Sirius - Capítulo 55
Capítulo 55: Mnemósine (5)
Virando-se para acordar Lisa, Jihan viu que ela não só estava acordada, como já havia levantado e estava com o rosto completamente vermelho, olhando para ele. Quando seus olhos se encontraram, ela saiu andando.
— O que aconteceu? — perguntou Glória. — O que foi que você fez?
— Nada! Eu não fiz nada!
— Tanto faz, só resolva isso logo, vou dormir.
Empurrando o homem para longe, ela se deitou. Jihan saiu da tenda e foi atrás da sacerdotisa.
— Lisa, espera. — Gritou Li, indo atrás da menina. Após mais alguns passos, ela parou.
— Me desculpa, Sr. Li! — Suplicou a menina. — Eu já havia proibido ela de fazer esse tipo de coisa! Luna também pede desculpas e promete que nunca mais vai fazer isso…
— Proibido?
— Por favor, não conte para os outros, por favor, por favor!
— Ei, ei, calma… respira e me deixe falar um momento…
Lisa, com muito esforço, se segurou. Seus olhos marejados e seu rosto ainda vermelho.
— Primeiro, me explica exatamente o que foi aquilo…
— Bem… depois de tanto tempo seguindo junto de você, ela não foi capaz de se segurar… — disse Lisa. — Luna me falou que a mente dos outros para ela é como se fosse uma gororoba, um amontoado de coisas que ela tem que separar com cuidado para não ter indigestão, porém, a sua é como um buffet completo, uma vitrine extremamente organizada, ela me disse que nunca encontrou ninguém como você…
Jihan levou a mão ao rosto, esfregando a testa.
— Ela já me disse algo do gênero, mas não perguntei isso. Quero saber por que tem um demônio dentro de você.
Lisa agarrou sua túnica e abaixou a cabeça.
— Eu também não sei… ela está comigo desde que eu nasci… mas, ela não é uma pessoa ruim! Digo, demônio, digo Súcubos! — gaguejou a garota. — Luna pode ser estourada às vezes, mas nunca fez mal a mim ou a outras pessoas!
— Quem você está chamando de estourada! E outra, onde foi que me desculpei de algo, você viu o que ele fez comigo? Eu fui a vítima da situação, não consigo imaginar o que ele teria feito comigo se…
Outra voz saiu da mesma garganta de Lisa, ela tapou rapidamente a própria boca. Li, percebendo o que havia acabado de acontecer, apenas suspirou fortemente.
— Então, ela pode fazer isso também…
— Ela consegue… afinal, dividimos o mesmo corpo, mas ela nunca machucou ninguém, prometo!
— Como vou saber se é você ou ela falando?
A pergunta de Li, apesar de ter sido simples, pareceu machucar um pouco a menina. Apesar de para ele ser uma primeira vez, talvez ela já tenha escutado isso de outras pessoas.
— Enfim, quem mais sabe?
— Só a senhora Mérida… e agora você.
— Entendi… bem, já temos problemas demais para lidar, além disso, duvido bastante que Mérida te mandaria vir conosco se ela achasse que você apresentaria algum perigo, certo? — concluiu Jihan. — Pelo menos por agora, vamos manter isso entre nós, okay?
— Sério mesmo?
Os olhos grandes e azuis da menina brilharam quando ela ouviu as palavras de Jihan. Isso, somado as bochechas rosadas, relembrou Li de algo que ele ignorava de tempos em tempos, que ela era apenas uma criança.
— Sim — confirmou, adulando o cabelo da menina. — Vai ser o nosso segredo, tudo bem? Agora vamos voltar para nossas posições, o sol não deve demorar a nascer.
— Obrigada, Li! — Lisa pulou no homem e lhe deu um forte abraço, logo depois correu e se posicionou onde deveria estar para fazer a guarda.
“Agora tudo que resta é esperar…”
Ao raiar da primeira luz do dia, todo o time já estava de pé, pronto para adentrar a floresta. A fuinha, Ingá, já se enrolava dentro da camisa de Hans, pronta para guiá-los. Em seu ombro estava uma ave, uma de suas invocações.
A nevoa da madrugada não havia se dissipado, a grama-rasteira que se limitava até a primeira raiz do exército de árvores estava molhada pelo sereno da manhã. Ainda estava cedo demais para os pássaros começarem a cantar, mas tarde o suficiente para que os corvos que pousavam no topo das árvores já os observassem de longe.
— Todos vocês, não preciso instruí-los novamente — disse Glória. — São 12 horas até o anoitecer, já temos uma ideia, mas não sabemos exatamente o que iremos enfrentar. Existe apenas um objetivo, resgatar os dois e sair o mais rápido possível!
— Sim, líder!
Glória suspirou fundo.
“Isso realmente não combina comigo… é melhor você voltar logo, Matheus”
Virando-se para o homem loiro, ela acenou com a cabeça. Como resposta, ele soltou a ave que voou para longe.
