. Portavam armas gigantescas e tinham um semblante ameaçador.
Pedro teve leves calafrios ao as observar, por isso desviou rápido o olhar.
— É claro…