The Paradise Tower - Capítulo 10
Ao olhos de Yuri todos estavam cansados, Nina exalava um semblante de medo juntamente com Junks que respirava fortemente. Rodeando o Kotatsu, os três estavam tensos e em silêncio. As primeiras palavras foram ditas por Nina, retirando a colher de sopa da boca. A fumaça, devido a temperatura, fazia a testa de Yuri soar. As partículas de água sendo escorridas pelo seu rosto iam caindo lentamente em meio ao piso de madeira brilhante.
— Certo, a Yui já está na cama? — disse Nina, direcionando seus olhos para a escada.
— Sim, andamos bastante, acredito que ela esteja cansada — murmura Junks.
— Ah, então tudo bem. Yuri, está se sentindo melhor?
Seus olhos oscilaram e piscaram algumas vezes. Assentindo com a cabeça, ele disse.
— S-sim, estou bem. Pode continuar, não se preocupe.
Mesmo concordando, não era como se sentia. Seu corpo estava quente, suor frio escorria pelo seu pescoço. Sem perceber, suas mãos estavam inquietas e seus pensamentos desorganizados.
— Perfeito, então creio que seja hora de resolvermos de vez o que nos foi proposto.
Nina falava, mas Yuri não ouvia nada. Seus olhos concentrados no mormaço da sopa ficavam em completo choque e paralisia. Em sua cabeça havia um grito, uma voz barulhenta que repetia constantemente uma frase desde o momento em que ele se sentou e respirou de maneira forte e densa. Fechando seus olhos novamente, suas memórias se distanciam do local onde estão.
— O que? — pensava, estendendo sua mão.
A figura de Nina e Junks iam se distanciando com uma alta velocidade.
— Não! De novo não! Eu não quero voltar! Por favor!!!
Olhando ao redor… o vazio o aguardava. A escuridão que se tingia em branco se alastrava dentre suas memórias. Olhando para seu corpo, ainda com um movimento mínimo, suas pernas viravam partículas, essas que flutuavam diante seus olhos. Elas tinham uma coloração amarelada e brilhavam como glitter. Sem poder mover um músculo, seu corpo todo se transformou em esporos amarelos. Sua visão se distorcia diante das inúmeras paisagens que podiam ser vistas em sua frente. Todos os locais pelos quais já frequentou passavam por seus olhos. Os esporos, que pareciam vagalumes, flutuavam e corriam como se fossem levados por uma brisa, uma brisa inexistente.
— Yuri…
A mesma voz de antes?
— Fique tranquilo, Yuri. Nada irá demorar… você apenas precisa reconhecer.
Incapacitado até mesmo de pensar, seu cérebro tremia com muito esforço. Com os poros sendo apagados e as paisagens se manchando como névoa, ele disse seu último suspiro antes de entrar pelo espaço temporal.
R-r-rr-reconhecer? O-oo-que? Se-e-u fil–
O branco cobria a escuridão.
Fogo. Era isso que via quando abriu os olhos.
— O QUE? Onde eu estou? Cof-cof
A fumaça penetrava sobre sua íris e corria por sua garganta, mas somente a sensação, era como se nada estivesse lá.
— Y-Yuri… salve sua irmã!
PAI?!
Se aproximando em meio ao fogo, ele viu o rosto de seu pai. A carne carbonizada e os ossos escorrendo em meio às chamas, essa era a figura de seu pai.
— AHH—-
Incapaz de gritar, a voz se manifesta.
Lembre-se, Yuri!
— Eu não quero que você vá!!! Deixa que eu vou no seu lugar!!
Yui? O que faz aqui?
Se aproximando, com a mão estendida, seus pés pararam de se mexer.
Lembre-se, Yuri.
— Eu vou te matar, seu bixinha.
O que? Quem é você?
Lembre-se, Yuri.
Os jogos.
Lembre-se, Yuri.
A floresta.
Lembre-se, Yuri.
Junks, Richard e Leon.
Lembre-se, Yuri.
Cristhine e Nina.
Lembre-se, Yuri.
— Viva, Nina, encontre ele.
Quem é você?
Lembre-se, Yuri.
As memórias iam passando como vultos por sua vista. Seus olhos se mexiam de um lado para o outro em sofrimento. Todas suas memórias esquecidas, e até as que não frequentou, estavam sendo apresentadas e gravadas em sua cabeça. O terror que sofreu durante os sete dias… estava voltando.
— …. por isso que eu…
— Não! Iss…. não….. sentid….
— O que acha, Yuri? Não concorda com o que eu falei? Ei! Yuri?
O vapor da sopa é a primeira coisa que ele avista após voltar.
— Yuri?
Erguendo sua cabeça e com os olhos encharcados de lágrimas de sofrimento, ele disse.
— Me passem a carta!
— Mas que merda, Yuri! O que aconteceu com você? Fala pra gente!
Abaixando sua cabeça e raspando a testa sobre a mesa, ele disse em choros.
— Me desculpem… eu tinha me esquecido de tudo.
— Hein? Como assim?
Levantando sua cabeça, ele explicou.
— Tudo, tudo! Eu havia me esquecido de tudo! Não sei porque, nem o que levou isso a acontecer, mas eu não consigo suportar ter deixado vocês sozinhos nessa!
Socando a mesa ele gritava e chorava em desespero.
— Eu não consegui nem enxergar as coisas que vocês estavam passando… Não pude fazer nada por vocês! Tudo o que eu tinha eram memórias vagas sobre o local e vastos acontecimentos.
Seu rosto estava vermelho, a pressão que sentia sob sua cabeça era enorme e fazia seus olhos tremerem. Enxugando as lágrimas com as mangas de sua cinza camisa, ele olha para suas mãos.
— Vermelho… vermelho é tudo o que havia em minhas mãos.
Ainda olhando para suas mãos, ele ouve passos vindo em sua direção. Movendo seus olhos até o barulho….SLAP!
SLAP, SLAP, SLAP.
Seu rosto sofria tapas consequentes de Nina. Os cabelos vermelhos bagunçados, a leve maquiagem borrada e seus olhos inchados, transmitiam a dor que ela sentia no momento. Abraçando-o, mas dando leves socos sobre o seu peito, ela soluça enquanto fala.
— Seu, idiontas! Porquefg nãso psra con tudo issu? E sempri a mesmfd cuiso! (Seu idiota! Porque não para com tudo isso? É sempre a mesma coisa) — As lágrimas não paravam, impossibilitando sua fala.
— Nina…
Abraçando a cabeça apoiada sobre seu peito, seus olhos acumulavam angústia e dor. Cobrindo o corpo jogado sobre seus braços, ele disse.
