Sina de Guerra! Ou Como uma Garota Projetava Fantasias - Capítulo 20
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- Capítulo 20 - "C'est l'Heure du Siège"
A situação toda havia sido explicada e reelaborada a partir da nova perspectiva do senhor, que sabia onde estava a entrada do forte, pelos anos de vivência na área. Tendo elaborado um plano com as garotas, o velho senhor se afastava do resto de cadetes, junto a Victorica e Rumina, e agora contribuía com umas últimas recomendações e advertências sobre o forte e sua estrutura.
Como ele explicou, este era um forte que se bem não necessariamente poderia se considerar antigo, com ao redor de apenas 20 anos de existência, estava claramente em ruínas após aguentar inúmeros bombardeios de artilharia e servir sua função no passado. Era esperado que muito do que o velho conhecia quiçá tivesse sido destruído e as passagens subterrâneas estivessem bloqueadas em alguns pontos por escombros.
— De veras é uma missão arriscada, mas não podemos voltar atrás agora. Tenho que vos agradecer, general.
— Já faz décadas desde que me aposentaram. Haha… — Um sorriso triste surgia no seu rosto. — Boa sorte, capitã. — O senhor deu meia volta e saudou as garotas antes de tomar rumo para a estrada e voltar para seu rancho a alguns quilômetros dali.
— C-certeza que não precisa que ni-ni-ninguém te acompanhe? — Rumina, suando frio de nervosa, usava toda sua coragem para dizer algumas palavras ao antigo general, que agora tomava rumo.
— Não. Eu sei como voltar. — Ao parar um pouco, ele virou para trás, como se tivesse lembrado algo. — Quando acabarem com esse capitãozinho, vocês podem passar em casa para tomar um chimarrão de café!
Como se todo o nervosismo e admiração pelo homem tivessem desaparecido, surgiu uma expressão sombria de desgosto no rosto de Rumina ao escutar isso, mas ainda assim ela o saudava na medida que desaparecia no horizonte da colina. E eu que sou herege[13].
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Na frente de uma entrada arqueada de pedra, quase completamente conquistada pelos anos na natureza por terra e musgo, as duas garotas pairavam uma do lado da outra, carregando cada uma um rifle na mão. Não muito longe delas, outra das três garotas que estavam dentro da entrada do túnel, batiam e dobravam barras de ferro dum portão enferrujado e destruído que se recusava a abrir.
— T-tu… sabia que ele é… é o San Benjamín… né?
— É claro que sim — asseverou a visigoda. — Um dos meus deveres como condessa do império é mantê-lo sob vigia. Afinal de contas o homem foi exilado para o interior depois da rebelião, apesar de ser um dos generais rebeldes mais importantes junto do Impugnador, ele teve sorte de ser respeitado pelos oficiais da época. Homens de ações e homens de palavra. Vosmecê já deve saber da história…
Hum… ela diz que o vigia por dever, e parece admirar ele também… mas ainda assim nunca se deu o trabalho de ver ele pessoalmente? Bem, não tem nada que um velho nessa idade possa fazer contra o império de qualquer forma, o que faz sentido usar terceiros para isso… mas ainda assim… A garota de olhos âmbares tímidos não evitou mais que questionar internamente. Talvez Rumina não percebesse isso, mas ela começava a vislumbrar uma faceta diferente da sua capitã, uma faceta misteriosa que fazia algo parecer fora de lugar e que Victorica tentava esconder por alguma razão. Pouco a pouco, o medo e terror que Rumina havia sentido em relação a ela até agora se transformava lentamente em receio e curiosidade. Se a visigoda, branca como papel e loira como o ouro que estava na sua frente, realmente atuava em prol do império ou não, era uma questão que começava a virar uma incógnita bastante evidente.
No entanto, essa lógica esfarrapada não era o suficiente para relaxar, seus medos não haviam desaparecido completamente, não, “quiçá ela era apenas uma irreverente imprevisível, quer dizer, a plena vista a guria é literalmente uma alcoólatra funcional”, ela pensou. Tirando a tentação do conforto e da segurança que ela desejava, Rumina se fechou novamente, a verdade era que não, “não se pode confiar nela!”.
As mãos de Rumina instintivamente seguraram a coronha do rifle com maior firmeza do que antes.
— Tá aberto, vamos! — gritou do fundo, Picota ao lado de Florência e Galore, ao som de barras de metal caindo no chão.
Notando a tensão na sua subordinada descoberta herege, Victorica colocou o rifle apoiado no braço e levou uma mão no suave rosto de Rumina.
— Porque a careta? Estás assustada?
Debochando, antes de dar a meia volta e caminhar para a entrada, a visigoda novamente entrava na cabeça de Rumina da pior forma possível. A capitã brincava com a situação ambígua entre o medo de avançar pelas ruínas subterrâneas e encontrar fogo inimigo e o medo de ter sido descoberta herege.
Nada disso vai acabar bem. Nada disso vai acabar bem! Rumina respirava fundo, ao dar meia volta e acompanhar sua capitã.
