Sirius - Capítulo 61
Capítulo 61: Memórias (5)
O portão branco era feito da madeira mais pura e clara que a elfa já viu, o vislumbrar da entrada a lembrou dos cabelos brancos de seu pai, que eram quase como se a lua tivesse os pintados a sua imagem. Os soldados que a cercavam de ambos os lados estavam trajados de armaduras reluzentes, um misto de dourado e verde decoravam seus equipamentos, a luz do salão iluminado refletia fortemente no metal e os fazia parecer um exército divino.
A mulher não levantava o olhar, mantendo sua cabeça baixa, mas sua curiosidade levou a melhor. Ao levantar os seus olhos, até mesmo ela ficou boquiaberta e sem palavras. Um gigantesco espiral de madeira subia aos céus, uma cidade inteira se erguia acima, conectada por centenas de galhos espessos, a base da cidade eram estatuas enormes de elfos com coroas esculpidas na própria árvore, suas mãos estendidas para cima, como se abençoassem a população.
— Então isso é Yggdrasil…? — sussurrou a elfa.
— Acelere o passo, nossa senhora está esperando — disse um dos guardas que a escoltava.
Saindo de seu transe, ela confirmou com a cabeça e os seguiu. Após uma dúzia de minutos andando, finalmente alcançaram um palanque redondo, a partir daí, apenas dois soldados que pareciam um pouco mais radiantes a acompanharam. Assim que os três pisaram no círculo, ele se levantou do chão, levando-os cada vez mais alto.
Surpresa, ela desequilibrou-se, a dupla de guardas a olharam com um pouco de desdém, como se não gostassem de sua presença, mas logo se recompuseram. Assim que recuperou a postura, a elfa vislumbrou a cidade passando rapidamente, centenas de milhares de seres percorriam as pontes e estradas dentro da árvore. Em sua maioria eram elfos, mas alguns outros não fugiram de sua visão, entre eles animais humanoides com orelhas felpudas e anões vendendo suas mercadorias.
Apesar de ter passado a maioria da sua vida vagando e na floresta, ela já esteve em um bom número de cidades, mas nenhuma se igualava a que via naquele momento, era como ver outro mundo. Após alguns minutos subindo, o palanque finalmente chegou ao topo, encaixando-se exatamente num círculo, que estava aberto no teto.
— Comporte-se — disse um dos homens, logo antes deles adentrarem.
VUSHHHH
O vento soprou fortemente, e o brilho era ainda maior naquele lugar. A elfa demorou alguns segundos para se adaptar ao ambiente, e quando finalmente o fez, percebeu onde estava. O sol iluminava o céu azul limpo de nuvens e atravessava a folhagem verde como se tivesse acabado de brotar.
A sua frente o chão se estendia por dezenas de metros e, no fim, um altar e um trono feito do mesmo material que compunha os portões, virado para a imensidão que a vista daquele lugar proporcionava. Ao seu lado, ambos os soldados já estavam ajoelhados.
— Podem se retirar — uma voz ecoou na cabeça da Elfa.
— Sim — ambos os soldados responderam em uníssono sem questionar.
Quando a mulher que estava sendo escoltada olhou para trás, ambos os homens que estavam a acompanhando já estavam longe e preparavam-se para descer pelo mesmo palanque que havia os trazido. Piscando duas vezes, ela percebeu estar mais próxima do trono.
“Quando foi que cheguei aqui” pensou.
— Não fique tão surpresa. — Novamente as palavras sussurraram em seu ouvido, mas não pareciam vir de lugar algum, no entanto, ela supunha que estavam vindo do trono.
“Apesar de que ela parece estar do meu lado…” pensou
— Sim, eu controlo tudo que você vê, inclusive o som que o vento transporta, a luz que a madeira reflete e a água que percorre essas paredes. Ao mesmo tempo, em que estou aqui, estou em todo lugar.
— Está lendo meus pensamentos? — perguntou a elfa.
— De forma alguma — riu. — Todos se sentem assim na primeira vez. Então, qual é o seu nome?
— Achei que saberia meu nome… — debochou levemente.
— Hahaha! De fato, mas, ainda sim, prefiro que diga!
Apesar de se sentir estranha se apresentando para alguém que já a conhecia, ela ainda o fez.
— Akemi… Akemi Belvel.
CRACK
Em algum lugar de sua cabeça, ela ouviu vidro quebrar.
— Akemi… é um lindo nome no nosso idioma significa linda luz ou bela aurora… — disse a voz.
— E a senhora?
— Hm?
