Sirius - Capítulo 46
Capítulo 46: Aventura
Após passarem pelo portão principal da cidade, o cenário que ficava além do muro, foi revelado. Li ainda não havia parado para pensar sobre como seria o lado de fora de Anpýrgio. As ruas limpas de pedra, iluminação adequada, arvores cuidadosamente pensadas o faziam pensar em uma cidade plenamente planejada e bem manejada.
No entanto, era realmente mesmerizante. O contorno, delineado por muralhas cinzas, era localizado em meio às planícies ondulantes e a vegetação rasteira. Os arredores eram mosaicos de campos verdejantes e florestas que se estendiam até onde a vista alcançava.
Paz e tranquilidade. Talvez essas fossem as melhores palavras para descrever a sensação que se tinha ao olhar a paisagem.
Trilhas bem traçadas serpenteavam por entre os campos. Era possível ver viajantes e comerciantes carregados de mercadorias indo e vindo pelas estradas. A vegetação esverdeada contrastava com os terrenos de cultivo amarelados.
Não era apenas a cidade que possuía vida, diversas casas e fazendas eram visíveis do lado de fora dos muros, enquanto passavam, fazendeiros e crianças acenavam para o grupo.
— Uohhh — Lisa, que estava à frente de Li, no mesmo cavalo, admirava a vista e acenava de volta. Jihan no início teve dificuldades em lidar com a direção, mas pegou o jeito rapidamente.
— É sua primeira vez saindo de Anpýrgio? — perguntou o homem.
A menina, percebendo ter se deixado levar pelo momento, encolheu-se um pouco envergonhada.
— Sim… eu nunca havia saído antes… — respondeu.
— Está tudo bem… — sorriu Li. — Também é a primeira vez que vejo esse cenário… é realmente fascinante.
— Sério? Você também nunca tinha passado os muros? É lindo, não é? — A garota voltou a observar a paisagem. — Depois que a Irm… digo, a senhorita Laura me levou, eu fiquei a maioria da minha vida na Igreja…
— Entendo… então, já te explicaram sobre a nossa missão?
— Não… — respondeu, balançando a cabeça. — Ela só me pediu para encontrar o Matheus e entregá-lo aquele papel, disse que me explicariam.
Li passo a passo explicou a situação, sobre a maldição e a recusa da guilda, que basicamente eles não tinham muita informação, mas a intenção era investigar o lugar e ver até onde eles conseguiam ajudar. A menina, apesar de nova, escutou atentamente.
— Mas, se for mesmo uma maldição, como vocês pretendiam lidar com ela sem poder divino…?
— Bem… nós daríamos um jeito…
— Hm… ainda bem que a senhorita me mandou… ela deve estar preocupada com tudo isso.
“Matheus, eu te proíbo, sabe muito bem!” Lembrando-se das palavras da mãe do líder da equipe, Jihan apenas concorda.
— De uma forma ou de outra, descobriremos mais quando chegarmos ao nosso destino…
— É uma viagem muito longa? — perguntou Lisa.
— Não muito, o líder disse que devemos chegar ao amanhecer…
Após algumas horas de viagem, o sol já estava a pino.
— Tem uma vila próximo daqui. Nós podemos dar uma pausa para deixar os cavalos descansarem enquanto comemos alguma coisa — disse Matheus.
— Essa época do ano é realmente quente… espero que tenham bebidas geladas — comentou Fynn.
Mudando levemente a rota, o grupo chegou a uma pequena vila. Na entrada, um dos guardas os parou para identificação, uma medida comum de segurança. Mas, ao ver o símbolo de Arcadia, ele rapidamente os liberou.
— Com licença, Senhor Guarda… — Levantando a mão, Lisa se adiantou na pergunta. — Tem algum lugar que possamos guardar os cavalos e por acaso o senhor teria alguma recomendação de refeição…?
O guarda, pego de surpresa pela autora da pergunta, respondeu desajeitadamente.
