Spes Homini - Capítulo 19
— Senhor, os jornalistas estão lá fora. Talvez seja melhor não deixá-los à espera.
O chefe da Spes Homini deitado sobre os seus apontamentos abriu os olhos lentamente, olhando ao redor em seguida, a noite há muito que parecia ter-se dissipado e os primeiros raios solares iluminavam os prédios da cidade.
Meio adormecido levantou-se, as pernas pareciam esparguete acabado de sair da água quente. A brisa leve da manhã refrescava-lhe o corpo quente, talvez o cansaço estivesse mais forte do que nos dias anteriores.
— Certo, eu irei.
O homem alto diante dele voltou as costas, o seu cabelo preto repetiu o movimento junto dos ventos que povoavam a sala. Sem temer, aquele corpo destemido de segurança aproximou-se da porta, abrindo-a num único movimento. Revelando em seguida o motivo da visita: — Para sua segurança eu vou acompanhar o senhor.
Cambaleando ele foi de encontro ao espelho, o reflexo mostrava um homem que parecia andar de mãos dadas com a morte. Realmente as noites sem dormir estavam a tornar esse um destino possível. Cansado de ver a sua imagem deplorável ajeitou as roupas que usava desde o dia anterior.
— Ainda com as roupas de ontem chefe?
Colocando as últimas coisas no lugar, o homem sentiu um pesado tiro de sono atingir o seu corpo. Temendo adormecer ali agarrou a conversa que o seu segurança parecia querer iniciar e retornou-lhe uma resposta: — O trabalho é tanto que nem tive tempo para tomar um banho, cada vez aparecem mais coisas para eu fazer.
— Talvez o senhor ter comprado uma cidade ao governo americano não tenha sido a melhor coisa a fazer. Eu sempre me perguntei o porquê de fazer algo tão estranho…
O homem encarando o espelho voltou levemente o seu rosto para o rapaz que o esperava na porta, levantando a sobrancelha em tom de curiosidade.
— É realmente uma boa pergunta, mas eu não sei, talvez tenha sido por tédio — terminou com uma leve gargalhada que deixou um gosto de dúvida no homem que o aguardava.
Terminados os preparativos, o chefe mexeu as suas cansadas pernas até à porta, juntando-se ao segurança. A dupla, no extremo do corredor, apressou-se para chegar ao elevador rápido.
Quanto mais perto mais longe, era isso que pensava Paul, o seu cérebro cansado parecia estar ainda num mundo de sonhos que distorciam o espaço que estava diante dos seus olhos. Ele perguntava-se se de noite tinha consumido algo fora do normal.
O segurança virou levemente o braço, focando a sua atenção no relógio. Os seus olhos arregalaram-se faltavam cinco minutos, nunca que eles iam chegar a tempo. Naquele momento os poucos segundos que os separavam da entrevista eram os seus inimigos mais perigosos.
Desesperado correu até ao painel do elevador, com sorte ele poderia chegar assim que o chefe volta-se à realidade. Mas era impossível, nunca que aquela máquina chegaria a tempo, um prédio daquele tamanho tinha problemas como esse.
Ao mesmo tempo, Paul ainda consumido pelo sono, caminhava lentamente para não ser derrubado pelo cansaço. Foi então que no meio das plantas que cobriam toda a lateral do corredor reparou em algo incomum, à sua frente uma máquina de café. Aquilo era como um presente de Deus, a sua salvação.
Sem pensar duas vezes, colocou um dólar e esperou os engenhos que ela possuía lhe entregassem um maravilhoso café.
— Nem sabia que tinha mandado colocar uma dessas aqui.
Atrapalhado com a rápida passagem de tempo, o segurança interpretou como sendo para ele aquela fala, como se fosse uma repreensão do seu superior, respondendo em seguida: — Estás longe, não consigo ouvir.
— Eu não disse nada!!!! — respondeu o chefe impaciente com a chegada do café.
O cronômetro no painel da máquina chegou ao zero finalmente e pela pequena porta saiu a bebida, com a mão não hesitou com agarrá-la. Estava quente como nos seus sonhos, era o primeiro que ele bebia em horas de trabalho, era o suficiente para curar todo o sono que sentia? Provavelmente não, contudo já era uma grande ajuda.
” Vai ser uma delícia. ” — pensou Paul quase deixando a saliva escorrer pelo canto da boca.
Os fracos copos de papel davam um sabor diferente dos de vidro, isso fazia-o odiá-los com todas as forças, porém naquele momento era o que havia como ajuda ao seu problema então nem reparou nesse incomodou. Sem repensar na sua decisão aproximou os lábios na borda e lentamente inclinou-o um pouco, dando o primeiro gole.
— Não acredito, esqueci-me do açúcar… — sussurrou ele de cabeça baixa, o seu tão aguardado sonho tinha sido corrompido por uma distração momentânea.
— Chefe o elevador chegou!!!! — gritou o homem junto ao painel.
— Certo, estou a ir.
Roubando um uma saqueta de açúcar da caixa ele correu para junto do elevador, as suas pernas pareciam ter esquecido que eram esparguete úmido, juntamente com o chão que perdeu a característica de escorregadio. À medida que se aproximava do elevador a realidade ia retornando. Finalmente repleto de lucidez adentrou as portas de metal junto do seu quente café.
