Um Alquimista Preguiçoso - Capítulo 109
Com sua vez de subir ao palco cada vez mais perto, Xiao Shui decidiu que era o momento certo de fazer algo que deveria ter feito antes. Ela desceu do palanque, sozinha, mas não foi em direção ao palco, ao invés disso contornou a construção alta até alcançar uma área relativamente vazia, que não tinha visão para as lutas.
A tenda montada como um centro médico provisório ficava logo atrás do palanque, sustentando-se nas vigas e pilastras. Cortinas brancas e grossas cercavam uma pequena área, cumprindo o papel de parede a fim de preservar a privacidade daqueles que recebiam atendimento.
Xiao Shui avançou através de uma porta improvisada feita de pano que se encontrava preso em pregos sobressalentes e logo ao entrar se deparou com oito macas construídas a partir de bambus e posicionadas em locais estratégicos, das quais algumas já se achavam ocupadas. Embora Zhan Hao não tenha voltado a se juntar a sua Família após a derrota, ao que tudo indicava ele tinha sido dispensado, pois não podia ser visto em canto algum. Por outro lado, Zhan Hu permanecia inconsciente e era vigiado de perto por um médico e uma enfermeira. Wu Lin também podia ser achada sentada, bastante desperta, porém melancólica, vale ressaltar.
Devido ao espaço limitado, tão pequeno que as pessoas no interior quase sempre precisavam pedir “licença, por favor” sempre que desejavam se deslocar de uma ponta a outra, apenas os principais médicos de cada Família e um número seleto de enfermeiras podiam permanecer por mais tempo no local, enquanto os demais precisavam esperar do lado de fora para o caso de alguma emergência. No entanto, existia um grupo sem jalecos brancos que ocupava todo um pedaço do recinto e fazia muito barulho, apesar dos diversos pedidos para ficarem quietos.
Depois que seus dois filhos terminaram gravemente feridos, o Sr. e a Sra. Chen, juntos da filha mais nova, foram direto para o centro de atendimento verificar o estado de ambos, mas acabaram sendo barrados. Entretanto, a Sra. Chen não aceitou isso e causou um pequeno tumulto até conseguir enfim render as enfermeiras que se colocavam em seu caminho.
O grupo familiar estava reunido em um canto aproveitando de uma conversa animada. Enquanto os adultos se mantinham de pé, os meninos, que ainda não tinham terminado de ser tratados e precisavam ser vigiados de perto por especialistas, encontravam-se sentados, cada um ocupando uma maca, com a irmã mais nova fazendo companhia ao mais velho.
Depois de sua fracassada tentativa de lutar na segunda rodada, Bohai havia tido uma melhora considerável. Suas bochechas se encontravam bem coradas e sadias, e a tagarelice demonstrava uma disposição invejável. Bolin, por outro lado, permanecia tão pálido quanto um cadáver, as pálpebras caídas, cansadas, e apesar de estar tentando acompanhar a empolgação da família, de tempos em tempos se distraía, perdendo a disposição.
Quando entrou na tenda e avistou o grupo, Xiao Shui se deteve por um instante, hesitante em fazer o que veio fazer. Vendo Chen Bolin todo enfaixado, abatido, ficava difícil evitar a sensação de culpa e ter todas aquelas pessoas por perto não tornava isso mais fácil. Sem perceber, ela abaixou a cabeça e começou a apertar o cabo da espada. Faltava coragem para ir em frente.
Nesse meio tempo, enquanto ainda estava indecisa, um enfermeiro se aproximou e a pediu para se retirar, mas o Dr. Wen, que estava cuidando de Wu Lin, interveio e falou:
― Está tudo bem. Eu cuido disto. ― O enfermeiro assentiu e saiu. ― O que está fazendo aqui? ― voltou-se para Xiao Shui. ― Logo será a sua vez.
― Eu sei. ― respondeu ela usando uma voz fraca. ― Mas preciso fazer uma coisa antes. ― Ao falar isso, respirou algumas vezes, tentando criar um esforço para concluir seu objetivo, e por fim avançou rumo à família.
