Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 97
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- Capítulo 97 - Conspiração: O prólogo de uma grande guerra?
No dia seguinte, junto ao raiar do Sol, os dois aventureiros e o diplomata partiram para o grande palácio no centro de Duranto.
Passando pela primeira entrada, Bert não pode deixar de notar como a estrada para a cidade era bem construída. As pedras eram de um calcário branco quase como o mármore, só que mais resistente, pelo que parecia.
A primeira muralha era a mais baixa, por ela os comerciantes que passavam eram interrogados e o tributo, cobrado. Parecia haver uma taxa sobre a atividade comercial na cidade.
Passando tranquilo, Bert olhou de relance para o companheiro espadachim, notando que ele não parecia nem um pouco surpreso com a grandeza do local.
— Você já veio aqui antes, Lerr?
Ele não respondeu.
— Ei, Lerr. Tá me ouvindo, cara?
Num balançar desajeitado de cabeça, o jovem de cabelos amarrados ajustou o capuz e respondeu, parecendo voltar à realidade.
— Já. Passei um tempo em Erula, em busca de meu caminho.
Bert percebeu que o companheiro não parecia muito com vontade de revelar mais informações sobre seu passado por aquelas bandas. “Talvez Lerr tenha algum segredo obscuro; uma namorada que lhe deu um fora, talvez”, refletiu, tirando suas próprias conclusões.
Ao lado, Demeter olhava curioso para o nada. O baixinho republicano se dispersava fácil quando em contato com coisas que lhe chamavam a atenção.
— Vocês também perceberam, cavalheiros? — perguntou.
Bert fez que não. Lerr quedou-se inerte, apenas ajustando um pouco mais seu capuz.
— As pessoas aqui são… diferentes, não? São um tanto mais…
— Bonitas — completou o arqueiro. — As mulheres daqui são muito bonitas. Pela deusa! E como são bonitas!
De fato, olhando com mais cautela, via-se que os habitantes de Duranto de fato eram mais encorpados e com rostos mais corados que a média das vilas e cidades pelas quais passaram até então.
— Erula é o país mais rico da Península. O único capaz de rivalizar com os países do Continente. Não parecem passar por dificuldades financeiras, principalmente aqui na capital — comentou o diplomata.
Deslumbrados, os dois jovens e Lerr decidiram se adiantar e percorrer todo o percurso até a Fortaleza Vermelha. Passaram pelas ruas largas até a terceira muralha, a mais alta delas, onde foram parados e questionados. Responderam de onde vieram, explicando que se tratava de uma missão diplomática.
Eles estavam todos desarmados, já que supostamente iriam adentrar o castelo.
O guarda de plantão não se preocupou com detalhes, como o motivo de tal missão ser tão pequena — feita por apenas três pessoas — ou afins. Deu-lhes alguns papéis para assinar, bem como recolheu os papéis da República que provavam sua missão, cobrou a taxa e lhes apontou o caminho até o castelo, bem como os entregou um documento escrito: “permissão diplomática”.
Mas a instrução nem era necessária. Isso porque a fortaleza em questão era fácil de se ver.
— E eu achava a casa do lorde grande…
— Alto! — disse um guarda, interrompendo-os.
Este não era um guarda qualquer. Lerr foi o primeiro a perceber. Havia algo diferente nele, uma aura que era no mínimo tão grande quanto a sua.
O espadachim sabia dizer só com um relance que não seria uma boa ideia invadir o palácio à força, pois junto a este guarda haviam outros trinta ou quarenta estacionados. Sua auras tão grandes quanto à daquele que lhes abordou; alguns, até mais.
— Sou da República Mea, oficial; viemos em uma missão diplomática.
Demeter se adiantou, puxando os documentos que recebeu na entrada e apresentando-os ao guarda de armadura leve. Ele os recolheu, lendo os papéis com uma espécie de lente esverdeada que tirou de uma das bolsas laterais.
— Aguardem aqui. Chamarei um agente da chancelaria para guiar-lhes — avisou, adiantando-se a um posto teleférico na lateral.
Sim, havia um posto com linhas de transmissão entre o fosso, a ponte e a fortaleza. Por ele, as mensagens eram transmitidas para dentro do castelo. Eram cerca de três linhas grandes de um material parecido com o cobre. Se Pedro visse isso, certamente ficaria deslumbrado com a sofisticação.
Cerca de dez minutos depois e o dito agente chegou. Era um jovem na casa dos vinte e poucos anos, usava um óculos garrafão e uma roupa de galã, ao estilo nobre erulano, com cores um pouco chamativas, mas bem costuradas.
— Os cavalheiros devem ser o oficial da República Mea e seus dois guarda-costas, imagino.
Demeter saudou de volta, confirmando suas identidades. Após, eles foram guiados palácio a dentro. Passaram por vários corredores largos e móveis de luxo até chegarem numa das salas da chancelaria.
Lá, foram recebidos por um outro agente, um pouco mais velho. Ele se apresentou, ofereceu chá e doces, antes de mudar a conversa para o que de fato importava.
— E então, cavalheiros… Em que podemos lhes ser úteis?
Demeter, sentado calmamente em um dos sofás acolchoados do escritório, colocou a xícara na mesa com calma. Logo em seguida tirou uma caixinha lacrada da bolsa.
