Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 92
Eles estavam no esconderijo gaudério, acima da cidade subterrânea em ruínas.
Mais cedo, ao acordar, a anciã havia contado o que aconteceu. Rulia se mostrou bastante simpática e prestativa, versada em magia de restauração e fortalecimento, as quais usou para que despertasse mais rápido.
Acontecia que, ao usar seu [dissipar partículas], Pedro acabou de fato forçando o decaimento de diversas partículas. O problema era que seu feitiço não foi forte o suficiente para alcançar todas elas, fazendo com que as partículas estáveis reagissem com as instáveis que, em choque, explodiram.
Se ela não estivesse ali para frear o incidente, então a Península nunca mais seria a mesma.
— Como a senhora fez pra parar aquilo? — perguntou, atônito e um pouco trêmulo de pensar que quase ajudou a destruir tudo.
— Hum? Não sabe?
Ele fez que não.
— Segredinho. — Ela sorriu, jogando seus cachos para trás com um leve impulso de cabeça.
O método provavelmente envolvia segredos profundos, os quais ele não entendia e não poderia entender ali, com o pouco conhecimento que tinha nas artes arcanas.
Esse sentimento de resignação só fez com que Pedro crescesse a vontade de aprender mais sobre a arcana. Pelo menos durante aquele curto espaço de segundos, ele sentiu uma vontade absurda de abandonar tudo e ir para a Confederação. Mas então se lembrou de outra coisa.
“Rebecca! E também as meninas… Fiquei fora por muito tempo, preciso vê-las”, pensou.
— A quanto tempo estou fora? — perguntou.
— Vinte minutos — respondeu a anciã, para sua surpresa.
Pedro sentiu um alivio instantâneo ao ouvir aquelas palavras. Só de pensar que Rebecca tentaria procurá-lo na Gruta-Labirinto, sozinha, o fez querer arrancar os cabelos. Quer dizer… a explosão com certeza a pegaria, e mesmo que isso não tenha acontecido, a anciã poderia querer apagá-la para esconder o segredo daqueles de fora do Clã.
— Você com certeza tem uma linhagem pura e abençoada, Pedrinho, se curou praticamente sozinho… em vinte minutos! — disse novamente a anciã, não se preocupando em dar qualquer explicação.
— O que aconteceu? O que são aquelas criaturas de antes? O que foi aquele vendaval mágico? E quem são essas que vieram com a anciã?
— Wow! Você tem muitas perguntas, Pedrinho. Mas, bom… vou tentar responder uma por vez — disse, levantando o indicador em um gesto de compreensão.
Ele balançou a cabeça em afirmação, encarando fixo a mulher de cachos.
— Bom, primeiro sobre as meninas ali. Elas são valquírias, parte das forças de segurança do Clã, e normalmente ficam vigiando e protegendo os arredores, identificando possíveis problemas antes deles acontecerem. Igual hoje. A Hilda ali notou uma perturbação anormal e veio me chamar.
A jovem de cabelo fogo-prateado acenou, tentando forçar o que talvez fosse um sorriso, mas que parecia uma ameaça velada.
— Você também é uma valquíria, anciã? — Pedro perguntou, se esforçando para não parecer rude.
— Não, não. Nós dois temos o sangue mais puro do clã, não podemos exercer um cargo tão baixo…
Aquela informação não desceu tão fácil para o rapaz. Ele ainda se sentia meio estranho com esse lance de sangue puro e linhagem, mas deixou passar sem questionar, pelo bem da conversa.
— Sobre o fenômeno agora. Aquela explosão é fruto de uma magia proibida, uma tentativa idiota do elfo de impedir que os orcs obtivessem outra relíquia.
— Relíquia?
— Sim, sim. Itens mágicos poderosos, nada demais. Esse pingente que você usa também é uma relíquia também, não? — Ela falava do colar que Marcus o deu ao término do treinamento.
Acontece que se tratava de um item mágico poderoso, então. Pedro pareceu compreender, não mais interrompendo a anciã.
— Bom, na verdade não existe isso de uma magia ser proibida. Isso é só pra esses seres inferiores, que não as conseguem conjurar sem drenar a própria vida. De qualquer forma, evite ficar usando isso por enquanto.
— Usando… isso? Isso o quê? — Pedro não pareceu compreender.
— O feitiço que você criou, Pedrinho. Ele também pode ser classificado como uma magia proibida aos olhos desses seres inferiores. Seu plano era ir para a Confederação, não é? Pode te causar algum incômodo se usar isso na frente deles.
A conversa com certeza o trouxe muitas informações. Sua mente estava para explodir, com tantas coisas. Ele teria que lembrar de evitar usar o [dissipar magia] na frente de muitas pessoas, então. Talvez até a sua [onda doppler] fosse uma magia desse tipo.
— Ahr… Tem tantas coisas que gostaria de discutir contigo, Pedrinho. Mas agora não é hora — disse, sorrindo. — Prometi a Tinzinho que o ajudaria com um novo encantamento, então vou te deixar em paz agora.
Ela se levantou, ajeitando o vestido.
— Vamos, meninas.
As valquírias assentiram, caminhando com diligencia em direção à anciã. Uma luz translúcida começou a se formar em um círculo ao redor de seus corpos.