A primeira pessoa a notar sua aproximação foi o pai, Chen Ye, seguido pela mãe, Niu, que se virou para encarar com profunda surpresa a chegada da integrante dos Xiaos. Em seguida foi a vez da garotinha, que de repente parou de brincar e afastou para mais perto do irmão, agindo como se estivesse vendo uma coisa assustadora ― algo que ficava bem claro pela expressão em seu rosto. Finalmente, foi a vez dos irmão perceberem.
Por alguns instantes, todos olharam ligeiramente petrificados para Shui. A impressão que ficava era a de estarem vendo uma assombração ou alguém cuja companhia eles não desejavam. Os adultos tentaram disfarçar ― mesmo falhando ―, porém as crianças não esconderam o espanto em seus rostos.
O grupo permaneceu paralisado por alguns segundos, até que Chen Bohai, em um ato impulsivo, ergueu-se da maca num pulo, quase derrubando a irmã, e se pôs de pé à punhos fechados, pronto para brigar.
― O que tá fazendo aqui, mulher dos infernos? ― vociferou ele, exprimindo um semblante severo.
― Bohai, veja a boca! ― bronqueou Niu, lançando um olhar de desaprovação para o filho. Ela entendia bem o rancor do garoto, mas isso não era desculpas para falar assim com outra pessoa, ainda mais se tratando da filha de um Ancião.
― Malvada feiosa! ― Inspirada pelo irmão, Meiling também resolveu deixar sua queixa e ainda mostrou a língua para demonstrar toda sua braveza.
― Meiling, não faça isso! É feio! ― disse Chen Ye, censurando o gesto da pequenina.
Xiao Shui não estava sendo bem recebida e com razão. Depois do que fez durante sua primeira disputa, era de se esperar tal reação. E a coisa piorou ainda mais quando, ignorando a bronca da mãe, Bohai se adiantou, bufando de raiva e os punhos erguidos.
― Se quer brigar, pode vir! ― grunhiu ele, balançando a cabeça de um lado para o outro numa espécie de medida defensiva. ― Eu vou acabar com a sua raç…
Mas antes que tivesse a oportunidade de terminar de falar, Chen Niu acertou-lhe um tapa na cabeça, fazendo-o se encolher feito um garotinho com medo de levar umas palmadas.
― Fica quieto, menino! ― ralhou em um tom implacável, exibindo toda a autoridade de uma mãe. Em seguida, encarou Xiao Shui por um momento, antes de perguntar. ― Podemos fazer algo por você? ― Embora estivesse tentando ser compreensível e cortês, a expressão rígida em seu rosto somada às palavras duras e diretas demonstravam que uma parte sua não conseguia ser indiferente com a pessoa responsável por causar um grande ferimento em seu filho.
E Shui percebeu isso, pois apertou ainda mais o cabo de sua espada e abaixou a cabeça. Mesmo sendo confrontada pela questão, demorou-se alguns instantes, até finalmente criar coragem e abrir a boca:
― Eu… huhum! ― Ainda estava nervosa e antes de concluir qualquer coisa, acabou engolindo as palavras e se atrapalhando um pouco. ― Eu queria me desculpar pelo que fiz. ― Sua cabeça se mantinha abaixada, a postura bastante acuada e a voz carregava um peso significativo de responsabilidade.
Foi reparando em seu jeito de agir que Chen Niu percebeu o que estava fazendo e se sentiu um tanto culpada. Ela encarou a menina em sua frente com rancor e a tratou de um modo tão ríspido por causa do incidente de mais cedo, mas nem ao menos levou em consideração que a pobrezinha poderia estar sofrendo e se incriminando pelo ocorrido.
― Eu não queria ter feito “aquilo”. ― continuou Shui, receosa em usar um termo explícito referente ao que havia acontecido. ― Tudo aconteceu tão rápido e… eu… eu sem querer usei muito força. Sinto muito, mesmo! ― concluiu, curvando a cabeça num gesto respeitoso e arrependido.