— Eu juro! Juro que nunca mais vou esquecer, Nina! Pode ficar tranquila, estou aqui com você…
Olhando do sofá, com os olhos baixos e mãos trêmulas, estava Junks. Levantando e olhando para os dois chorando, ele abriu um leve sorriso de alívio.
— Fico feliz que esteja de volta, Yuri!
— É… eu voltei.
30 minutos depois.
— Certo, vamos ouvir a carta. Nina, você disse que tem uma ideia de o que seja, não é?
— Sim. Acho que sei do que se trata…
Limpando a garganta, ela continua.
— A nove meses atrás recebi uma proposta de Dyson Braun, nos propondo novamente a entrada na torre. Na hora eu não dei muita bola e só guardei em uma gaveta, mas ele disse que me retornaria, e acho que finalmente chegou.
Atentos ao envelope na mesa, Nina aproxima sua delicada mão e o puxa. O papel amarelado junto com o selo de lacre vermelho, é aberto. Coçando a garganta, ela começa a ler.
— “Meus caros companheiros, ou devo dizer grandes reis? É com muito orgulho e bondade que venho fazer uma proposta para os senhores. Como já devem estar informados, eu contatei sua amiga, Nina, a nove meses atrás, mas como imaginei, ela deve ter guardado a carta e esquecido.”
Yuri e Junks soltam um leve sorriso. Nina, irritada, continua a ler.
— “Então venho novamente entregar uma proposta, mas agora para os três.”
Ela para e respira.
— “Venho observando todas as situações que os três já passaram, e é exatamente por isso que creio que não haja motivo algum para recusarem. Proponho que trabalhem para mim, assim como Cristhine fazia. Entrem na torre e recrutem pessoas. Um motivo simples, não?! Mas claro, como sou uma pessoa muito bondosa, eu lhes oferecerei algo em troca. Uma quantia, arrisco dizer que grande o suficiente, para viverem mais do que bem para o resto de suas vidas.
Tudo parecia um enorme furo de roteiro, mas Yuri não pôde deixar de perceber a última frase. Claro, Yuri não olhava para isso como uma forma de ganhar dinheiro e viver no luxo, mas sim de dar a melhor vida possível para a sua irmã. A voz de Nina continuava, com um tom cansado e farto.
— “Agradeço desde já por estarem lendo essa mensagem. Não se esqueçam, eu sei tudo sobre a situação de vocês, e esse é mais um motivo para não ignorarem o segundo chamado… Nos vemos em breve, grandes reis, ou não. Tudo depende de vocês…”
ASS: Dyson Braun
A carta foi posta sobre a mesa e todos ficaram em silêncio. Quebrando o som das cigarras se propagando no ar, Junks se levanta exaltado.
— Isso é um absurdo! Como ele pode querer uma coisa dessas depois de tudo o que passamos? Ele tem algum tipo de problema?!
Batendo os pés contra o chão, ele exaltava-se em fúria.
— Ei! Não vá acordar a Yui — disse Nina, fazendo um sinal de silêncio.
— Yuri, me responda, o que você acha desse maluco? Está na cara que ele é doente, não é?
Nenhuma resposta imediata. Junks o encarou por mais alguns segundos até finalmente repetir.
— Eii! Eu perguntei sobre o que você ach…
— Eu vou — inesperadamente ele disse.
Sem ter entendido direito, ou era o que pensava, Junks ficou de braços cruzados. — A-ah? Não entendi, pode repetir?
— Eu disse que eu vou! Não vejo motivos para recusar.
— C-como é?
Olhando para a carta na mesa, Yuri estava decidido. Caminhando em direção a este, Junks se aproximou e puxou violentamente sua gola.
— Você tá brincando comigo, né? VOCÊ FICOU MALUCO, PORRA!!?
Olhando dentro da alma de Junks e apontando para seus olhos negros e sérios, ele disse.
— Pareço estar brincando?
O próprio limbo, era isso que havia dentro de seus olhos. A escuridão total concentrada em um único ponto. Engolindo em seco e se acalmando, Junks soltou Yuri e perguntou educadamente o motivo de sua decisão.
— E o porquê disso? Pode me explicar?
— Ah, sim, claro que posso! Mas antes tenho que confirmar uma coisa.
Os olhos de Nina e Junks acompanhavam o corpo de Yuri subindo as escadas até seu quarto. Ele volta com um envelope e com uma caneta. Os dois com curiosidade se aproximam e se sentam próximos a ele. Abrindo o envelope, ele começa a escrever.
“Recebemos sua carta, mas antes quero esclarecer uma coisa. Independente de o que aconteça com nós, você promete cuidar da Yui somente pelo fato de termos aceitado? Prometa entregar a ela tudo o que ela merece, caso contrário… eu mesmo te mato”
ASS : Yuri
— Você é maluco… Ei, espera!! Você concordou sem nem ter nos contado o motivo.
Seus olhos se encontram com os de Junks, que abre um pequeno sorriso.
— Sempre fomos malucos — disse sorrindo com os olhos. — Os detalhes a gente deixa pra mais tarde.
— Ei Yuri. — Quieta e sem chamar grandes atenções, Nina, escondida atrás da mesa, chamou. — Então…
— Oi?
Com os olhos virados e com o rosto rosado, ela gritou irritada para o rosto fofo (ao menos para ela) que a encarava em dúvida.
— AHH, faça o que quiser. Saiba que eu sempre vou estar com você em suas decisões.
Yuri a encara em silêncio.
— O-o que foi? Para de me encarar. — Tapando o rosto e negando sua existência, sua pele se tornava cada vez mais vermelha.
— Ah, só estava pensando no quanto eu te amo.
Os olhos violeta brilhavam e o cabelo balançava vibrantemente. Pulando sobre Nina, envergonhada, Yuri a jogou no sofá, fazendo cócegas em sua barriga, exposta pela curta blusa, ela perde o fôlego e o encara fixamente em seus olhos.
— Fa-faça o que quiser, mas não se sinta convencido.
Com o rosto virado, Yuri a beija. Seus lábios estão quentes e sua pele macia. Ao se afastar, Nina o encara loucamente com as bochechas da mesma cor de seu cabelo. Seus olhos se excitam e se desviam por um momento, Yuri se aproxima novamente. De repente os dois estão no chão e sem coberta.
— Poderiam parar com essa merda na minha frente? Como conseguem fazer o clima mudar tão de repente? — disse Junks, sentado de pernas e braços cruzados.
