Sirius - Capítulo 3
Capítulo 3: Decisão
BANG
— VOCÊ PERDEU TUDO!?
Um estrondo, seguido de um grito, ecoou de dentro do escritório. Tai Lung quase partiu ao meio a escrivaninha a sua frente.
— Acha que dinheiro cresce no chão? Como conseguiu essa proeza tão rápido, se… seu imbecil! — Enfurecido, as veias de seu pescoço saltavam a pele e seu rosto se avermelhava.
Li não conseguia levantar a cabeça, envergonhado de encarar o homem.
— Pai, eu já te disse, foi um aciden…
— Estou cansado das suas desculpas! Sempre acontece alguma coisa, você SEMPRE tem alguma justificativa, como nunca é sua culpa?
“Mas dessa vez realmente…” Li pensou, mas não se atreveu a falar.
A esse ponto, ele sabia que não seria bom para ele insistir no assunto. De fato, dessa vez realmente não havia sido inteiramente sua culpa, mas como ele iria explicar isso para seu pai? Nem mesmo ele sabia exatamente o que tinha acontecido.
“Tive uma ‘dor de cabeça’ enquanto jogava e desmaiei. Fui expulso e acordei num hospital sem nem um tostão…” pensou. “Se eu tivesse no lugar dele, também não acreditaria numa história dessa”
— Me perdoa, pai… — sussurrou, alto o suficiente para o homem ouvir.
— Eu já entendi, já entendi — suspirou — Agora vá para o seu quarto descansar, você tem uma luta daqui a algumas horas.
— Sobre isso…
Depois do que aconteceu no cassino e no hospital, Li começou a ter dúvidas sobre a luta. Apesar de nunca ter manipulado resultados, não é como se ele nunca tivesse feito algo próximo ou semelhante a isso.
Mais de uma vez ele já se deixou tomar alguns golpes. Perdeu um ou dois rounds para desbalancear os multiplicadores das apostas. É próximo de como quando um time toma um gol em uma partida de futebol. A chance de ele ganhar a partida se torna muito menor, fazendo o multiplicador do time que está em desvantagem aumentar. Logo, se esse time, por exemplo, virar o jogo e ganhar, o apostador ganha bem mais.
Li nunca se interessou por apostar em suas lutas, a sensação diferia, pois nesse caso a vitória ou derrota dependeria dele, o que não é a mesma coisa, já que o risco é bem maior quando o resultado não está em suas mãos.
— Nós não podemos fazer igual a antes? Talvez encenar um pouco mais? — Li deu a ideia sabendo que, sendo uma coisa que ele já tinha feito antes, não seria muito difícil de repetir.
— Encenar? — Tai Lung gargalhou. — De jeito nenhum, garoto, nós estamos mirando em uma derrota completa.
— O quê? Um K.O.? — Li rapidamente se demonstrou insatisfeito com a ideia, cortando o homem.
— Mas isso não vai tornar minha vida profissional muito mais difícil? Pai, eu não po… — Jihan foi interrompido por uma grande mão que agarrou sua camisa e o levantou do chão.
— Escuta aqui, moleque!
A voz de Tai Lung estava diferente, fria. O medo subiu pelo pescoço de Li, congelando-o.
— É melhor que você não tente ferrar comigo! Você está esquecendo sua posição aqui.
Um calafrio subiu pela sua espinha, ele nunca viu Lung daquele jeito.
— Eu não sou seu “papai” ou nenhuma merda do tipo, você é meu! Tudo que você é, que você tem, vem do meu bolso! Eu sou seu dono, moleque. É melhor você NÃO tentar ferrar comigo!
Soltando a gola de sua camisa, Li, com suas pernas falhando, caiu no chão.
— As coisas mudaram agora… você vai fazer o que eu mandar, quando eu mandar até pagar tudo que me deve e só aí vai poder escolher o que quer ou não fazer, estamos entendidos?
— S…Sim.
— Sim?
— Sim, senhor, eu entendi! — Li abaixou a cabeça.