O grupo familiar se entreolhou por um instante, como se estivessem trocando palavras por meio de pensamentos. Com exceção de Meiling, as expressões dos pais e daquele que foi vítima parecia indicar certa pena da garota arrependida que se prostrava em suas frentes. Entretanto, Chen Bohai não estava convencido.
― Acha que vai me enganar assim? ― bradou. ― Vocês dessas Famílias não se importam com a gente! Eu sei…
Porém, mais uma vez ele foi interrompido antes que tivesse a oportunidade de terminar de falar, mas quem o calou foi Bolin.
― Irmão, você exagera demais. ― acusou.
― Eu num tô exagerando! ― defendeu-se Bohai, exaltando-se por um segundo e deixando um linguajar bruto escapar.
― Ela veio se desculpar comigo. ― salientou Bolin, colocando fim aos resmungos do irmão. ― E eu aceito o pedido de desculpas. ― falou, exprimindo um sorriso compreensível.
A resposta pegou Xiao Shui de surpresa, que ergueu a cabeça para encarar cheia de expectativa o antigo adversário.
― Você tem certeza? ― questionou ela, duvidosa. Mesmo tendo sido a única a pedir por perdão, não esperava ser perdoada com tanta facilidade.
― É claro. ― respondeu Chen Bolin, sorrindo para ela. ― Para dizer a verdade, você nem ao menos tem que se desculpar. Estávamos no meio de uma competição e eu não fui forte o bastante. Apenas isso!
Xiao Shui olhou para ele repleta de admiração e o mesmo poderia se dizer a respeito dos pais do garoto, que lançaram para o filho olhares de aprovação e orgulho.
― Muito obrigada! ― disse ela emocionada, sentindo-se aliviada. Agora poderia seguir lutando sem ter aquele incidente pesando em sua consciência.
Após agradecer mais algumas vezes e se desculpar de novo para ter certeza de que tinha feito direito, Xiao Shui se despediu e começou a deixar a tenda de tratamento, porém quando se afastou alguns passos, ouviu Bolin dizer:
― Boa sorte! ― desejou com toda a sinceridade.
Ela agradeceu e enquanto se afastava entreouviu o Sr. e Sra. Chen parabenizarem o filho pela atitude. E a pequena Meiling, ainda tentando entender o que tinha acontecido, perguntou:
― A moça não é uma malvada feiosa, mamãe?
― Ela é muito bonita, querida. ― disse Niu em resposta. ― E ela não é malvada.
O grupo voltou a conversar e mais uma vez a atrapalhar os médicos que tentavam trabalhar. Enquanto isso, na arena…
Diferente das vezes anteriores em que subiu no palco cheia de expectativas, Qin Yanyu parecia um tanto quanto desanimada. Depois de duas frustrações seguidas, tinha perdido quase por completo a vontade de lutar, pois sentia que seja quem for o adversário da vez, o resultado final seria o mesmo ― uma luta sem emoções e perigo real. Mesmo Xiao Guo sendo um Despertado, ela foi incapaz de recuperar o ânimo do começo.
Por terem o mesmo cultivo, era de se esperar um combate difícil e com grandes reviravoltas, mas toda vez que ela pensava nessa possibilidade, lembrava que ele vinha da mesma Família do sujeito que causou um pequeno tumulto apenas para se render. E para piorar, os dois pareciam ser amigos ― um forte indício de que eram semelhantes.
Em contrapartida, Xiao Guo se mostrava demasiadamente empolgado, com os olhos expectantes e uma agitação perceptível pela maneira que colocava as mãos nas costas, assumindo sua costumeira postura, mas logo em seguida abaixava os braços e começava a massagear os dedos, preparando-se para o confronto.
Depois que os dois ficaram algum tempo parado, encarando um ao outro, apenas aguardando a autorização para iniciarem, ele não se aguentou mais e abriu a boca:
― Não tivemos a chance de nos conhecer antes, mas é um grande prazer e honra poder enfrentar a senhorita Yanyu. ― disse em um tom respeitoso, que carregava certos indícios de vaidade e um toque de charme.
