Sirius - Capítulo 37
Capítulo 37: Morior Invictus
— É interessante, não é? Eu também fiquei boquiaberto quando vi pela primeira vez.
Virando-se na direção da voz, os olhos de Li encontraram uma pessoa cuja áurea exalava confiança. Pele escura, olhos cor de mel, barba e dreadlocks perfeitos esculpiam seu rosto de traços bem definidos. O homem estava vestido com uma camisa branca simples e uma calça de couro, porém…
“Ele é forte…” pensou Jihan. Simultaneamente, uma sensação esquisita passou pela sua mente, como se suas palavras fossem mais ‘digeríveis’.
— Bem que a senhorita me avisou que você é uma pessoa bem desconfiada — disse o homem, sentindo a forma que Jihan o encarou. Levantando ambas as mãos, ele continuou — Por favor, não atire, eu vim em paz!
Apesar de sentir a sinceridade em suas palavras, sua súbita ação causou mais surpresa a Li, do que a vista da cidade.
— Você…
— Sim, eu vim do mesm…
— É um idiota?
— …
— …
Um sorriso forçado apareceu em seu rosto, enquanto uma veia saltava em sua testa.
— Ela também me avisou que você não tem modos, mas não imaginei que seria TANTO!
— Desculpa, desculpa, era apenas uma brincadeira — levantando ambas as mãos, Li imediatamente se desculpou — Você ia dizer que veio do mesmo lugar que eu?
TSK
Estalando os lábios, ele prosseguiu: — Bem, não exatamente do mesmo lugar, apenas do mesmo mundo… eu acho?
— Mesmo mundo?
— Sim, somos ambos da terra, mas eu sou do Brasil, você parece ser de outro lugar.
— Brasil?
— Sim, não sei se você percebeu a facilidade com que a mana ‘traduz’ nossas palavras, mas é porque nossa língua se assemelha muito mais do que o idioma nativo daqui.
“Então era essa a causa do sentimento que tive antes” pensou.
— Comecemos de novo, então. — Se aproximando de Jihan, o homem estendeu a mão. — Meu nome é Matheus, fui designado para te ajudar, pelo menos nesse início, a se adaptar, muito prazer.
— Jihan, Li Jihan — Apertando sua mão, Li o cumprimentou de volta. — Obrigado por me instruir.
— Eu não tenho muita escolha — disse Matheus enquanto ria. — É dever do líder de grupo receber os novatos.
— Líder de grupo? Aliás, a senhorita a quem se referia antes é aquela mulher de cabelos vermelhos?
— Mulher de cabelos vermelhos… — o homem colocou a mão na testa em aflição. — Comecemos então por hierarquia, uma coisa que você precisa saber para sobreviver em qualquer facção.
— Sou todo ouvidos.
— Toda facção possui uma hierarquia, ela é, quase sempre, dividida em níveis, sendo eles respectivamente: Deus, Lorde, Vice-Lorde, Comandante, Tenente, Líder e Novato
Matheus parou por um segundo e, após um curto suspiro, continuou.
— Escuta, eu sei que você não está acostumado com divisões de poder, mas vou te dar uma dica. Nem todos são iguais a mim, respeite quem tem mais hierarquia que você, a maioria deles, especialmente em Arcadia, lutou muito para estar lá; e boa parte não leva brincadeiras muito bem.
Li engoliu a seco. De fato, o nível de ameaça que ele sentia vindo do homem já era considerável, considerando que havia outros 5 cargos acima do de Líder, as pessoas acima dele não eram alguém que Jihan pudesse arriscar irritar.
— Eu vou manter isso em mente.
— Certo, o próximo passo é te registrar na guilda. É perto daqui, me siga. — Imediatamente, o homem virou-se e saiu da sala, Li foi logo atrás.
— O que é uma guilda? — perguntou, curioso.
— Explicando de maneira simples, é uma organização da coroa. Digamos que quando diversos poderes se espalham por uma cidade, as coisas podem ficar um pouco bagunçadas.
Matheus sempre parecia falar de assuntos perigosos como se fossem um passeio no parque.
— Por isso, o Império de Erebus, junto as facções locais, estabeleceram um sistema comum. Está é a Guilda, uma instituição feita para ordenar todas as tarefas e missões além de manter as facções em xeque.
Enquanto caminhavam pela construção onde se encontravam, Li notou algumas pessoas pelos corredores. Apesar de encontrar somente humanos, resolveu não perguntar o motivo.
Dezenas de salas estendiam-se pelo lugar, a construção de pedra maciça lembrava muito os castelos aos quais Jihan havia ouvido falar quando era mais novo.
— Com o tempo a influência da Guilda cresceu e praticamente todos os territórios passaram a aderir o mesmo sistema, hoje em dia o registro é quase universal em todo o continente.
— Isso é… bom? — perguntou
— Bem, a não ser que você goste de guerras e disputas acontecendo diariamente no reino, foi uma ótima ideia.
Após andar por mais algum tempo, Li se deparou com um enorme arco de pedra, portas vermelhas enormes compunham o portão.
— Bom dia, Senhor.
Ao chegarem, dois guardas cumprimentaram Matheus, que acenou de volta, enquanto abriam os portões.
— Então, para que serve esse registro? — perguntou Jihan enquanto saiam.
As ruas da cidade estavam lotadas. Entre todas as pessoas, Li notou diversos homens e mulheres bem-vestidos, seja de roupas finas ou de armaduras extravagantes. Soldados patrulhavam as ruas e algumas poucas carruagens viajavam de um lugar para outro.