Yuri permanece parado enquanto Nina se levanta envergonhada.
— V-vou tomar um banho — diz ao sair correndo pelas escadas.
— Junks…
— Que foi Yuri? Tá passando mal de novo?
— Seu desgraçado!
Ele pula sobre o pescoço de Junks e o sufoca com um mata leão.
— Ah, eu não vou deixar!
Movendo e estendendo suas pernas, Junks segura o braço de Yuri e o arremessa contra o sofá, fazendo metade da sala ficar toda bagunçada.
— Ahhh, agora você vai pagar! Volta aqui!
Observando os socos e risadas sobre as escadas, Nina os encarava com um sorriso no rosto. Dando meia volta, ela enrola os cabelos sobre a toalha. Toda a tensão no local, agora, escorria pelo ralo do banheiro.
Um mês depois
Depois de meses trancados e isolados da sociedade, o trio dos grandes reis estava de volta às ruas. Andando em meio ao centro da cidade, todos olhavam e soltavam espasmos de surpresa. Durante nove meses o único dos três que saia raramente era Nina, o que levava Yuri e Junks a serem totalmente “desconhecidos” por suas aparências. Após um bom tempo, a tatuagem de Yuri finalmente havia cicatrizado. Seu cabelo estava levemente mais longo e seu rosto com algumas cicatrizes. Juntamente com ele, estava Junks. Era o mesmo de sempre, usava sua jaqueta de couro e calças cinzentas. Já Nina, estava com um shorts marrom e uma regata branca, deixando exposto uma grande quantia de pele.
— Ei Nina, não se sente incomodada com esses olhares? — pergunta Yuri incomodado.
— Não ligo para as opiniões desses tarados!
— Vocês agem tão naturalmente na rua, não esqueçam que não estão em casa — dizia Junks, cobrindo o rosto com vergonha.
Os três caminhavam até seu destino… a praça no centro da cidade. O local nunca foi muito movimentado, facilitando o desfecho final. Chegando ao centro da praça, uma caixa de correio branca coberta por rosas é vista de longe. Eles se aproximam com cautela, abrem a estrutura metálica e lá está… a carta de envelope amarelo e o selo vermelho. Yuri respira fundo e rasga o envelope. O peso de seus ombros é imediatamente aliviado.
“Claro, concordo e prometo cuidar de sua irmã. Obrigado pela ajuda!”
ASS: Dyson Braun
Refletindo sobre a resposta, o grupo permaneceu em silêncio aos olhos determinados da figura com um sobretudo. Os passos que agora seguiam, os levariam em direção às grandes colinas verdes do outro lado da cidade. Alguém de extrema importância estaria por lá.
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Com a visão coberta por árvores e colinas, o silêncio perturbador não pairava mais sobre o ar.
— Yuri, você tem certeza que quer voltar para aquele local mesmo? Digo, perdemos pessoas importantes lá…
— É… eu sei, e é por isso que eu preciso voltar — exclama, desviando dos buracos no chão, causados pelas carroças de transporte de produtos.
— Como assim? — Desviando-se das poças de terra encharcadas, pergunta Junks.
— Não posso ficar parado em casa. Eu sei que eles não estão mais aqui com a gente, mas essa não é a questão.
— E qual seria?
— Eles podem ter se livrado de nós, mas nós não nos livramos deles… Tudo que eu aprendi foi graças a aqueles dois. Que pedaço de lixo eu seria se abandonasse aquele local?! Até que as pessoas parem de morrer naquela maldita torre, eu não vou conseguir dormir.
Yuri de repente se cala e segue o caminho com atenção, seus olhos não demonstravam tristeza ou arrependimento… mas sim compaixão. Junks o encara por um tempo, seus olhos se encontram.
— O que foi grandão?!
— A-ah, nada de mais. Só estava pensando em como você é uma boa pessoa.
— Ei Junks, está tentando conquistar o Yuri? Mas nem por cima do meu cadáver — Um pouco atrasada em relação aos outros dois, os sapatos de Nina estavam cobertos de terra. Aparentemente as poças de lama eram um grande desafio para ela.
Estendendo sua mão para a irritada menina, ela dispara em frente com o peito estufado e mãos na cintura.
Continuando pelo caminho, Yuri refletia sobre o comentário — Não me entenda mal Junks, mas eu não sou uma boa pessoa… — diz como um sopro.
— Como é?
— Chegamos! — aponta Yuri. — Vamos conhecer o velho que tornou tudo isso possível.
Aproximando-se da casa de madeira em meio aos pinheiros, os olhos de Nina brilham com a simples beleza da casa. Suas paredes brancas e cercas vermelhas, trazem uma harmonia charmosa ao local. Estava em bom estado por fora, mas o que lhe importava era seu interior. Ao chegarem até a porta, Yuri bate e grita.
— Ô de casa! Tem alguém aí?
O silêncio permanece. Ele repete. Sem resposta.
— Talvez pelos fundos? — pergunta Junks.
— Vamos tentar.
Contornando rapidamente a pequena casa, eles tentam abrir a porta. Está trancada.
— Mas que merda! Me disseram que ele nunca sai daqui, será que está dormindo?
Ele tenta olhar sobre o brilhante olho mágico, mas não obtém sucesso.
— Vamos tentar a janela.
Indo na outra direção eles acham uma janela aparentemente trancada e pesada.
— Tenta puxar ela Junks — aponta Yuri.
— Certo, para trás!
Ele encaixa suas mãos sobre as frestas e a empurra com toda força. Abriu, ou melhor, quebrou.
— Boa! Deixa eu entrar primeiro!
Yuri, afobado, tenta pular para dentro da casa. Quando dá seu primeiro passo sobre o piso azul, um gatilho é escutado. Ele levanta lentamente suas mãos juntamente com sua cabeça. Um rifle está apontado em meio ao seu nariz, pronto para disparo a qualquer momento.
— O que querem na minha casa, filhos da puta? — interroga a voz rouca e com presença.
— Yuri, você tem certeza que é aqui?! — grita Junks, com as mãos levantadas e assustado.
Um pequeno sorriso é visto sobre o rosto de Yuri. Ele responde.
— Pode apostar que sim.
— Está rindo do que desgraçado? — A arma aproximava-se de sua testa a cada segundo.
Em um movimento rápido Yuri empurra a arma para cima, forçando a pressão do gatilho, ela dispara e todos começam a se mover. Ele entra na casa com a outra perna e empurra o cano sobre o nariz do velho. Ao retirá-la de sua mão, ele a joga para Junks que está abaixado do lado de fora da casa.