Sem se importar muito com o elogio, Qin Yanyu apenas balançou a cabeça em resposta. Ainda não estava muito motivada para esta batalha.
― Eu sei que minha evolução é recente e que ainda preciso aprender muito para ser considerado um verdadeiro Despertado ― continuou ―, mas prometo entregar uma performance condizente com a minha posição.
Ouvindo essa última parte, Yanyu deixou escapar um traço de esperança que sombreou o seu rosto. No entanto, não desejava se decepcionar, então resolveu sondar:
― Quando luto, uso todas as minhas forças, mesmo contra um oponente mais fraco. ― disse ela. E embora sua fala parecesse um aviso, a expressão atenta em seu rosto demonstrava que estava tentando investigar o outro lado. ― Não espere que eu facilite por você ser um Recém-despertado.
No rosto de Xiao Guo um sorriso confiante se formou. Algo na provocação de sua oponente acalmou sua ansiedade e inflamou sua vontade de lutar. Como era de costume, colocou as mãos nas costas, estufou o peito e ergueu a cabeça.
― É bom que não facilite ― Sua voz transbordava de convicção e intrepidez ―, do contrário, esta não será uma vitória satisfatória. ― afirmou.
Neste momento, Qin Yanyu sentiu o coração bater forte. Antes da partida ter sequer começado, a antecipação do que estava por vir fez seu sangue correr mais rápido e a adrenalina aumentar. Era assim que precisava ser. O Festival da Geração do Caos clamava por batalhas e por praticantes que não desistem sem ao menos tentar ou pessoas que ficam distraídas olhando para o céu. Ela aceitou participar desse evento não para tentar ingressar numa Seita poderosa ou ficar conhecida e sim para enfrentar um grande desafio, e algo lhe dizia que desta vez teria aquilo pelo qual esperava.
Após essa breve troca de palavras, os dois não disseram mais nada e ficaram se encarando, aguardando a deliberação dos árbitros na escolha do próximo representante. Ambos se portavam de uma maneira bastante agressiva, embora contida. Pela maneira que se olhavam, observadores e alertas, ficava evidente que estavam prontos para se engalfinhar e lançar suas técnicas. A única coisa faltando era a autorização.
Quando uma juíza ameaçou subir no palco, Xiao Guo tirou as mãos das costas e assumiu sua característica pose de batalha, com a perna direita flexionada mais à frente e a esquerda um pouco atrás, a cintura ligeiramente abaixada, o braço direito esticado e o outro permanecendo junto ao corpo. Enquanto Qin Yanyu estreitou os olhos e cerrou os punhos, deixando pequenas camadas de névoa escapar entre seus dedos.
― Se estiverem prontos ― disse a juíza olhando de um para o outro ―, podem começar.
― Palma Sonora: Canto Silencioso! ― No segundo em que as palavras “podem começar” foram ditas, Xiao Guo soltou um brado poderoso e atacou. O ar a sua volta se agitou e uma poderosa onda de Energia Espiritual que não podia ser vista disparou, imponente e ameaçadora.
Os punhos de Qin Yanyu foram envolvidos por uma misteriosa névoa que liberava feixes de cor esmeralda. A bruma dançou ao redor de seus membros e após uma breve exibição de luzes e mistério, atirou-se, seguindo a mesma trajetória indicada pelo movimento inimigo.
As duas técnicas se colidiram e um poderoso estampido ecoou, lançando lampejos e pedaços de névoas em todas as direções, que se espalharam pelo ar e foram carregadas pelo vento.
Tão logo o primeiro choque envolvendo duas forças que se igualavam ocorreu, os espectadores gritaram de euforia, impressionados pela impactante abertura.
Porém os competidores não tiveram tempo de se impressionar ou admirar o fenômeno que provocaram. Antes mesmo da colisão acontecer, pressentido como terminaria, os dois avançaram um de encontro ao outro, os punhos cerrados e as palmas abertas.