“O que é aquela coisa?” pensou. Nem sempre os animais que puxavam as carruagens pareciam ser cavalos normais, pelo contrário, estes eram minoria. Pelo menos, Jihan não se lembrava de ver cavalos com chifres, muito menos caudas flamejantes.
— Primeiro, para fazer um ‘check-up’, algo parecido com uma avaliação física, vão classificá-lo em um ranking dentro dos parâmetros da guilda e imprimir na sua pele uma ‘identificação’. — Estendendo o braço, o homem revelou uma tatuagem em seu antebraço. No desenho, 6 asas se conectavam em uma Katana.
— Morior Invictus, morte antes de derrota, os Arcadianos carregam esse simbolo, junto a esse lema, para nunca se esquecerem.
— Nunca se esquecerem?
A expressão de Matheus se tornou mais cínica por um instante.
— Nunca se esquecerem da vergonha da rendição… de qualquer forma — e logo voltou a expressão brincalhona de antes — chegamos.
Quando finalmente se deu conta, ambos estavam diante de uma enorme construção clássica. Pilastras cilíndricas de mármore preto alinhavam-se na entrada. A visão lembrou Jihan de uma imagem que ele havia visto uma duzia de anos atrás.
“Pártenon” pensou.
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Ao mesmo tempo, em que os homens chegavam a Guilda, em uma floresta, próxima a uma vila, nos arredores da capital de Erebus, um garoto que parecia ter por volta de 15 anos caminhava entre as árvores.
A mata era densa e escura, fora quando o sol estava no topo do céu, era praticamente impossível de se localizar. O clima mórbido, similar a um pântano, fazia com que a aura do lugar se assemelhasse um cemitério. Apesar de que nem sempre foi assim.
Nas últimas décadas, no entanto, a estrutura do lugar pareceu mudar por algum motivo desconhecido. Devido à localização isolada e o tempo gradual com que tais mudanças tomaram forma, nenhuma força se moveu para investigar seu interior.
Apesar disso, mesmo com os protestos de seus pais, o jovem Goven sempre explorou esses arredores desde criança, por este motivo, nunca teve problemas em saber onde estava indo.
— Pais estúpidos! Porque eles insistem tanto para que eu vá para a capital! — chutando outra pedra, o garoto continuou a reclamar para o ar — Eu não quero ser um cavaleiro!
Goven sempre preferiu a liberdade, seu sonho na realidade era ser um explorador. Seu objetivo era perambular o mundo e aprender sobre outros idiomas e culturas. O farfalhar das folhas secas sob seus pés ecoava levemente, contrastando com o silêncio da floresta.
— Porque está tão frio hoje… — Juntando os braços, se protegeu da brisa gélida.
O vento sussurrava entre os galhos, fazendo as folhas tremularem.
SNIFF SNIFF
— Pelo menos o perfume da madeira molhada está mais forte…
CRACK
Subitamente, o jovem escuta um galho se quebrando por perto e se vira na direção do barulho.
“Um animal?” pensou.
A curiosidade, como sempre, levou a melhor sobre o garoto, levando-o a se aproximar para investigar.
Passos lentos, com cuidado, para não assustar o animal. Milhares de raízes grossas percorriam o solo da floresta, conectando todas as suas árvores. Armadilhas naturais de pessoas descuidadas.
Esticando a mão, abriu lentamente o arbusto que cobria a direção de onde havia vindo o barulho.
III IIII
— Hm? Um coelh…
VUSH
— AH! — Saltando para trás, Goven gritou — QUE MERDA!?
Alguma coisa repentinamente arrastou o coelho pelas patas traseiras.
— Que droga foi essa? Era uma… mão?
O vento novamente soprou forte pelo ambiente. Seu paladar foi tomado por um sabor cítrico.
— Argh! — O jovem levou a mão ao nariz. — Que cheiro é esse…? Parece…
— GOVEN! — Uma voz feminina ecoou pela floresta.
— Mãe?
— GOVEN, ME AJUDA!
— MÃE!? — gritou, levantando-se imediatamente.
— VEM RÁPIDO, TEM ALGUMA COISA AQUI!
— Mãe! Eu tô indo! — disse, correndo em direção à voz.
— RÁPIDO!
“Por que você veio aqui?” pensou enquanto corria.
De longe, Goven avistou uma pessoa presa em uma das raízes das árvores.
— Mãe… é você?
O escuro dificultava enxergar, mesmo assim, a voz pedindo ajuda repetia-se. O garoto logo se aproximou para tentar ajudar.
— Ra… pI… Do — a mesma palavra foi repetida, mas, dessa vez, a voz era mais do que áspera, agoniante, como se um garfo estivesse arranhando um prato e palavras se formassem como resultado.
Um calafrio subiu pela espinha do menino.
— go… VEN… me… ajud… — A voz estridente se tornava pouco a pouco mais cavernosa, similar a um eco de uma caverna.
De repente, o ‘disco defeituoso’ parou de funcionar. Seu estomago embrulhou-se
A floresta, antes escura e densa, começou a lentamente clarear-se, não pela luz natural que vinha de cima, mas como se a própria madeira emitisse um brilho luminoso.
— Que porra é essa!? — conseguindo finalmente enxergar a “pessoa”, Goven percebeu que era apenas um amontoado de madeira em formato humanoide, entretanto, as raízes pareciam estar “vestindo” roupas humanas.
— Go… ven…
O garoto paralisou quando a voz passou a vir da direção de suas costas.
Um impulso de se virar fixou-se em sua cabeça, e, embora tentasse resistir, raízes do chão começaram a subir pelas suas mãos e pernas e, forçadamente, ainda que sem resistência, virá-lo, fazendo-o lentamente olhar na direção que vinha o som.
Uma lagrima solitária escorreu de um de seus olhos.
— M…ãe?