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As garotas haviam-se dividido em dois grupos, um comandado por Victorica, e outro por Elena e Virgínia. A ideia era simples. Considerando o fato de que tomar o controle do forte “por debaixo” e por surpresa, em teoria, era opção mais ótima, o cálculo de Victorica, e a tímida intervenção de Rumina, levavam a considerar que o capitão inimigo não seria ingênuo o suficiente para deixar o interior do forte sem guardas para uma possível infiltração. Para elas, se essa tática inimiga era ao mesmo tempo incômoda já que implicava alguma resistência nos túneis, ela também queria dizer que existia a chance de que alguns barris de Gervásio ficassem sem condutores ou até municiadores; em outras palavras, prendia os barris as suas posições e debilitaria seu poder de fogo.
O trabalho de Elena e Virgínia nos dois barris que haviam sobrado, entravam em cena.
— Espero que não tenhamos que usar essas munições mais de 25 vezes — dizia Ñanary ao carregar uma das pesadas munições no carregador do canhão.
Sentado frente a mira, do lado dela, Hector, via com surpresa, ainda que sem demonstrar, a pequena garota levantar as munições calibre 75mm como se não fossem nada.
— A depender da posição dos barris inimigos, e das ruínas, pode ser que não precisemos usar muito mais de dez. Nossa missão é apenas distraí-los, o resto depende da capitã…
Com um sorriso inocente, Ñanary colocou uma mão no ombro do rapaz sério, de óculos redondos e cabelo liso, e começou a fazer tapinhas.
— Estou contando com você pra não me fazer cansar os braços! Hahaha!
— …Certo. — Quase avermelhado, ele ajustou seus óculos, evitando olhar diretamente para a garota.
Ao som de batidas de pistão, as esteiras do barril de Elena rolavam pela grama amassando pedras e plantas ao jogar terra para trás. Cautelosamente subia, a agora não tão íngreme colina, e se posicionava fazendo a suspensão do blindado receber o soco cinético.
— Muito bem garotas, é hora da verdade. — A comandante de feições sérias anunciava pela linha de rádio do grupo.
— Quer dizer, c’est l’heure du siège, né? — replicou Virgínia em voz metálica, estacionando seu barril a uns 40 metros de distância da unidade da companheira. Ninguém sabia de onde ela tirou esse termo gaulês, nem o porquê ela o utilizou de forma tão confiante, de todas maneiras, seu comentário foi ignorado pelas companheiras. Com um olhar morto no rosto, a garota de cabelos verdes escuros, ainda segurando o microfone do rádio na mão, continuava: — Na conta do “três”, vamos começar a barragem.
— Um! — Começou Elena.
— Dois…
Dentro do forte, o capitão caminhava de um lado para o outro enquanto contava os minutos no relógio que levava na parte de baixo do pulso. Ele sabia que a qualquer segundo as garotas começariam o cerco. Um dos seus comandantes teria notado que eles poderiam realmente ter perdido duas unidades de alguma maneira, já que não havia resposta há mais de meia hora e dois barris teriam sido avistados a distância do forte por Lília.
— Ainda temos a superioridade numérica e poder de fogo… — “Será que ele teria subestimado a visigoda?”, o pensamento invasivo surgia na sua mente naquele momento. — Você aí, cabo Dandi, reporte sobre a guarda — disse, apontando para um cadete em posição alerta que guardava a entrada para uma escada subterrânea.
Com o rifle nos braços, o cadete correu em direção ao capitão, sem hesitar.
— Sim, senhor. Estamos em posição, mas o soldado Ferrera ainda está armando os fios.
— Tsc. — Gervásio se irritava com a situação. “Quantas haviam sobrado? Será que eram apenas duas unidades com barris, ou haviam sobrado mais?”. Ele não podia baixar a guarda. Imaginar que dois barris teriam conseguido atravessar o campo minado só com o poder de Expurgo de Victorica era um milagre sem ela sequer saber onde as minas estavam. Essa visigoda era uma pedra no sapato, e uma das grandes. — Certo, ordene a Lília que comece a operação.
À 200 metros do forte, posicionado num dos seus pontos cegos, um dos barris elevava o tambor do canhão meticulosamente, apontando em direção ao forte, escondido parcialmente pelo horizonte do monte.
Ao mesmo tempo, Elena e Virgínia deram o comando para suas unidades.
— Três!
— Fogo!
O som de duas explosões estourou pela floresta. Os tambores dos dois barris teriam detonado o fusível do projétil quase no mesmo momento, isso se não fosse pelo barril Virgínia ter sido o último a fazê-lo.
— Eu disse que era para disparar no três! Não no “fogo”! — A comandante estranha reclamava em um tom calmo, segurando o microfone na mão.
— Hiiii, confundi! — Suas bochechas começavam a se inchar. — …E é culpa sua! Você deixou a rádio ligada e sempre tá falando de forma confusa! Ahhhg! — Fazendo um escândalo, Mesura reclamava de Virgínia.
O cerco tinha começado.
Nota de Rodapé
[13] Pra quem não é gaúcho ou não tem costume de tomar chimarrão, ninguém em sua sã mente bota grãos de café e água quente numa cuia e toma com bombilha, mas aquele homem… aquele homem ele fazia isso…