Quando o último pedaço de bruma foi varrido, ambos se encontravam a poucos passos de distância, tão próximos que seus ataques poderiam desencadear todo o poder. Em seus rostos, o medo do confronto direto era um presságio distante.
― Palma Sonora: Onda de Empuxe! ― Com um movimento tão rápido que fez seu braço parecer um borrão diante de olhos destreinados, Guo liberou um golpe tão poderoso que fez o chão de madeira tremer e ranger, ressoando uma chegada agourenta.
Mas Yanyu não ficou para trás e devolvendo o gesto à altura, comandou a névoa cercando suas mãos a expandir de tamanho, lançando clarões ainda mais fortes. A nuvem se ampliou de tal maneira que poderia engolir um homem adulto com facilidade.
Quando as habilidades entraram em confronto, a densa massa que envolvia a luz se dissipou e um poderoso fulgor verde esmeralda tomou conta da arena, tão intenso e deslumbrante que obrigou Xiao Guo a recuar, fugindo para longe a passos largos enquanto desviava o olhar.
Conforme se afastava, ele sentiu um perigo notório vindo do brilho verde, algo opressor e que devia evitar a todo custo. E por um segundo, ficou aliviado por ter conseguido escapar, mas assim que a claridade perdeu seu vigor, deparou-se com a rival em seu encalço.
Qin Yanyu aproveitou o momento caótico para contornar o ponto de colisão das técnicas e flanquear o oponente pela direita. E quando Guo enfim notou sua aproximação, ela já tinha os punhos envoltos por uma densa neblina e estava pronta para atacar. Com um impetuoso movimento de braços, jogou, ao mesmo tempo, duas colunas fumarentas banhadas em luz verde.
O golpe desferido em um momento de desatenção era amplo e implacável, parecia desejar envolver o alvo num mundo de puro verde cercado por densas paredes volúveis.
― Barreira Estrondosa!
Mas apesar da tentativa sorrateira, Xiao Guo conseguiu reagir a tempo e executando um astuto movimento de mãos, desferiu diversos tapas no ar, criando estranhas ondulações no espaço à sua frente que se chocou contra a bruma traiçoeira, impedindo-a de continuar avançado.
O choque provocado pelo confronto reverberou por toda a arena e continuou se expandindo conforme a violenta colisão acontecia. A impressionante exibição deixou quem assistia deslumbrado. Nenhum dos dois lados parecia disposto a ceder e muito menos recuar. Eles avançavam sem medo, sempre atacando e se defendendo com toda a força de um Despertado.
O que se seguiu foi uma troca de golpes primorosa, na qual ambos exibiam toda a força de um Despertado de 1ª Camada. Mesmo Guo tendo evoluído há pouco, seus movimentos precisos e até um tanto quanto graciosos o permitiu seguir na disputa e se impor como um igual.
Conforme o embate prosseguia, cada vez mais a impressão de que os participantes se igualavam em força ficava evidente. O duelo era feroz e imparável. Os dois deslizavam através de todo o palco, fazendo uso máximo do terreno. Suas técnicas se colidiam causando poderosos estampidos e jorrando lampejos verde-esmeralda que cintilava além dos limites da arena, obrigando os espectadores mais próximos a cobrirem os olhos.
Durante determinados momentos, parecia que Qin Yanyu seria capaz de assumir o controle, pois era agressiva e destemida, avançava sempre que uma brecha surgia, determinada a iniciar um confronto de perto, de modo que seus ataques seriam mais eficazes e as chances de ser defendido seriam menores. Em diversas ocasiões ela chegou perto o suficiente para acertar um golpe com os punhos livres. Porém seu adversário era um sujeito astuto e sempre que se sentia ameaçado, primeiro desviava usando um impressionante jogo de pés e em seguida se afastava, saltando e correndo de tal maneira que chegava a ser gracioso e, porque não, delicado.
O enfrentamento seguia disputado e nenhum dos lados demonstrava fraqueza. Quando pouco mais de dez minutos se passaram desde início, essa se tornou a partida mais longa da noite e tudo indicava que o fim ainda estava longe.