— Pensa rápido, mamute!
— MAMUTE? Desde quando eu virei gordo??
Indignado, Junks segura com força a arma e corre em direção a floresta para descartá-la. O velho empurra Yuri e se levanta.
— Parece que você escolheu a pessoa errada para lutar, meu jovem — diz em posição de guarda.
— Acho que não velhote.
— Seu cretino!
Em segundos a postura de guarda é quebrada e a grande mão do senhor voa em direção ao rosto de Yuri, que a poucos centímetros de ser atingido desvia e dá risada.
— O-o que? Esse moleque é doido — pensa o homem assustado.
— Acho que é isso, vovô.
O senhor olha para cima e rapidamente move suas mãos para proteger o seu queixo, mas segundos antes de atingir o bloqueio, Yuri muda sua postura e acerta um soco no meio do fígado do senhor.
— Acabou não é?! — diz Yuri sorrindo aos olhos e bocas borbulhando do velho.
— S-se-seu desgraçado, eu imaginava.
O corpo pesado e rígido cai sobre o chão gelado.
30 minutos depois.
Aos poucos, os olhos fechados se abrem. Sua cabeça está apoiada sobre travesseiros macios e seu corpo deitado sobre sua poltrona de couro. Nina troca, a cada cinco minutos, o pano úmido em sua testa, na tentativa de diminuir o inchaço. Sua consciência ainda não se recordou totalmente, mas ele ouve vozes, vozes que oscilam em meio a casa.
— Precisava ter exagerado tanto Yuri?
— Não é!? Eu avisei ele, que desnecessário.
— Ah, que nada! Se ele tivesse morrido com aquilo pode apostar que ele era um impostor.
Agora com os olhos totalmente abertos, sua boca se move na tentativa de emitir algum som, mas falha devido a garganta seca.
— Ahh! Ele acordou!
Ele olha de um lado para o outro, na procura do que queria. Seus olhos de repente param em uma figura sentada sobre o sofá. Esta dá risadas e diz.
— Quanto tempo, velhote! — sorri acenando com a mão.
— É verdade, quanto tempo… Yuri.
— AH, e não é verdade que eles se conhecem mesmo!!? — grita Junks surpreso ao ouvir as palavras do senhor.
— Como eu havia pensado, não existe mais nenhum maluco que enfrente um rifle com as mãos vazias sendo tão lerdo — tossindo, disse o senhor se ajeitando na cadeira.
— Ora seu miserável, quer que eu te mate de vez?
— Como você está Yuri? Tem passado bem?
— Pode-se dizer que sim.
O velho se levanta cuidadosamente e tenta caminhar, mas quase cai com a sensação do mundo girando..
— Ei! Você ainda não pode se levantar. Não faça esforço, você bateu a cabeça. — Segurando o senhor pelos braços, disse Nina, enquanto tentava colocar o resistente corpo de volta no sofá.
— Se eu morrer com isso pode apostar que eu sou um impostor. — Passando pela porta e se livrando dos braços que o seguravam, ele caminha até a cozinha, irritado. — Vou preparar um chá, esperem um minuto.
Sentando novamente em seu lugar, Junks cochicha para Yuri. — …Yuri, de onde você conhece esse cara?
— Ah, verdade, desculpa, eu me esqueci de falar. Ele foi o meu treinador antes dos jogos começarem.
— Hunmm, então foi com ele que você ficou por todo aquele mês?! — afirma Nina.
— Foi, dormi na casa dele todos os dias, mas ele ainda morava na cidade, então era mais fácil. Eu realmente devo muito a ele. — Encobrindo uma mão na outra, os olhos de Yuri perseguiam cada móvel que estava exatamente no mesmo lugar, mesmo em uma casa diferente, nada havia mudado.
Em pouco tempo o senhor volta e lhes entrega uma grande xícara de chá.
— Peço perdão, ainda não me apresentei para vocês, são amigos do Yuri, certo? — Depositando uma bandeja de metal sob uma pequena mesa de centro, ele lhes entregou a xícara de chá.
— Sou a namorada dele — corrige Nina.
— Sim, somos amigos — concorda Junks.
— Bom, meu nome é Wasabi, tenho 71 anos. Como já devem saber, treinei o Yuri antes do último jogo. Para ser sincero me sinto surpreso que tenha saído vivo, mas ainda mais surpreso que tenha uma namorada — brinca o senhor rindo de forma saudável. — Mas enfim, me diga o motivo da visita.
Yuri hesita por alguns instantes. Tomando um gole do chá, que tinha um gosto muito bom, ele suspirou olhando para o chão.
— Então velhote… eu vou voltar.
— Vai voltar? Voltar para onde? — questiona, também dando um gole no chá.
— Para a torre.
O senhor se engasga e derruba chá sob em seu peito, sem se importar e indignado, ele questiona em desespero.
— O que? Por que você faria isso seu imbecil?!
— Não é tão simples quanto parece, mas…
Junks se aproxima e coloca sua mão sobre o ombro de Yuri.
— Estamos decididos, sr. Wasabi. Vamos todos voltar, temos assuntos para resolver.
— Que assuntos seus idiotas!? E é claro que é simples! O que esperam conseguir voltando para um lugar como aquele? Mais mortes e sangue, é isso que os espera dentro daquele lugar!
— Não fique tão nervoso, eu não vou morrer tão fácil. — Sem jeito e com uma voz fraca, Yuri tentava explicar.
Quase interrompendo as explicações de Yuri, Wasabi levantava as mãos até a cabeça. — A questão não é essa, imbecíl! Lá dentro… nunca é igual, sempre tem algo diferente.
Os três se entreolharam. “Diferente” em que sentido? Apoiando as mãos sobre os joelhos, Yuri se inclinou para frente no sofá. Contraindo o cenho em dúvida, ele perguntou.
— E o que isso quer dizer?
Sentando-se, Wasabi se inclinou para frente, colocou os dedos com força entre as sobrancelhas e respirou fundo para explicar. — As pessoas… elas mudam de lugar para lugar. Não tem como prever o tipo de maníaco vocês vão encontrar lá dentro.
Uma explicação vasta, mas que podia dizer muita coisa sobre o que encontrariam a seguir. As palavras em si não o intimidaram, mas sim sua expressão. Seu rosto estava um pouco pálido e suado, mas o que lhes preocupava eram seus olhos. Estavam vermelhos e vibrantes, como se estivesse com medo.
— Ei, não se esforce demais, você acabou de desmaiar — repetiu Nina, notando as mãos tremulas.
Ele continuava, com os olhos arregalados, dentes rangendo e mãos tremendo.