— Ah!, e não se esqueça de vir me visitar quando voltar ao clã. Conversei com Tinzinho para lhe dar uma propriedade do lado da minha, vamos ser vizinhos. Hehe…
Um sorrisinho sugestivo foi a última coisa que teve dela antes de a luz branca se dissipar, levando com ela as três valquírias e a anciã loira.
Pedro sentiu que sua cabeça iria explodir, teve que lutar para se conter. Aquele mar de informações novas com certeza daria muito alimento para seus pensamentos agitados.
Contudo precisava voltar. Precisava ver se Sofia e Amélia acordaram, se Simel já estava bem e falar com Rebecca sobre viajarem para Arcana. Isso era algo que havia decidido, seu próximo passo.
…
O sol do meio-dia já estava alto no céu quando Pedro voltou ao acampamento. Lá, encontrou uma Rebecca levemente preocupada e vários guardas em prontidão.
Pelo que ouviu, eles sentiram leves tremores e não entendiam o que estava acontecendo.
— Amor! Onde você tava?
— Voltei na caverna pra ver se tava tudo bem.
Rebecca encarou, perplexa.
A meia hora seguinte foi de uma severa agonia aos ouvidos do rapaz. Várias coisas foram ditas, palavras fortes, do tipo: “você não tem noção do perigo”, ou: “não importa o quão forte seja, um desmoronamento ainda é um desmoronamento”, e: “por que não me chamou pra ir junto?”.
— Okay, Meu Bem, cê tá certa, tá? Me arrependo muito de ter te deixado preocupada — disse, escondendo os dedos, cruzados, por detrás das costas. Em seguida sorrindo e abrindo os braços para perguntar: — Paz?
A expressão da garota ainda era severa, contudo resolveu ceder dessa vez, aceitando o abraço.
— Elas já acordaram? — sussurrou-lhe.
— Ah, sim… Elas tão naquela barraca ali. Mas você deveria vestir alguma coisa antes de ir lá.
— Ah, sim… Vou fazer isso.
Soltando-a, vestiu uma roupa nova e foi na direção apontada. Pedro notou a inquietação dos cavaleiros e membros da comitiva de Simel, por isso os reconfortou, dizendo que se tratava do desmoronamento anterior, que foi olhar e não era nada, etc. Deu certo.
Chegando na barraca, identificou-se para os guardas e conseguiu entrar.
— Ei, Sofia!
A garotinha estava sentada aos pés da cama e rapidamente foi ao encontro do rapaz. Abraçando-a, Pedro notou que ainda usava o velho tapa-olho.
— Você tá bem?
Ela não respondeu, apenas continuou andando. Ao chegar perto o bastante, agarrou-lhe pela cintura com suas mãozinhas, firme. Sentir o abraço silencioso da garota o fez acordar para a real situação.
Os três curandeiros na tenda tinham expressões complicadas, um deles rangia os dentes enquanto torcia um pano branco. Foi então que desviou seus olhos para a cama no centro.
Uma mulher estava lá, totalmente encoberta, agarrada em meio aos travesseiros. A diferença foi que não era tão silenciosa quanto a garotinha ruiva.
— O que houve?
Sofia olhou-lhe nos olhos, mas não respondeu. Apenas puxou-lhe pelas mangas da camisa, virando o pescoço aos curandeiros.
— Deixem-nos sozinhos.
Pedro se assustou com a frieza no tom da garotinha. Apesar disso, a voz se manteve firme e autoritária. Era como se fosse a ordem de uma rainha, ou, no caso, da filha do grão-duque.
Eles assentiram, ainda um pouco relutantes, e foram embora. Sentindo que o pedido se aplicava a ela, Rebecca olhou para a menina e depois para o namorado, que fez um pequeno gesto.
— Estarei esperando lá fora.
Quando ela saiu, Sofia arrastou a mão para o olho tampado e retirou-lhe o obstáculo.
Pedro ficou fascinado. Sentiu-se sufocado. Por um breve instante, foi como se estivesse imerso em meio a um mar púrpura de violetas. Era o contraste perfeito com o azul-celeste do outro glóbulo ocular.
— A mamãe… ela… Tio Petter, por favor… faz ela parar de chorar — disse, com a voz trêmula.
Ele então foi desperto do sono momentâneo, notando as pequenas gotas transparentes que caiam daqueles olhos perfeitos.
— S-sua mãe está… chorando — murmurou. — Mas por quê? O que houve?
Ela limpou as lágrimas com a mão, relatando:
— Ela chora porque aqueles homens que nos sequestraram mataram meus avós.
As palavras saíram mais cortantes que a ponta da espada. A frieza das palavras com o contraste das lágrimas que caíam de seus olhos fez Pedro sem saber o que sentir.
— Obrigado por voltar lá e terminar de os matar, tio Petter — ela disse, agora com a voz trêmula.
Pedro a agarrou de imediato, apoiando a cabeça da criança em seus ombros e a sentindo manchar as vestes com lágrimas.
Aquela menina não estava normal. Quantos anos tinha? Claramente não ultrapassava os dez, e já estava falando de morte e vida daquela forma?! Por mais que houvesse a interferência genética, mesmo ele não pôde deixar de sentir que não era certo. Nenhuma garotinha devia sofrer tamanha dor.
Ele se lembrou da calamidade em Oss e da garotinha no telhado. Essas situações de caos, que estragam infâncias… Para a própria surpresa, Pedro descobriu que odiava isso.
Alguém teria que pagar por isso. O preço seria sangue. E almas.