— O animal carrega uma mensagem atualizada sobre a situação diretamente para a guilda, vamos!
Antes que entrassem, Hans entrelaçou os dedos das suas mãos em trajetórias perpendiculares. No espaço criado entre suas palmas, um círculo se abriu, liberando quatro borboletas vermelhas, que voaram para perto de cada um dos integrantes do grupo e pousaram em seus ombros. Assim que encostaram, os animais começaram a brilhar fortemente e logo voaram novamente, circulando aquele que haviam tocado.
— Essas borboletas absorvem um pouco da mana de quem elas tocam e liberam na forma de luz — explicou Hans. — Geralmente, um bando grande delas é o suficiente para causar dano letal, mas uma só apenas serve como uma boa lâmpada.
— Obrigada, Hans — agradeceu a mulher. — Vamos indo.
Adentrando a floresta, a luz exterior quase que desapareceu. A iluminação apenas aumentaria três vezes durante o dia, quando o sol nascesse completamente, quando estivesse a pino, e quando estivesse se pondo, no horizonte, rente as árvores. A única luz presente no momento, eram das borboletas que o espiritualista havia invocado.
Como se estivesse na busca dos nutrientes que lhes faltavam, as grandes raízes percorriam o solo, quebrando-o e se expondo. Ao longo do trajeto, era difícil ver algum caminho. As plantas tomavam mais espaço que a própria terra, algumas largas o suficiente para servirem como apoio dos pés, outras finas e fortes, como cordas naturais esperando para agarrar um tolo desajeitado que corresse por ali.
A única coisa, em maior número do que as raízes, eram as folhas. Quase intocadas pelo sol, sua decomposição mais lenta até mesmo do que o crescimento das árvores. Acumulando-se no solo dia após dia, já haviam se tornado montes. Únicos eram aqueles que sabiam o que se encontrava abaixo daquela terra.
A mata era densa e escura. Quando tudo parece o mesmo, e nem mesmo os céus estão à vista, torna-se cada vez mais difícil de se localizar tanto em tempo como em espaço. O clima mórbido, úmido, abafado e fétido era digno de um cemitério feito em cima de um pântano.
Por todos esses motivos, a expedição era lenta. Guiados pelo mamífero invocado, o farfalhar das folhas pisadas eram ouvidas a cada um dos trêmulos e tensos passos que os quatro davam em direção ao centro da floresta.
— É completamente diferente do que eu li sobre… — comentou Lisa.
— Você conhece esse lugar? — perguntou Li, que estava próximo.
— Não exatamente… mas ouvi histórias sobre essa floresta… — respondeu. — Seu nome é Mnemósine, derivado de outra palavra de um idioma antigo. ‘Mnimúsoni’ significa “Memoria”. Esse lugar costumava ser um espaço reconfortante de boas lembranças, dizem que as pessoas conseguiam escutar sussurros do passado, risadas e vozes dos entes queridos que já se foram.
— Se eu escutasse esse tipo de coisa aqui, não acharia nada reconfortante…
— Com Mnemósine da maneira em que está agora, eu definitivamente concordo com você… mas, o que será que pode ter acontecido para ela ficar desse jeito…
— Não sei vocês, mas eu tenho uma teoria… — disse Hans, apontando para cima.
Olhos vermelhos brilhavam no ambiente quase sem luz, voando, rodopiando e perambulando, mas nunca piscando. A vigília dos corvos era impecável, como se gritassem ‘estamos aqui, não titubeiem’.
— Eles estão nos observando.
— Sim, desde que entramos.
— Não faz diferença, já sabíamos que o monstro estava tentando nos atrair para cá — lembrou Glória. — Está só tentando nos cozinhar. Ignorem, nossa única opção sempre foi seguir em frente.
— De qualquer forma, é a primeira vez que vejo uma floresta sem outros animais…
— Eles provavelmente ou fugiram, ou foram mortos e utilizados como fonte de alimento, mesmo que não tenham quase nada de mana, a maldição teria que começar de algum lugar…
O grupo caminhou por um bom tempo dentro da floresta.
KIKIKIKIKI
Ingá começou a chiar de dentro da camisa de Hans.
— Estamos perto, ela consegue sentir o cheiro dos dois…
— Ah!
Os três se viraram para a menina que quase havia caído num tropeço.
— Tudo bem? — Perguntou Li.
— Sim… acho que bati em alguma coisa.
— Uma raiz?
— Não… algo mais duro…
No momento que Lisa passou a mão para retirar as folhas de cima do que havia esbarrado, um barulho de algo grande se mexendo por perto ecoou.
— Vocês todos, em posição!
Os quatro rapidamente se juntaram, Lisa e Hans no meio, Glória e Li em polos opostos.
— O que está acontecendo…?
— As árvores… estão se movendo?