Assim que se fecharam, ele prontamente abriu o pacote e inseriu-o dentro do líquido. Substituição uma colher pelo movimento circular que fazia com a mão.
— Estavas mesmo a precisar disso, nota-se pela tua cara de morto — revelou o segurança enquanto compunha da cara um leve sorriso.
— Só vamos terminar isso logo.
O silêncio abateu-se sobre o dois naquele momento. O segurança parecia segurar a sua boca para não soltar mais nenhuma frase, ao mesmo tempo o chefe num só gole bebia o restante do café quente antes que fica-se frio
Minutos se passaram assim que esse incômodo caiu sobre eles, tempo suficiente para o elevador finalmente chegar ao destino e abrir as portas, revelando o inferno que do lado de fora era formado por centenas de jornalistas que esperavam pelas primeiras palavras do chefe da cidade.
Assim que o viram correram em direção à caixa de metal. Todos queriam a melhor capa para a edição do dia seguinte. Não passava de uma mera competição de lucro. O segurança temendo o que aquela gente maluca por atenção pudesse fazer prontamente colocou-se no caminho.
— Por favor, deixem passar — gritava ele, afastando os homens incomodativos do caminho.
— Senhor, queremos saber o que pretende fazer em relação a tudo o que aconteceu? Que medidas pretende tomar?
— A MadTech vai mostrar finalmente as novas armas contra terroristas?
— Existe a possibilidade do presidente acabar com o seu jogo de ditador depois deste incidente?
— Aqui é da TechNews, o senhor acha que o presidente continuará a pedir ajuda às suas empresas depois do que aconteceu?
Todas aquelas perguntas perfuraram a mente do chefe da Spes Homini como flechas, uma por uma atingiam cada vez mais fundo a cabeça dele.
” Mas que merda de memórias são estas. Parece tudo tão igual hoje, seria uma coincidência. ” — pensava ele enquanto pequenos fragmentos de um passado desconhecido iam caindo na sua memória.
O segurança percebendo a sua cara de incômodo agarrou na mão suada dele e levou-o pela multidão até ao palco onde seria a conferência de imprensa.
Irritado com tudo aquilo a feição apática dele tornou-se numa raivosa mistura de emoções e as suas unhas cravadas no pequeno pedaço de madeira à sua frente rangiam conforme ele as mexia.
— Chefe aconteceu alguma coisa?
— Eu acho que pela segunda vez na vida eu não sei o que fazer…
Os olhares dos dois naquele momento cruzaram-se e outro silêncio abateu-se. O segurança confuso avançou alguns passos.
— Como assim?
— Nada, não ouviste nada.
Uma gargalhada súbita vinda do chefe momentos depois consumiu todo o lugar, naquele momento o real problema foi revelado como uma visão terrível na mente confusa de Paul.
” Pela primeira vez na minha vida eu sinto-me fora do controle, seja quem for que está a fazer tudo isto, eles são superiores a mim… ”
— Melhor o senhor acalmar-se, eles entraram a qualquer momento.
Voltando com a sua expressão habitual, o chefe agarrou o microfone e apenas deixou o segurança sem resposta. Poucas foram às vezes que o seu superior tinha sido tão confuso de entender como aquela. O que tudo aquilo tinha significado? Um homem daqueles era difícil de ser compreendido por uma pessoa normal.
Perdido nos seus pensamentos, o segurança nem deu pela abertura da cortina. Todos do outro lado estavam sentados nos seus lugares, com o telemóvel pronto para caso fosse necessário anotar algo.
Olhando no interior de cada um deles o chefe da Spes Homini aproximou o microfone da boca e começou a sua linda música de embalar pessoas: — Boa tarde a todos, eu compreendo que todos devem ter várias perguntas a fazer, contudo primeiro gostaria de dizer umas palavras — tomando um tempo para si deu um longo suspiro, seguido por um gole de água, continuando — Primeiramente quero pedir desculpas a todas as famílias afetadas, não fomos capazes de vós proteger, contudo todos serão compensados monetariamente devidamente. Por outro lado, eu já estive em reunião com o presidente dos Estados Unidos da América e temos um novo plano nacional para a proteção contra as ameaças que desde a criação da nanotecnologia têm aumentado drasticamente. Dito isto acho que podemos começar com as perguntas.
Um entrevistador, mais ao fundo prevendo as palavras dele, levantou apressadamente o braço, sem outra escolha foi o eleito para se dar início à longa seção de questões.
— Gostaria de saber a sua opinião quanto à participação dos soldados da ONU?
Dando outro gole, mais longo que o anterior, retomou o microfone e falou com toda a sinceridade que o seu cérebro podia fingir: — Foram realmente de grande ajuda, embora sejam uma equipa nova eu acredito que o futuro reserva-lhes grandes feitos. Contudo algumas baixas foram causadas, a esses homens serão prestados na cidade honras militares.
Do lado esquerdo da platéia, um mais impaciente fez levantar a sua voz, tomando o lugar de todos os outros que meteram o braço para cima: — E sobre a MadTech, tivemos informações que estão a desenvolver novas armas exclusivas, que foram pedidas sob encomenda.
— Como sabe, a MadTech não integra as empresas da minha esfera então não irei falar a respeito disso, até porque eles são famosos por comercializar armas com terroristas perigosos de todo mundo…