— Assim mesmo… — riu — apesar de que, do jeito que as coisas estão indo, você só sairá daqui em uma década ou mais! — Tai Lung deu um sorriso malicioso. — Agora, dá o fora daqui! Você tem uma longa noite pela frente.
Li se virou e rapidamente saiu do escritório. Logo em seguida, o homem pegou o celular e discou um número salvo.
— Ei, sou eu.
— Sr. Lung, a que devo o prazer? — Uma voz robótica respondeu do outro lado.
— Quero saber se a proposta ainda está de pé…
— Claro, mas o que aconteceu? Achei que não estava disposto a perder a sua “joia”.
— Bem, estou disposto agora. Não acho que eu deva uma explicação.
— Não deve. Muito bem, o senhor possui alguma preferência de dia?
— Depois de hoje, o mais rápido possível.
— Perfeito. Boa decisão, Senhor. — A voz do outro lado desligou, após terminar de falar.
“Se quer culpar alguém, culpe a si mesmo, garoto”.
Ao sair do escritório, Li foi até o depósito da arena. Entrando pela porta, passou pelos objetos e equipamentos que eram utilizados tanto para treinamento quanto para outros afazeres. No fundo do comodo, uma cama velha e uma escrivaninha.
Jihan não demorou muito para escolher sair de casa, mas sempre guardou com carinho esse lugar, esse pequeno canto onde ele viveu a maior parte da sua vida. Ele deitou-se e passou a encarar o teto, sem saber o que fazer.
Desde a noite anterior, seus pensamentos estavam ficando cada vez mais claros. Sempre que ele pensava nas dores que sentiu no cassino, a sua mente parecia ficar mais límpida; como se soubesse as respostas para todas as suas dores… mesmo que não soubesse. Era mais uma sensação do que uma ideia… como ele deveria tirar alguma coisa disso?
“Talvez eu deva só desistir e viver da forma em que eu estou vivendo agora…”
TOC TOC
— Li, você está aí dentro?
“Jhin?” Imediatamente reconheceu a voz.
— Vai embora, não tô no clima de treinar agora. — disse Li. “E muito menos de ouvir reclamações de um velho que não sabe de nada”
Do lado de fora, Jhin riu.
— Eu não como e respiro treino, garoto, só quero saber como você está.
— Estou bem, pode ir embora agora!
— Vamos, Li… não seja assim, você não pode ouvir os desabafos desse velho saco de ossos uma vez ou outra?
Jihan respirou profundamente e se levantou para abrir a porta.
— Do que você precisa?
— Posso entrar? — perguntou, já entrando no quarto.
— Claro…?
— Fiquei sabendo que você perdeu tudo de novo.
— Escuta, se veio aqui me humilhar, pode ir embora, não preciso disso agora! — reclamou. O velho apenas sorriu.
— Quantos anos acha que me restam, garoto?
— Não sei, poucos? — Li brincou, ainda sem entender muito bem onde ele queria chegar.
— Então, acha mesmo que eu perderia meu tempo caçoando um pivete qualquer? Sou melhor que isso!
“Não sou digno nem de ser caçoado?”
— O que aconteceu?
Li ficou em silêncio.
— Que foi, não quer me contar?
— Você não acreditaria em mim.
— Pode tentar… — respondeu, sentando-se na cadeira da escrivaninha e apontando para ele se sentar na cama.
Jihan encarou-o por alguns segundos.
“Ele não vai reagir pior do que Tai Lung.” Pensou.
Detalhe a detalhe, ele resolveu contar o que tinha acontecido no cassino, estar ganhando, a dor que subitamente sentiu e sobre ter acordado em um hospital.
Jhin escutou atentamente, sem interrompê-lo ou mudar de expressão em momento algum.
— Então? — perguntou o velho.
— ‘Então’ o que?
— Já te vi perdendo antes — respondeu — Eu te conheço, você não ficaria desse jeito se fosse somente isso… então… o que aconteceu?
Novamente, Li ficou em silêncio.
— Não precisa se segurar, garoto.
— Eu… eu vi Seo-Yun…
— Hm… a garota? E como ela está?