— As feras lá dentro, as mentes que pensam, as mãos que matam… tudo é diferente, nada é igual. Vocês tiveram sorte de saírem vivos!
— Sorte? Ei, escuta aqui!
Wasabi em instantes se levanta e caminha até a frente de Yuri. Ele agarra sua gola e o levanta à força, e conclui assustado.
— Sim Yuri, vocês tiveram sorte! Nada além de sorte. Todos que estão lá dentro dependem da sorte para sobreviver. Vocês presenciaram com os próprios olhos… aquilo é o inferno. Escute Yuri, eu já fui para a torre.
— O senhor já esteve lá!!?? — Os olhos de Yuri se abrem em grande surpresa. Soltando-se das mãos de Wasabi ele senta.
— S-sim, já estive, e nada do que te digo é mentira. Estive, e não somente uma, mas duas vezes. Depois de tudo eu me isolei e fui trabalhar em outra cidade, a que hoje vocês conhecem como Wishton. Quando recebi o título de “Grande Rei” me senti o máximo, eu tinha conquistado tudo o que nunca tive. Dinheiro, mulheres, casa, comida e tudo do melhor. A custo de que? Mas quando voltei foi diferente… minhas habilidades de luta pareciam inúteis contra aqueles que estavam presentes no mesmo local que eu. Era como se eu fosse um coelho que corria com o rabo entre as pernas dos lobos famintos. Os olhares me perseguiam constantemente no meio das matas, eu não podia dormir. Meus olhos não descansavam e meu corpo estava ficando exausto. Acabei desmaiando e quando acordei já estava no hospital. Não sei porque me tiraram de lá, mas agradeço até hoje do fundo do meu coração por ficar longe de algo como aquilo. Quando eu soube que você, Yuri, filho de ….
— PARE! — Yuri interrompe imediatamente a fala de Wasabi. — Não cite o nome do meu pai em vão, por favor…
— Ce-certo, me perdoe. Vamos mudar de assunto, porque veio até mim?
Yuri se levanta e o encara no fundo dos olhos sem expressão alguma. Wasabi engole em seco e continua com o contato visual.
— Bom, não precisa saber dos meus motivos, mas eu vou voltar e não importa o que diga. Vim aqui porque pensei que poderia me ajudar, mas vejo que não é do seu interesse, então estamos de saída. Vamos voltar para casa, Junks e Nina. Parece que isso foi perda de tempo.
Os dois se levantam com pressa e agradecem pelo chá em união. Ao abrirem a porta, o velho se levanta.
— Yuri, não entenda errado…
— Ahn? Entender errado o que?
— Não é que eu não queira treinar você… é que você não precisa de treinamento.
— Como é?!
— Veja por si mesmo, você me desarmou com as mãos nuas, eu estava com um rifle, algo que em um segundo poderia te matar. Não acho que alguém com armas brancas sejam um problema pra você… só tome cuidado.
Yuri no meio da porta, que dividia a imensa floresta em meio ao campo da casa simples e arrumada de um velhote, disse com um sorriso no rosto.
— Hahaha, certo! Fique tranquilo, confia em mim. Quando eu voltar eu te conto meus motivos para não querer ficar longe da torre. Então… espere por mim velhote! Foi bom ver que você está bem.
Ao virarem as costas, a leve brisa refletiu em seus cabelos.
Os três, agora longes da casa, seguiam em direção a ponte que saia do campo, sendo observados por um olhar ancião e abençoados por palavras sagradas, o dia se encerrou.
— Voltem logo… Junks, Nina e Yuri. Contamos com vocês!
O dia da decisão.
— Certo, então está decidido, meu jovens — dizia uma voz rouca e feliz.
Os longos cabelos cinzas balançavam e caiam sobre os olhos maquiados de vermelho.
— Agradeço mais uma vez pela ajuda de vocês.
Virando as costas e pisando firme, Yuri afirmava.
— Não estamos fazendo isso por você, fazemos por nós mesmos, não confunda as coisas.
— Certo, certo. Entendi, mas agradeço desde já.
Yuri mantinha os olhos sobre a carta em suas mãos, a última recebida por Dyson Braun, a qual marcava o horário e todos os possíveis acontecimentos dos novos jogos. Cada um recebeu um aparelho de comunicação que seria utilizado para entrar em contato com a central. Não obtiveram muitas informações, apenas que poderiam ser úteis e de grande ajuda. O local agora marcado não era em Wishton, mas sim em Kliver, uma cidade do interior próxima a estação central de trens. A viagem levaria alguns dias, então eles partiriam com antecedência. Sem conhecer o local, sem saber sua exata localização e sem saber o que aconteceria, os três mergulharam nos segredos da torre .
A estrada à frente.
Em meio ao sonolento pôr-do-sol, os três estavam parados em frente a uma velha estrada de terra rodeados pelo verde do horizonte. Com a brisa balançando os cabelos de Yuri, agora curtos novamente, os três respiravam profundamente enquanto fechavam seus escaldantes olhos para um futuro desconhecido. O sol, já não mais tão quente, batia sobre suas peles e fazia seus sorrisos brilharem ainda mais. Yuri, em meio aos outros dois, dá seu primeiro passo em direção a estrada empoeirada . Sobre o vento que balançava suas roupas, Yuri coloca seu antigo sobretudo marrom e suas galochas pretas. Olhando em direção a grande montanha em “V”, com o sol se pondo sobre ela, ele diz correndo e levantando uma de suas mãos.
— ESTAMOS DE VOLTA PORRA!!!
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Longo caminho.
O sol refletia a oleosidade de seus cabelos. As peles suadas, as bocas secas e as olheiras roxas eram consequências do tempo que levaram para chegar ao destino em suas frentes.
— Finalmente chegamos, não sinto minhas pernas.
Cambaleando sem forças, Junks se ajoelhou no chão lamacento da noite chuvosa passada.
— Não é hora para descansar, vamos, levante.
Com o colarinho puxado, as pernas do esqueleto seco de sede se levantaram com dificuldade.
— Devem estar esperando por nós.
Caminhando com as últimas forças, eles cruzam sobre a rochosa ponte de pedregulhos que atravessava a cristalina água do riacho. De longe, dois guardas puderam ser vistos em frente ao enorme portão de madeira rígida e escura que se parecia mais com um escudo de um gigante. Aproximando-se da cabine, Yuri se apoiou com os cotovelos e falou pelo buraco da grade.
— Aqui é Kliver?
— Quem é você? — responde de forma seca.
— Ah, peço desculpas, sou Yuri. E você é?