— Tem um pequeno estabulo perto do centro da vila e sobre alimentação… — pensou um instante — Ah! Vocês provavelmente vão gostar do nosso Guisado de Pato, é bem famoso na região!
— Certo! Obrigada, Senhor Guarda!
— Haha, não tem de que, senhorita.
— Me desculpe pelo inconveniente… — disse Li.
— Não se preocupem, você tem uma irmã bem-educada! — comentou o guarda. — É bom que ainda existam aventureiros assim, aproveitem a estadia.
“Irma?” Pensou Jihan.
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Entrando na vila, o grupo seguiu diretamente ao centro para deixarem os cavalos. Era um lugar pequeno, então, mesmo a pé, para qualquer ponto que fossem não demoraria muito tempo.
Diferente da cidade, a vila era simples, estradas de terra e casas de madeira. O muro que cercava o lugar não era muito alto, devendo ter menos de 3 metros.
— Eu acho que vi um lugar onde podemos almoçar, vamos — disse Glória.
Chegando ao restaurante, talvez devido ao horário, estava relativamente cheio, mas provavelmente por ser um lugar pacato, a maioria das pessoas parecia ser moradores dali mesmo.
Sentando-se a uma das mesas, um rapaz rapidamente veio atendê-los. Enquanto Li e Fynn conversavam, Lisa ouvia curiosa e olhava seus arredores, gravando cada detalhe que considerava uma “novidade”. Hans abriu um livro e começou a ler, sobrando Matheus e Glória para realizarem o pedido.
— Como posso ajudar vocês? — perguntou o garçom.
Paralelamente, enquanto faziam o pedido, Jihan discutia com o homem que entrelaçava um de seus dedos no seu cabelo cacheado.
— É muito estranho, eu achei que fora da cidade seria um pouco mais… selvagem? — comentou Li. — Mas até o momento nem mesmo um animal perigoso…
— É normal ter essa impressão, mas ao longo das gerações, os lugares próximos a capital foram bem desenvolvidos — disse Fynn. — Ao longo do tempo, com o crescimento do número de aventureiros e a expansão da guilda, os arredores de Anpýrgio ficaram cada vez mais seguros… eu acho.
— Hm… é realmente incrível, não?
— Para um cidadão comum essa é provavelmente a conclusão que você chegaria… mas não é inteiramente verdade…
— Como assim?
— Bem, não é que não ocorrem incidentes — respondeu. — A segurança virou uma espécie de ‘imagem’ que as Facções e a Guilda tentam passar… por isso os casos que acontecem próximos à cidade, são mascarados ou escondidos, eles nunca de fato chegam ao público geral.
Jihan e Lisa que estava ouvindo de canto se surpreenderam, ambos não tinham muito conhecimento da estrutura burocrática de Erebus, um por ter vindo a este mundo recentemente, a outra por não ter tido experiencias desse tipo ao longo de sua vida.
— O problema de fato é que a realidade nos arredores do reino, especialmente nas fronteiras e regiões mais pobres, é bem diferente do centro… não que tenhamos muito o que fazer sobre, não temos contingente humano para proteger todo um território… — complementou Fynn.
Depois de algum tempo, o moço que havia os atendido voltou habilmente carregando 6 tigelas de Guisado em seus braços. Colocando-os a mesa, o homem parou um segundo, como se estivesse ansioso.
— Precisa de alguma coisa? — perguntou o líder.
O jovem que parecia ter quase a mesma idade de Li segurou-se por um segundo, mas não conseguiu deixar de falar.
— Er… me desculpem por ouvir a conversa de vocês, mas eu ouvi que vocês são aventureiros… por acaso vocês estão aqui para investigar o cadáver desconhecido que apareceu recentemente?
Ouvindo a pergunta, o grupo trocou olhares entre eles.
— Cadáver? — perguntou Glória.
— Ah… me desculpem por interromper a refeição de vocês…
Antes que o garçom pudesse se virar, Matheus agarrou o braço dele.
— Espere! — Colocando uma moeda de prata a mesa, ele perguntou: — poderia nos falar um pouco mais sobre isso?
