Um Alquimista Preguiçoso - Capítulo 116
Xiao Magali estava na sala de depósito que era usada para estocar mantimentos e utensílios do dia a dia; itens usados pelas domésticas que trabalham para o 1º Ancião Dong. Um lugar amplo, localizado na ala oeste da residência, repleto de prateleiras, caixotes e todos os tipos de coisas.
Com seus vinte e sete anos de idade, ela era a mais jovem das empregadas e também a mais recente contratada. Seu cabelo, castanho-escuro, era de um charme modesto, bem cuidado, poucas pontas duplas ― algo do qual se orgulhava ― e detinha um brilho vaidoso, resultado dos cremes que sempre passava antes de dormir.
O rosto da moça apresentava um aspecto distinto daqueles encontrados na população da cidade e até mesmo boa parte do império. As maçãs de seu rosto eram bem definidas, o nariz um pouco mais achatado e comprido, nada exagerado, e os olhos ― verdes ― eram grandes e redondos; a parte que mais se diferenciava e destacava das demais pessoas.
Magali andava entre as estantes, passando de um corredor a outro com bastante cautela, um passo de cada vez, ardilosa, observadora, estudando os cantos mais discretos. Enquanto passava, abria todos os caixotes e espiava o interior antes de voltar a fechá-los.
― Cadê você? ― perguntou em voz alta. ― Hm… ― deixou escapar um som gutural, pensativo, à medida estreitava os olhos e colocava a mão direita no rosto. ― Está aqui! ― afirmou, pulando na frente de um vão que ficava entre a parte de trás de uma estante e a parede.
― He, he, he! ― Neste momento, uma risada infantil reverberou por todo o depósito, ecoando ao longo da sala carente de vida. Pelo timbre, notava-se que o autor estava tentando se controlar, permanecer oculto, mas o divertimento podia ser notado em cada nota.
Magali virou a cabeça, olhando para um canto, e então se abaixou, ajoelhando-se sobre suas vestimentas padronizadas que seguia à risca as regras impostas pelo dono da casa; um vestido preto por baixo e um avental branco por cima. Não satisfeita com a altura que atingiu, ela desceu o corpo um pouco mais, até ficar quase deitada no piso feito de pedra, e por fim virou a cabeça, olhando por baixo das numerosas prateleiras. Foi logo ao lado, a dois corredores de distância, que viu um par de pesinhos encolhidos, tentando se esconder na sombra de uma grande bolsa de pano que guardava arroz.
Vendo aquilo, ela sorriu e voltou a se levantar.
― Onde esse menino foi parar? ― questionou em voz alta. ― Mas ele é um rapazinho muito esperto! Eu nunca vou encontrá-lo! ― Magali deu a volta na estante e foi em direção aos pezinhos, mas quando chegou perto, passou direto e foi para o outro corredor. ― Já sei… Está aqui! ― pulou na frente de um caixote de panelas velhas e o abriu de uma só vez.
De novo a risada foi ouvida, baixa e divertida, e ela sorriu junto.
Magali continuou andando, avançando em direção ao final do corredor enquanto vasculhava cada canto e falava em bom tom.
― Esse menino é muito esperto! Eu não dou conta sozinha. Acho melhor ir chamar reforços. ― Quanto mais se queixava e mais perto chegava, mais frequente as risadas ficavam.
Quando estava chegando perto do final do corredor, seus passos ficaram mais sutis e parou de falar. Ela deu a volta por trás de uma prateleira, calma e cautelosa, tentando não chamar a atenção, e assim que cruzou o vão viu um garoto sentado, com as pernas encolhidas, os braços abraçando as canelas e a cabeça colada nos joelhos.
Xiao Bai vestia roupas simples, como as de um filho de um serviçal sem muito a oferecer. Era uma criança franzina, mas bem nutrida, com bochechas gordinhas e rosadas, além de braços um tanto rechonchudos.
Magali ficou parada por um instante, vendo o pequeno tentar se esconder. Seu rosto exibia a alegria sincera de quem se divertia com a inocência alheia.