— Isso não te interessa.
Com uma expressão confusa, Yuri permanece o encarando.
Deixando a cabine, em silêncio, o guarda andou em direção ao portão. Seus olhos acompanhavam o menino cansado apoiado sobre o bloco de pedra lisa. Ouve-se sussurros.
— Será que são eles?
— Creio que sim, quem mais seriam?
— Certo, vou avisar a …
O nome se apaga da boca do homem de chapéu vermelho com uma espada na cintura. Com o barulho das correntes que recobrem sobre seu corpo, ele passa pelo portão. Ainda confuso, Yuri permanece estático.
— Ah! Esperem, quase me esqueci…— Ele coloca sua cabeça pela fresta da porta. — Podem entrar, vocês são convidados importantes da governante.
Movendo seus olhos para Nina e Junks, suas sobrancelhas inclinaram-se em dúvida.
— “da?” — pensam em conjunto.
O trio segue adiante pelo portão. Passando pela muralha amadeirada, diversas casas preenchem suas visões. A cidade por trás do tenebroso portão é alegre e cheia de vida. Sua população, contaminada por sorrisos, caminham em meio às ruas espaçosas e preenchidas por comércio. A cidade é um centro só, todas as casas e lojas se localizam em um único ponto, ao redor da imensa arquibancada circular em seu centro.
— Meus deus… é gigante! — Nina “respirava” a boa energia da cidade enquanto sorria deslumbrada.
Agarrando seu braço e a abraçando de lado, Yuri também sorri diante do radiante sol que é visto atrás das casas.
— É muito bonito.
— Ei! Vocês, o que estão fazendo? Venham logo! — disse o guarda, irritado.
— A-ah, claro.
Andando pelos corredores ligados pela muralha de pedra que cobria a cidade, eles chegam em frente a um hotel branco e em ótimas condições.
— Meu Deus, é a primeira vez que eu vejo um hotel tão bonito na minha vida — comenta Junks.
Se aproximando da entrada, Yuri é esbarrado.
— Ei!
— Por aí não, em baixo.
Apontando a bainha para o chão, o guarda empurra Yuri. Olhando atento ao redor, ele retira o tapete. Um alçapão escondido.
— Pronto, vão logo, antes que alguém veja.
— E-espera, o que é isso!? — Yuri aponta com os dedos inclinando sua cabeça..
— Você é burro? — indaga o guarda.
— Ora seu! — As mãos de Yuri se movem até o rosto do homem, mas são paradas rapidamente por alguém.
—Pare com isso, Yuri! Estou com sede pra caralho, vamos logo.
— Você também Junks?! Quer que eu te mate também?
— “Também”? Porque mataria alguém por um motivo tão estúpido? — Com um olhar enojado, Junks desistiu rapidamente da discussão.
— Meu deus… parecem crianças. Desçam de uma vez.
— S-sim senhora.
Sem tempo a perder, Nina os empurra escada abaixo.
O local é apertado e escuro, a única fresta de luz que entrava pelo local era a de uma lasca sobre o teto de madeira. Observando o facho, Yuri descia as escadas.
— Caramba, eu não consigo ver nada — falava distraído. — Será que é muito long—
— YURI?!
— AHHHHH.
— Peguei!
Pendurado pela cola e totalmente sem equilíbrio, Junks segura Yuri pela ponta de seu sobretudo.
— Uff, uff, uff… obrigado!
— Não há de que. Vamos.
Descendo as escadas, agora com cuidado, os três chegaram no escuro total. De repente as luzes se acendem sequencialmente uma por uma. O salão se ilumina e mais dois guardas podem ser vistos.
— Por aqui, sigam-me.
Eles obedecem em silêncio e cruzam pelo corredor apertado. Pouco tempo depois, chegam em uma porta de metal. O homem, aparentemente mais feliz que o anterior, coloca a chave e remove a tranca.
— Podem entrar, a comandante não está presente no momento, mas retornará em breve.
— C-certo — responde Nina, puxando os outros dois para dentro.
Ela entra e agradece com a cabeça. O quarto em si não era grande nem pequeno. Era… vazio, assim como o lugar em que estavam. Três camas podiam ser vistas grudadas umas nas outras. Antes de fechar a porta, o guarda avisa.
— Podem deixar suas coisas aí e saírem se quiserem, a cidade fica bonita de noite — com um sorriso suave, ele disse entregando a chave para Nina.
Após algum tempo trancados no quarto, o sol do dia quente se escondia por completo. Arrumando seus pertences, Nina e Junks se trocavam.
— Você não vem com a gente? — perguntou Junks, olhando para Yuri, que permanece deitado.
— Não… minhas pernas estão doendo, vou descansar um pouco. Aliás, Junks… não era você que não conseguia quase andar?
— H-hunm, não irei muito longe, acompanharei a Nina e mais tarde eu volto.
Acenando com a mão, os dois saíram pela porta.
Acho que vou tirar um cochilo.
Se ajeitando de um modo confortável, Yuri em poucos minutos cai no sono.
Três hora depois
Coçando os olhos, eles se abrem lentamente na direção da janela de metal no interior do quarto.
— Parece que dormi mais do que devia.
Olhando para os lados, Junks e Nina dormiam em suas camas. Desviando-se dos corpos cansados, Yuri caminhou até sua mochila e colocou sua roupa usual. Olhando de novo para a janela, ele tentou adivinhar o clima.
Agarrando o velho e sujo, mas precioso sobretudo, ele sorriu. — Parece que vou ter que te lavar, aguente firme.
Guardando o casaco de volta na bolsa, ele caminhou até a porta e a abriu com cuidado para não fazer barulho. Se virando pela última vez antes de sair, Nina estava com o cenho contraído, provavelmente tendo um pesadelo. Ele soltou uma leve risada e fechou a porta.
Subindo as escadas no escuro, ele ficava pensando no amanhã. A cada passo na gelada escada de metal, sua respiração oscilava. Ele tentava parecer calmo, mas não conseguia esconder as mãos que suavam frio. Quando abriu a porta, um iluminado céu noturno tomou conta de sua visão.
— Deveria ter trazido o casaco, droga — resmungou, aquecendo os braços quentes que sentiam o vento gelado do começo de manhã em sua pele.
Subindo no telhado vermelho do hotel, Yuri se sentou no centro da casa, o local perfeito para observar as estrelas e o nascer do sol. E assim, passou horas em silêncio.
Com os olhos fechados, mas ainda acordado, Yuri sentiu a presença de alguém se aproximando.