GULP
O homem engoliu a seco.
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— Então você está nos dizendo que ninguém o conhece? — Questionou Glória.
— Si…Sim, ele chegou a alguns dias, um homem velho que parecia bastante acabado… parecia que estava sofrendo de alguma doença… mas sem sintomas visíveis…
Matheus e Li se olharam.
— Até aquele momento, parecia que era só a condição normal dele, mas ontem ele apareceu morto, o médico da vila disse que foi de causas naturais, mas é realmente muito estranho… enfim, isso é tudo que sei… tenho que voltar ao trabalho…
— Tudo bem, pode ir agora… — disse Matheus.
— O que vocês acham? — virando-se para o resto do grupo, perguntou.
— Ele pode ter vindo de outro lugar, mas não temos como tirar muitas conclusões disso — concluiu Glória — Talvez se pudéssemos dar uma olhada no corpo, mas o homem disse que eles já enterraram o cadáver.
— De qualquer forma, é uma pista… se mais pessoas estão sendo afetadas, isso quer dizer que mais pessoas estão sumindo — comentou Li. — Talvez devêssemos nos apressar?
— Eu concordo — declarou Hans.
— Não acho que devemos nos precipitar… — retrucou Glória.
— Também penso assim, não sabemos com o que estamos lidando, ter pressa pode ser perigoso… líder?
— Eu estou de acordo… com ambas as opiniões — respondeu Matheus, parecendo um pouco aflito. — Mas temos que agir com cautela. Nos movermos a noite é perigoso, então após descansarmos aqui, vamos seguir viagem.
O grupo concordou e assim fizeram. Após comerem e repousarem por uma hora, rapidamente seguiram o caminho. Passando pelo portão principal, o guarda que havia os recebido antes não se incomodou em interrompê-los; apenas os desejando que tivessem uma boa viagem.
Com o sol se pondo e sem outra vila por perto para alojarem-se, os seis não tiveram outra escolha a não ser acampar. Alternando-se em quem cozinhava, Fynn fez o jantar, uma sopa simples com carne seca e legumes.
A noite na floresta era calma, o único barulho fora o dos estalos da fogueira eram o de besouros chiando na mata.
Enquanto Lisa assistia o homem cozinhar, Li se aproximou de Matheus que estava num canto esculpindo um pedaço de madeira. Desde o dia anterior, Jihan estava sentindo que toda a situação podia estar mexendo um pouco com a cabeça do líder da equipe, como se ele estivesse baqueado.
— Como está se sentindo?
— Estou bem, por que a pergunta?
— Só curiosidade mesmo… eu não acho que tenha tem contado, mas eu conversei com a Glória ontem pela manhã.
— Sobre?
— Ela me disse que eu estava escondendo alguma coisa que não queria falar sobre…
— É mesmo? E esta?
Matheus usava o tom de sempre, sua voz já era naturalmente grave e ele sempre conversava calmamente.
— Er… talvez? Mas ela também me disse que tudo bem não falar agora, que mesmo que sejam coisas ruins é sempre bom compartilhar… que estamos todos juntos nessa.
— Hmpf… ela é esse tipo de pessoa mesmo.
— Sabe de uma coisa?
— Hm?
Li sorri e olha para o céu.
— Eu realmente fico muito feliz de ter escolhido esse grupo.
Matheus olha para ele.
— Então… quando se sentir pronto… eu gostaria de ouvir um pouco do que se passa na sua cabeça.
E também esboça um pequeno sorriso.
— Certo… vou me lembrar disso.
— Hehe, agora vamos comer!
— Pode ir indo, eu já vou…
Se levantando, Li se juntou aos outros 3 do grupo. Olhando para sua mão, o pedaço de madeira que o homem estava esculpindo já havia se transformado em outro objeto. Uma adaga com punhal em formato de cruz egípcia.
Matheus aproximou a cruz de seu rosto e suspirou, mordendo levemente o lábio.
“Eu sinto sua falta, velho…”