― Achei! ― Ela soltou um grito de triunfo e pulou nas costas do menino, agarrando-o firme para não deixá-lo fugir. Ele, por sua vez, deixou escapar um grunhido de susto e surpresa e deu um salto, tentando escapar. ― Você não vai a lugar nenhum! ― declarou a empregada, puxando-o para perto e o envolvendo num abraço apertado.
Xiao Bai se permitiu ser dominado e caiu na gargalhada, um riso estridente e infantil que reverberou por todo o depósito, espalhando alegria pelo lugar.
― Como você me achou, Magari? ― Questionou ele, embolando as palavras.
― Ahh! Foi muito, muuiitooo difícil te encontrar! ― disse ela, fazendo drama antes de responder. ― O Jovem Nobre é muito esperto! Poderia ser um escondedor profissional. Eu não tenho a menor chance contra você. Tive muita, muita sorte de achá-lo. Já estava quase desistindo. Mais um pouquinho e eu ia ir embora e deixar o Jovem Nobre aqui sozinho para ser devorado pelos monstros. ― Enquanto falava, ela abraça e apertava o menino, exprimindo uma melodia brincalhona e divertida.
― Não existe mostro aqui. A Magari é muito boba! ― alegou Xiao Bai com um largo sorriso no rosto. ― Eu sou muito bom em esconder, não sou? Eu ouvi você me chamar, mas não respondi. Fiquei escondidinho e não fiz nenhum barulho ― dizia ele, orgulhoso de si mesmo.
― O Jovem Nobre é o melhor do Império… não, do mundo todo. Se eu não fosse uma Achadora Profissional, nunca teria te encontrado. ― Depois de falar isso, Magali se levantou, deu alguns tapas na roupa da criança para tirar a poeira e continuou: ― Agora você precisa ir se arrumar. Já está quase na hora do almoço e se perder a aula no Salão Espiritual de novo seu avô vai ficar bravo.
― Ah! A gente não pode brincar só mais um pouco? ― pediu Xiao Bai, franzindo os lábios e forçando uma expressão piedosa.
― Não! ― respondeu ela, decidida. ― Eu preciso trabalhar e você estudar.
― Eu não preciso estudar. Sério mesmo! Eu vou ser um aventureiro! ― declarou ele, colocando as mãos na cintura e estufando o peito com bastante orgulho.
― E desde quando “aventureiro” é uma profissão? ― retrucou Magali.
― É sim. Eu juro! Eles sai andando pelos lugar que ninguém tem coragem, encontram tesouros, salvam as pessoas e até mesmo enfrenta os monstros e… He, he, he! ― Xiao Bai colocou a mão na boca e segurou uma risada divertida que veio acompanhada de traquinagem.
― O que foi? ― A empregada tombou a cabeça e estreitou os olhos, curiosa com o comportamento suspeito do menino.
Ele, por sua vez, não respondeu de imediato. Riu mais um pouco e precisou se segurar para não cair na gargalhada. Até que por fim…
― Quando os aventureiros ficam perdidos… ― sorriu outra vez ― Eles bebem xixi. He, he, he!
― Credo, Jovem Nobre! ― Magali soltou um grito, horrorizada. ― Onde você aprende essas coisas, menino?!
O espanto da mulher parecia tão genuíno aos olhos da criança que ele não se aguentou e soltou uma longa gargalhada. A outra, no entanto, aguardou um instante até que o pequeno terminasse de se divertir com a própria revelação e então, voltou a falar:
― Pois quer saber… se esses aventureiros tivessem estudado, não precisariam beber xixi. Agora vá se preparar para o Salão Espiritual.
Colocando um fim definitivo na discussão, Magali acompanhou o Jovem Nobre até a saída do depósito e ficou esperando até que ele se afastasse pelos largos corredores da mansão. Em seguida, pegou uma vassoura escorada em um canto e começou a trabalhar.
Não fazia muito tempo que tinha se tornado uma funcionária do 1ª Ancião; na verdade, este era apenas o seu segundo mês e por causa disso as tarefas mais custosas e que costumavam ser evitadas pelas outras empregadas eram atribuídas a ela. Neste dia em especial, sua função era varrer e organizar todo o depósito.