— Eu já te percebi, pode se mexer — disse tranquilamente.
— A-ahn, desculpa. Não queria te acordar. — A voz feminina e doce se manifestou.
— Nah, eu não estava dormindo — respondeu de modo gentil..
— Posso sentar? — Apontando para o lado de Yuri, ela disse se agachando.
— A vontade.
— Caramba, fazia muito tempo que eu não via gente que gosta de observar as estrelas, se bem que… você não está observando nada, não é?
Ele abriu um pequeno sorriso e moveu seu rosto para o lado. Por fim, se espreguiçou e abriu os olhos, se espantando com a figura ao seu lado. A mulher, que encarava a direção do vento, era extremamente bonita. Tinha cabelos loiros, fartos seios e uma pele capaz de refletir até mesmo a luz do sol, além de chamativos óculos roxos.
Percebendo, ela se vira lentamente até se encontrar com Yuri. — Acordou? — diz, sorrindo.
Envergonhado e pego de surpresa ele vira pra frente. Seus olhos eram castanhos.
Respirando fundo após um tempo de silêncio, ela decide perguntar. — Porque veio pra cá?
— Ahn?
— Porque você observa as estrelas?
— A-ah, bem… eu faço isso desde criança.
— Algum motivo em específico?
Em silêncio, ele contrai os punhos.
— Minha mãe.
— Ela também gosta de observar as estrelas?
— É, tipo isso. E você?
Quando ele vira lentamente, a mulher está próxima o bastante para seus rostos colidirem. Seus olhos brilham e ela responde entusiasmada.
— Ahhhh! Eu acho elas muito bonitas! Imagina como elas devem ser de perto, que legal! Será que existem alienígenas nas estrelas??
— Oi?
— Alienígenas!? — repetiu entusiasmada.
Olhando diretamente nos olhos de Yuri, suas pálpebras saltavam em excitação. Ele apenas riu e fez um comentário.
— Quem sabe…
— Ahh! Meu Deus, a hora! Já é quase de manhã, tenho que ir senão vou me atrasar.
Levantando e limpando a calça com palmadas, ela se virou e começou a dar leves saltinhos até as escadas por onde subiu. Yuri a acompanhando com os olhos fica em silêncio. Ela para e de repente começa a voltar. Os lábios rosados se abrem e a doce voz é ouvida novamente.
— Ah, prazer, meu nome é Vayne. — Inclinando-se para a frente, seus peitos quase sufocam Yuri.
Apertando a mão estendida em sua direção, Yuri responde com um pequeno sorriso. — Prazer, Yuri.
— A gente se vê, Yuri!
Agora sozinho no telhado, Yuri encarava as escadas por onde ela havia subido.
— Merda… tinha uma escada logo ali, porque eu subi pela árvore?
4 horas depois.
Na praça central, o tempo ensolarado tomava conta da cidade. A multidão, envolta da grande arquibancada, era volumosa e barulhenta, guardas por todos os cantos e comércios totalmente fechados, um clima de apocalipse. Próximos ao palco maciço, o cabelo vermelho se mexia em agitação.
— Estão todos com os aparelhos? — Nina verificava seus bolsos.
— Sim — respondem em conjunto.
— Certo, então acho que é isso. Yuri…
— Acalme-se Nina, está agitada demais.
Yuri aproximou-se e colocou uma mão sobre seu ombro, ela fechou os olhos e respirou fundo. Yuri fez o mesmo, mas teve de abri-los logo em seguida com o barulho. Poof!
Com cinco dedos marcados em seu rosto, Yuri olhava para um verdadeiro demônio zangado.
— Claro que eu estou agitada, seu imbecil! A gente pode morrer hoje! Vocês não pensam nas coisas não?!
Congelado até poucos momentos atrás, Yuri colocou a mão em seu rosto, ainda ardia. Mas ele riu, riu e aliviou todo o peso que o atormentava na noite passada. A aura de preocupações que o circulava não era mais sombria, era clara e cheia de esperanças. Naquele momento, Yuri esqueceu-se completamente da palavra “morte” e de tudo o que estava por vir. Ele apenas foi sincero com sua própria felicidade.
Minutos depois, Nina pareceu ainda mais nervosa após o chamado dos concorrentes. O alarme soou e a multidão se espalhou em volta do palco. Aproximando-se na direção de Yuri, ele a interrompeu.
— Não precisamos de despedidas — com as mãos nos bolsos, ele deu de ombros.
— É, não precisamos — afirmou Junks.
Caminhando em direção às escadas de madeira do palco, ele olha para trás e vê um rosto prestes a chorar. Fazendo beiço, os olhos violetas transmitiam um puro desespero. Voltando, ela corre em sua direção.
— Yuri!! Por favor, eu sei que eu não sou perfeita e nem que sou bonita o bastante, mas por favor… volte pra mim! — Pulando nos braços de Yuri, Nina estava prestes a chorar.
— Ei, ei, ei. Não chora, desde quando eu não volto? Nina, ouça, não deixe ser pega, não deixe que façam nada com você, simplesmente corra, corra o mais rápido que você puder! Não fique longe de Junks, ele com certeza vai te proteger. — Abraçando o corpo jogado em seus braços, Yuri a beija e sussurra em seu ouvido. — Conto com você!
— Eu não vou ganhar um beijinho também, Yuri? — Aproximando-se dos dois abraçados, Junks sussurrou em seu ouvido.
— Vá pra merda, Junks! Que susto!
— Sua ordem não foi “nada de despedidas”? Então o que seria isso?
Os dois riram, ainda com Nina em seu braço, Yuri estendeu uma mão para Junks. Ele a apertou com firmeza e deu um leve sorriso.
Dando meia volta, o sobretudo de Yuri balançou com o forte vento. Segurando Nina, Junks observou atentamente as costas da pessoa que caminhava à sua frente. O menino que ficava desesperado com tudo, que tinha medo de tudo, mas que não falhava na hora de matar, realmente parecia um demônio.
— Conto com vocês, pessoal! — acenando com a mão, ele continuou sem olhar para trás.
Segundos depois de terem se distanciado, uma voz proclama nos auto-falantes. — Entrem todos nas cabines.
Seguindo com olhos determinados, seu rosto estava suado e seus punhos fechavam-se inconscientemente. A voz do representante que estava no meio do palco não chegava aos ouvidos de Yuri. A voz de Braun falando sobre as regras e o que estava por vir causaram um enorme trauma em sua cabeça. Sem prestar atenção aos sons ao seu redor, ele simplesmente caminhou calado até seu local.