No entanto, diferente das pessoas que gritavam empolgadas e dos espertinhos que tentavam dar dicas para os representantes de suas respectivas Famílias, Xiao Ning era um dos poucos que exibia certo tédio voltado para o duelo.
― Por quanto tempo eles vão ficar nisso? ― resmungou.
― O recorde é de três horas. ― respondeu Xiao Chan, que mantinha um olhar atento no palco. Notava-se pela sua expressão que estava se divertindo.
― Isso tudo? ― espantou-se com a afirmação. Se precisasse ficar assistindo dois garotos lutar por tanto tempo, acabaria dormindo. ― Alguém deveria colocar um limite nisso. ― recomendou.
― E qual seria a graça? ― retrucou Xiao Li.
Enquanto isso, a poucos metros de distância do grupo, Xu Guiren aplaudia e comemorava com bastante entusiasmo, torcendo pela colega que havia permanecido ao seu lado até pouco tempo atrás. Ele demorou um pouco para perceber que a luta tinha começado, mas quando percebeu, dedicou toda a sua atenção ao que acontecia.
O embate continuou e até o momento nenhum dos dois tinha conseguido efetuar um golpe direto. Suas tentativas sempre eram anuladas pelo outro lado e mesmo os contra-ataques não surtiam efeito. A impressão que se tinha era a de que a batalha iria se alongar por mais tempo.
Entretanto, o ritmo de repente sofreu uma grave alteração quando Xiao Guo, que vez ou outra demonstrava estar sendo pressionado, fez um movimento diferente de tudo mostrado até então.
Qin Yanyu vinha o pressionando sem parar, mantendo uma cadência de ataques impressionantes. E embora ele tenha conseguido se defender, aos poucos deixou de contra-atacar e passou a recuar com mais frequência. Foi nesse ponto que o ar se distorceu, não apenas à sua frente, mas o espaço ao seu redor ondulou feito uma peculiar impressão visual causada pelo calor extremo de uma região desértica.
A ação chamou atenção de quem assistia. Antes, suas técnicas não possuíam qualquer apelo visual, era como se uma força opositora de repente barrasse os ataques inimigos. O único vestígio deixado era o som alto e marcante.
Porém desta vez foi diferente. Logo à frente de Guo o ar começou a se distorcer, causando visões estranhas em quem assistia. Qin Yanyu também notou a mudança e sentiu uma Energia Espiritual poderosa sendo emanada, mas ao contrário do que era de se esperar, ela não recuou ou aumentou as defesas, partiu para a ofensiva.
A névoa envolvendo seus punhos aumentaram de volume de tal forma que se transformou em poderosas colunas volúveis. Entretanto, a maior transformação ocorreu no brilho verde que se intensificou ainda mais, fazendo os feixes que eram liberados ganharem um aspecto fulgurante. E então, dispensando maiores cuidados ou preparos, ela atacou.
A imponente coluna cercada de mistérios avançou rápida e precisa contra o alvo. Lampejos escapavam da névoa, reluzindo por toda a arena, abafando o brilho das lanternas. Parecia um ataque forte o bastante para finalizar a disputa.
No entanto…
― Palma Sonora: Miragem!
O ar dobrou e um assobio grave e intenso ecoou, colocando fim a qualquer ruído externo. Por toda a arena a madeira tremeu como se um pequeno terremoto tivesse atingido o local. O tremor se expandiu de um modo que no palanque, o qual se encontrava colado no palco, as pessoas sentiram a estrutura tremer, não o bastante para despertar o medo de desabamento, mas o suficiente para fazer os mais precavidos se afastarem das bordas.
Quando as duas habilidades se encontraram, por um segundo pareceu que elas se anulariam da mesmo forma que aconteceu nas vezes anteriores, pois a bruma de Yanyu envolveu a anomalia que causava distorções no ar ao passo que a luz verde-esmeralda lançava lampejos cegantes, tentando oprimir a tentativa inimiga.