— O seu nome…
— Imagino que saiba exatamente com quem está falando…
— Sim… mas ainda sim prefiro que diga…
— Hahaha… muito bem, eu sou Calen Zoe, A Senhora de Yggdrasil.
— Vida verde?
— Sim… mas também pode significar Vento Violento… — complementou — É familiar com o idioma dos elfos?
— Um pouco…
— O que achou do que viu até aqui?
— É incrível, já havia imaginado como seria esse lugar, mas nunca me passou pela cabeça que seria tão lindo. — respondeu Akemi. — As estatuas na entrada pareciam segurar todo um mundo.
— São os senhores de Yggdrasil de eras passadas, eles de fato seguram um mundo todo, estão na base da árvore, pois sobre seus ombros que apoiamos no presente. Você já havia ouvido falar dessa cidade?
— Meu pai me contava histórias sobre esse lugar… — Sua mente parecia relaxar a cada palavra que ouvia.
— Que tipo de histórias?
— Sobre a árvore, seus habitantes e seus senhores.
— E?
— Ele parecia… — Akemi piscou seus olhos, várias vezes, incomodando-se com a própria mente.
— Ele parecia?
— Por que estou te contando isso? — E como se o tempo parasse por um segundo e voltasse a correr, o clima do ar mudou.
— Você está certa… não tem por que falar sobre isso agora… pode ir.
— Ir?
— Sim, só de um passo para trás, a árvore ira te levar ao seu instrutor.
Akemi obedeceu e recuou um pouco.
VUSHH
E o chão abaixo de si logo a levou para longe. Alguns segundos depois a mulher conversava para o ar ainda sentada ao trono.
— Vocês a acordaram, por quê? — perguntou olhando para o vento. — Não sou eu a senhora de vocês?
— Nos te amamos, Zoe… por isso não devemos deixar ser dessa forma… — E o vento sussurrou de volta.
Ainda em cima do círculo que descia rapidamente, Akemi se segurava nos galhos que haviam se formado para lhe dar apoio. A Meio Elfa sentia vida naquele lugar, mais do que nas pessoas e no resto do mundo, a árvore em si possuía vitalidade sem igual.
Em certo ponto do trajeto, subitamente, o círculo que somente descia, tomou uma curva para outro rumo, virando-se contra um galho gigante e espesso coberto de plantas, que mais se parecia com uma parede.
— Ei! Ei, pare! — Akemi batia no apoio que voava reto em direção à colisão, tentando sem sucesso fazer com que mudasse de rota. — AHHHHhhhh…ah?
Mas ao invés de colidir, ela simplesmente atravessou as plantas e aterrissou num corredor pouco iluminado. O círculo de madeira logo a derrubou no chão.
— Ai! Não precisava disso. — Reclamou para o objeto inanimado que rapidamente a deixou.
Olhando para o corredor, Akemi percebeu que não tinha muita escolha a não ser seguir, e assim o fez. Após alguns minutos andando, ela começou a ouvir um barulho familiar.
— Água?
Acelerando o passo, chegou ao fim da escuridão e o que viu a deixou sem palavras. Uma grande cachoeira desaguava num lago.
“Quem imaginaria que um lugar desse estaria dentro numa árvore”
Na margem da água uma pequena choupana estava erguida.
“Alguém mora aqui?”
— Quem é você? — Uma voz feminina forte soou atrás de Akemi, que saltou com o susto.
Uma mulher estava de pé atrás dela. Seus ombros, braços e pernas eram grandes, combinando perfeitamente com sua altura. Apesar do rosto delicado e pele suave, seus quase 1,90 a faziam parecer uma gigante perto da Meio Elfa. Cabelos loiros amarrados e olhos verdes cristalinos. Seus seios estavam amarrados com uma faixa branca e fora isso apenas uma saia cobria até os seus joelhos.
— E…eu? — A elfa, forte e deslumbrante, intimidou um pouco a mulher que se embolou nas próprias palavras.
— Sim, você, como chegou aqu… — Interrompendo a si mesma, virou-se para o ar e respondeu algo que Akemi não ouviu. — De jeito nenhum! Está criança? Estou aposentada! A P O S E N T A D A!
“Aposentada?” pensou.
— Não pode me obrigar! Quê? Você não faria isso! Mirien, reduzida a instrutora de novatos?
A discussão com o vento continuava, até que a elfa cedeu a insistência.
— Está bem! Mas será do meu jeito!
O “vento” pareceu não se opor a condição, pois a mulher virou-se para Akemi novamente.
— Você aí, comece tirando um pouco dessa roupa!
— An?
— Rápido!