Toda palavra parecia moer um pouco do espírito de Jihan.
— Ela está bem… melhor que eu.
— E como foi encontrá-la depois de tanto tempo?
— Di…fícil… Ela realmente me odeia…
Sua voz estava baixa, ríspida.
— Com razão…
— Ela parecia querer chorar… me perguntou se eu já tinha me olhado no espelho… eu realmente devo estar horrível.
— E você já se viu?
— Não… não tenho interesse algum em aprender qual é a sensação de olhar nos meus olhos.
Jhin respirou profundamente e, puxando um maço de cigarros de seu bolso, acendeu um e tragou.
— Sic Parvis Magna — disse o velho.
— Hm? — Li olhou para ele, sem entender.
— Eu costumava dormir nesse quarto, você sabia disso?
Olhando ao seu redor, negou com a cabeça. Ele nunca havia notado nada de diferente sobre o quarto.
— Bem… foi há realmente muito tempo.
Jihan o fitava com os olhos, ele parecia um pouco diferente.
— Estou aqui há mais tempo do que posso me lembrar — riu. — Apesar de que eu não tenho uma memória como a sua. — Jhin olhava ao redor de seu quarto, como se tentasse lembrar de alguma coisa de muito temo atrás.
— Você sabe que eu não sou bom com monólogos.
— Deveria…
Jhin ficou em silêncio por alguns segundos antes de continuar.
— Seu lugar não é aqui, garoto, sabia disso?
— O que quer dizer?
Os olhos do velho alinharam-se com os dele.
— Quero dizer que você tem um talento incrível, tudo que está te limitando é esse lugar… e você mesmo.
— Porque você não vai embora daqui então — indagou.
Jhin riu antes de responder.
— Moleque, já estou com um pé na cova, para onde mais eu iria? Eu não duraria um mês lá fora.
“Ele parece tão… triste.” Um reflexo de pensamento passou pela cabeça de Jihan.
— Mas você, garoto? Você tem uma vida inteira pela frente! Pode ir para qualquer lugar que quiser! Por que insiste em perder seus anos nessa espelunca?
Li abaixou a cabeça.
— Nunca pensei nisso… estou aqui há tanto tempo que ir embora me parece… errado?
— Bem… Quando você não é alimentado de amor em uma colher… você aprende a lambê-lo em facas.
— Eu sinto que devo a esse lugar…
— Li. — Jhin esticou as mãos e segurou seus ombros. — Você não deve nada… ou pelo menos não por muito tempo.
— O que quer dizer?
— Apesar de estar velho, meus ouvidos ainda ouvem bem. Tai Lung quer que você perca a luta hoje, eu tomei uma medida quanto a isso.
— Jhin!? O que você fez?
Se levantando, ele respondeu:
— Relaxa, garoto, não fiz nada que vai te pôr em perigo… só fiz uma aposta, você não gosta desse tipo de coisa?
— Uma aposta? Em quê?
— No seu futuro… eu tinha uma grana salva, estava juntando nas últimas décadas para sair desse lugar. Então, agora a pouco, apostei tudo em você na luta de hoje.
— O quê!? Por que você fez isso? Sabia que eu entregaria a luta de hoje e mesmo assim fez isso? Perdeu a cabe…
— É sua decisão! — Jhin o cortou, seus olhos, agora sérios, encaravam a alma do menino. — É sua decisão, Li. Ou você ganha e dá o fora daqui, ou perde de propósito e fica aqui para sempre… a escolha é e sempre foi sua.
— E… se eu perder?
— Eu realmente espero que não perca, garoto.
— Você tem ideia do que ele pode fazer com você se descobrir?
Jhin, caminhando em direção à porta, deu uma risada leve.
— Bem, no máximo vou viver um pouco menos do que deveria… que mal isso faria para um velho como eu? — respondeu, passando pela porta.
Antes de fechar, se virou.
— Sic Parvis Magna, Li. Grandeza vem de pequenos começos.
E fechou-a, deixando-o encarando o nada.