Porém, um estampido de doer os ouvidos reverberou e uma intensa onda de choque foi liberada, dispersando a névoa e esmigalhando a luz verde que foi transformada em milhares de pequenas faíscas, pintando um quadro impressionante e assombroso ao mesmo tempo.
E apesar da demonstração admirável, o ataque não parou por aí. Ondulações e anomalias se projetaram em direção à Yanyu, que não teve tempo de reagir e foi atingida por uma peculiar dobra no ar que surgiu do nada em sua frente.
A anomalia a acertou na altura do abdômen e diferente do que era de se esperar, ela não foi arremessada por uma força estranha e também não houve uma colisão visível contra algo pesado e imponente. Ao invés de sofrer qualquer uma dessas reações, Qin Yanyu caiu de joelhos com os olhos arregalados e arfando. Tomada por um impulso instintivo, colocou a mão na barriga e apertou à medida que experimentava uma nauseante tosse seca.
Era inegável que estava sentindo dor e que levaria algum tempo para se recuperar por completo, mas, talvez por ser uma Qin ou apenas por saber que não poderia ficar caída, ela não precisou apenas de breves segundos para se levantar. Ainda tossia de uma maneira incontrolável, seu rosto havia ganhado um tom rubro e a mão permanecia apertando a barriga, porém permaneceu de pé, firme.
E sua decisão se mostrou correta, pois Xiao Guo não esperou pela recuperação da adversária e partiu para a ofensiva. Ele chutou o chão e avançou com a sutileza e velocidade de um artista marcial. Quando se aproximou, esticou o braço esquerdo, mantendo a palma da mão aberta, e entoou:
― Palma Sonora: Onda de Empuxe! ― Um sorriso confiante brilhava em seu rosto. O mais recente Despertado podia sentir a vitória.
Porém, ele não era o único sorrindo.
Após ser atingida e ao ver o rival indo em sua direção para desferir o golpe final, Qin Yanyu não se aguentou e abriu um sorriso selvagem. Essa era a primeira vez desde o início da disputa, na verdade, desde o início do festival que se sentia desafiada. Seu coração batia forte e o sangue pulsava em suas veias.
Quando o rival chegou perto e ativou a Palma Sonora, a despeito da agressão que tinha acabado de sofrer, ela se abaixou e desferiu um soco com a mão nua contra o chão, antes de ser atingida. De repente, do lugar em que seu punho atingiu, uma ostensiva coluna de pura luz verde-esmeralda se ergueu, lançando-se a alturas impressionantes, passando entre as lanternas que cobriam a cidade.
Xiao Guo não conseguiu deter o ataque e terminou lançando a Onda de Empuxe de encontro à pilastra. O que aconteceu em seguida o surpreendeu mais do que a dor que experimentou. Sua habilidade acertou o pilar e em resposta, um jato de luz foi disparado, atingindo-o direto no peito. A pancada foi tão violenta que ele se viu sendo arremessado, retornando para o lugar no qual se encontrava um instante atrás.
O contra-ataque não foi nada capaz de rendê-lo ou causar um grave dano, na verdade, o que aconteceu foi estranho. Por se tratar de um raio de luz verde, ele esperava receber algo semelhante a uma pontada, um corte, queimadura ou quem sabe um choque, mas o que experimentou foi algo parecido com uma pedra sendo jogada em seu peito.
Xiao Guo não chegou a cair ou sofrer maiores lesões, apenas se viu forçado a recuar. Depois de ter falhado em finalizar a partida, ele não fez outra tentativa de imediato, até porque estava bastante alerta em relação ao pilar que se ergueu. No entanto, o mesmo não se manteve ativo por muito tempo e o imponente verde-esmeralda começou a perder o brilho e se desfazer.
Quando a coluna de luz desapareceu, o que se revelou foi uma Qin Yanyu sorridente, em cuja face expunha uma expressão confiante e um tanto indócil.
― Não foi nada mal para alguém que Despertou há pouco tempo. ― disse ela, exprimindo um elogio sincero. ― Sim! Sim! É isso que eu estava esperando. Agora está começando a ficar divertido.
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