Bem, no fim realmente não tem como desistir. Eu os encorajo, mas sou quem mais sente medo…Não passo de um covarde arrogante.
O local ficou em silêncio, somente os passos das cem pessoas na enorme estrutura central podiam ser ouvidos, nada mais.
O homem continua a falar, mas para Yuri sua voz não tem som. Os preparativos são passados, mas são descartados rapidamente por sua mente. Quando menos percebe, suas costas estão em uma cabine gelada e desconfortável. O corpo respondia às ordens passadas, por mais que Yuri não as escutasse. Piscando fortemente os olhos, o mundo começava a ficar embaçado e escuro. A porta em sua frente fechava-se e consumia toda a claridade do dia. Atentando-se a luz acesa sob sua cabeça, a voz começava a ficar perceptível.
— Dentre 5 minutos, vocês irão se encontrar dentro da torre. Vocês devem sobreviver por sete dias. Não se preocupem com comida ou água, iremos disponibilizar os suplementos necessários. Boa viagem, oferendas!
A voz que repetia as ordens escritas no pequeno papel era ríspida e gelada. Dizendo as últimas palavras com um pequeno sorriso no rosto, os olhos atentos de Yuri se espantaram.
…O que ele disse?
Agora, sem enxergar mais nada do mundo externo, estavam trancados no escuro absoluto. O silêncio, e mais nada, nenhum barulho, nenhum alarme.
Bufando, Yuri encostou a cabeça sobre o metal e fechou os olhos. Sua visão começou a voltar.
“Alou, consegue me ouvir? Câmbio, repito, consegue me ouvir?”
Abrindo rapidamente os olhos, ele procurava pelo chamado.
O que é isso? Vem dos meus bolsos?! Ahh, o aparelho.
Revirando os compartimentos de seu sobretudo, suas mãos seguiam o som que chamava diversas vezes. Achou! Se atrapalhando com os pequenos dispositivos, eles por fim chegam ao ouvido. — O-oi! Estou aqui, estou aqui.
— O que aconteceu!? Porque já não deixou tudo pronto desde o início?! — A voz aguda gritou em um tom extravagante do outro lado.
— Desculpa, acabei me distraindo…
Após a resposta tímida, o silêncio se instaura do outro lado da linha. Yuri ergueu sua sobrancelha sem entender.
— Espera… — de repente falam.
Com Yuri na cabine, e ▅▇ no QG (quartel general), as vozes se exaltam e gritam em harmonia.
— Menino das estrelas!?
— Vayne!?
— O-o que tá acontecendo? — pergunta Yuri, incrédulo com a situação. — Não, calma, “Menino das estrelas”?
— Eu que te pergunto! O que você faz aqui? Eu tinha ficado encarregada de um trabalho com um tal de… — Na central, local que Vayne estava, ela se apoiava sobre os botões e respirava em choque. — AI MEU DEUS! Você é o Yuri, né?! Como eu pude esquecer?
Por dentro da cabine, leves barulhos de tapa ecoavam pelo aparelho “Como pude me esquecer? Peituda, peituda, peituda!”
Peituda é um xingamento? Além do mais…
Interrompendo os sussurros, com a expressão de que havia acabado de se lembrar de algo, Yuri pergunta, nervoso.
— Ei! Vayne, Nina e Junks também estão conectados com você? Consegue entrar em contato com eles?
Inclinando um pouco para frente, Yuri se apoiou com os braços na porta da cabine. — Ah, ela já parou… — pensou, com as mãos encostadas no gelado metal.
Erguendo o rosto, a porta que antes era de vidro se tornou totalmente de metal e vedada. — Ué, ela já era assim?
Do outro lado da linha a resposta veio.
— Nina e quem?
Seus músculos pararam de responder por alguns segundos. O que estava acontecendo? Onde estavam Nina e Junks? Ele queria falar, queria retrucar, mas as palavras não saiam. Quase escorregando, no susto, a porta começou a se abrir. Desnorteado, ele não respondia aos chamados de Vayne.
— Yuri!? Consegue me ouvir? — repetiu.
— Já disse que sim.
— Ótimo. Eu vou precisar que você me fale tudo o que vê.
— E pra que isso?
— Como assim “pra que”? Não seja burro, seu burro! O meu trabalho é te ajudar, se eu não enxergar nada, como eu posso te guiar?
Por trás dos ruídos no dispositivo, na sala de controle, estava Vayne, sozinha. O painel que ela executava era grande e possuía diversos tipos de botões. A sua frente, um enorme painel de transmissão posicionado em frente a uma cadeira. Ela estava no hotel de Kliver, aquele que Yuri e os outros passaram a noite.
— Yuri, rápido, tire o aparelho e aponte os lados para o seu rosto.
— O que?
— Apenas faça!!
Yuri removeu um dos aparelhos e apontou para seu rosto. Ele foi transmitido na tela de Vayne. Com um pequeno sorriso, ela arrumou os óculos de armação roxa e respondeu.
— Ok! Está tudo certo. A porta já se abriu?
— “5, 4, 3” — ressoava o “pib” dentro da cabine.
— Você ouviu — disse ele.
— Quando ela abrir, me diga tudo o que você conseguir enxergar! Eu cuido das suas laterais, apenas me forneça as informações. Lembre, estamos juntos nessa.
Na altura dos olhos, a barulhenta porta se abria. Acompanhada da luz que infestava a até então cabine escura, um vento gelado e violento soprou sobre o corpo de Yuri.
— AHN?! — grunhiu tapando o rosto.
— Yuri! O que aconteceu? Que barulho foi esse?
— … Que merda é essa? — A pergunta demorada veio, mal conseguindo abrir os olhos, ele se esforçou para ficar de pé.
Batendo as mãos sobre o balcão metálico, ela repetia. — YURI!? O que você vê?
— Eu… não vejo nada — Parado, sem se mover e com os olhos vidrados, seu cabelo balançava fortemente contra o vento.
Tirando os óculos e desamarrando o rabo de cavalo, ela perguntou, limpando o suor sobre a testa.
— O que você quer dizer com nada? — Olhando para o telão em preto na sala de controle, ela ajustava o nível de claridade das câmeras dos aparelhos.
— Não vejo nada…está tudo branco.
O frio em poucos segundos fez suas pálpebras secarem e seus lábios racharem. Colocando o braço para proteger a visão, seu corpo começou a se mexer lentamente. Mesmo ignorando Vayne, ela continuava.
— Que merda Yuri! O que isso quer dizer?!
Dobrando os joelhos, suas articulações estalam. Sua mão se move com receio até o chão.
— …Isso é neve?