Bert olhou com calma, um pouco curioso com o fato de ninguém ali, além dele mesmo, intrigar-se com aquele objeto. Afinal, por que alguém lacraria uma carta? Um selo simples não bastaria?
Ignorando o companheiro arqueiro, agora sem seu arco, o jovem republicano deu prosseguimento às formalidades, sacando uma chave do bolso, abrindo a caixa e entregando-a ao oficial da chancelaria.
— Deixe-me ver…
Ele a pegou com cuidado, tirou o lacre e leu-a calmamente. Até que, ao chegar em uma certa parte do conteúdo…
— O Lorde Protetor da República Mea de fato é bem arrojado… — comentou, deixando de lado a carta que acabara de ler. — Onde está a original? Entregá-la-ei pessoalmente ao Chanceler, imediatamente!
Demeter assentiu. No canto, Bert e Lerr encararam com curiosidade.
— Aqui, a original está neste lacre. — O jovem de pele pálida retirou outra caixa da bolsa. Só que dessa vez uma com mais entalhes, mais rebuscada.
Recebendo o baú, o oficial da chancelaria pediu-lhes licença e saiu rápido do pequeno escritório. E sumiu, em meio à pequena multidão de serventes e transeuntes do palácio.
…
No mesmo instante, poucos metros distante daquela região, uma sombra pairava por entre as brechas de um grande hotel. A construção era bem chamativa, encontrando-se próxima à área mais nobre de Duranto.
No grande quarto do décimo andar, o mais alto do estabelecimento, cerca de cinco pessoas se reuniam. Duas delas eram carrancudas e parrudas, pareciam guardas fazendo a segurança. Os outros três, de outro modo, não eram nada atléticos e tinham expressões mais sutis, mas nada felizes.
— A audiência de hoje foi catastrófica, senhores. Ouviram as expressões que ele usou? “Não seria bem quista uma invasão”, ou “Erula tem preocupações maiores que uma divergência regional”.
— Acalme-se, lorde Rod. Temos que nos acalmar — disse um outro, mais magro e com roupas sociais. — Os mensageiros já saíram. Nossa maior preocupação agora deve ser avisar Sua Majestade que Erula não irá apoiar nossos planos, contudo ao menos não irão interferir.
Ao canto, sentada em uma cadeira acolchoada, uma senhora de cabelos curtos, um pouco mais encorpada, tirou seu cachimbo da boca e resolveu participar da conversa.
— Meus caros lordes, não acham que meu tio já sabia que o apoio do rei de Erula seria improvável? Nem minhas táticas foram capazes de enfatiçá-lo — comentou, parando para outra tragada de tabaco. — Humf! Creio que nossa missão aqui foi concluída. Erula não interferirá; o sul será nosso! Isso é o suficiente.
— Vossa alteza, abaixe-se! — gritou um dos seguranças, instantes antes de arremessar algo no armarinho atrás da dama.
Pah! Pah!
A faca bateu, relinchou em algo e voou de volta para o homem parrudo. Ele todavia permaneceu calmo e apenas moveu a mão na mesma direção do objeto.
Soou um pah de um baque suave. O segurança parou a faca com as mãos nuas, o que aparentemente não foi surpreendente para os que estavam ali.
— Ora, ora. Então temos outro rato do sul aqui… — comentou o mais gordo deles, o homem que ocupava sozinho o grande sofá ao canto.
— Sir Irr, por favor, proteja Sua Alteza e também o conde, sim? Eu e Sir Kairo vamos varrer a sujeira do hotel.
O homem franzino levantou-se com cuidado, desatando os botões de seu terno acinzentado.
— Você conseguiu sentir minha intenção de matar.
A voz ao fundo soou fria, quase como uma nevada no Alasca. A figura que saiu de lá emanava aquele tipo de aura, fria de matar.
— Mas não tenho tempo para vocês, tenho que avisar a meu senhor — disse baixo, quase que como um sussurro.
Os homens em posição de batalha se assustaram, pois, quando o sussurro sumiu, desapareceu também o homem por trás da espionagem.
Eles se encararam.
— Não sinto mais nenhuma presença. Deve ter saído do hotel — comentou o guarda à frente da dama e do nobre com sobrepeso.
— Não detecto nenhum distúrbio, nenhuma agitação nas partículas mágicas daqui. Isso não foi um feitiço.
A expressão deles era mórbida, assustada. Claramente não acreditaram que o homem que outrora os espionava simplesmente sumiu, desaparecendo junto com o sol do meio dia.
Pouco tempo depois e Beto retornou ao acampamento. Na cabana estavam Lerina e o nórdico, Lerr e Bert ainda não haviam retornado de sua missão, provavelmente presos com as formalidades diplomáticas.
— Arrumem tudo, estarei retornando primeiro. Quando os outros chegarem, vocês voltarão com o senhor Demeter à República e se reportarão ao Lorde Protetor. Depois retornem à Vilazinha, esperem novas ordens!
— Sim, chefe — disse o nórdico. Lerina assentiu também.
Em seguida Beto virou-se e partiu, ainda de dia, direto para o sul. O objetivo era encontrar Pedro e avisá-lo sobre o que ouvira.