O lugar em questão era muito amplo e bastava olhar para os cantos mais remotos para perceber que a última limpeza tinha sido há muito tempo. Estando sozinha, esse era o tipo de trabalho que leva dias para ficar pronto. Mas ela não se importava com a dificuldade e assim começou a varrer.
Nos dias seguintes, Magali seguiu cumprindo sua tarefa de maneira exemplar. Durante a parte da manhã, ela entretinha o Jovem Nobre, mesmo essa não sendo uma de suas obrigações. E na parte da tarde se apressava para cobrir o tempo perdido.
A nova empregada seguiu executando suas atividades de um modo exemplar, sempre terminando de fazer tudo o que lhe era pedido, apesar de se atrasar vez ou outra por estar brincando de pique-esconde em algum lugar. Não era o melhor trabalho do mundo ― pelo menos, ela não achava ―, mas precisava admitir que existia seus momentos de diversão.
A despeito dos inúmeros rumores que escutou a respeito de Xiao Dong, o tempo que ficou na mansão foi mais tranquilo e agradável do que poderia imaginar. À medida que as semanas, meses foram passando, ela decorou a rotina do 1º Ancião, aprendeu o que poderia fazer e os lugares que era proibida de ir e aos poucos ganhou a confiança das demais empregadas.
No entanto, o primeiro incidente, confirmando muito daquilo que ouviu, aconteceu na segunda semana do quarto mês do ano.
Naquele dia, Xiao Bai tinha sido convidado para a festa de aniversário de um garoto que frequentava a mesma classe no Salão Espiritual. Ele estava tão empolgado que fez o presente com as próprias mãos seguindo as instruções de Magali uma semana antes do acontecido e na noite anterior, passou horas falando do que esperava ver, tanto que foi dormir de madrugada. Mas quando voltou, a expressão em seu rosto era tristonha, desmotivada, como se uma realidade terrível tivesse o abatido.
Ele não conversou com ninguém quando retornou e foi direto ao encontro de seu avô, que gostava de ficar em uma esplêndida divisão da mansão que além de ampla, dispunha de um belo piso feito de mármore branco e era decorada por um único trono dourado, localizado no meio do recinto.
― O que você quer? ― indagou o 1º Ancião, ríspido em cada palavra, ao ver o garoto entrar. Ele se achava sentado em seu lugar preferido, majestoso, autoritário.
Apesar da pergunta feita, Xiao Bai manteve a cabeça baixa e precisou de alguns instantes para criar coragem para falar.
― Eu… ― sua voz tremeu e antes que tivesse a oportunidade de terminar, voltou a se calar. O medo que sentia era evidenciado pelo corpo trêmulo e o semblante pálido que se apoderava de seu rosto. ― Vovô… eu…
― Eu já avisei para não me chamar disso. ― Quando o garoto enfim encontrou alguma bravura para se manifestar, foi bruscamente interrompido. A voz do Ancião era pesada e severa, carregada de desprezo. ― Não sou nada seu!
― Sinto muito ― desculpou-se Xiao Bai, ficando ainda mais acuado. ― Eu queria saber, quando é o meu aniversário?
― Seu aniversário? ― repetiu Dong. A expressão em seu rosto se fechou e as rugas se destacaram, formando uma carranca feia e desgostosa.
― Sim ― confirmou o garoto balançando a cabeça. ― Eu queria saber para comemorar igual todo mundo faz. O Xiao Tai vai fazer cinco anos mês que vem ― mostrou a idade usando os dedos das mãos ― e eu pensei que se eu também fazer, a gente pode comemorar junto.
Mesmo que não colocasse em palavras, ele estava cheio de expectativa. Em sua cabeça fazia planos para o grande dia e já podia imaginar quais presentes ganharia.
No entanto, tudo isso foi destruído quando a fúria de seu avô tomou conta do lugar.
O 1º Ancião se levantou de seu assento em um sobressalto, bufando pelo nariz e franzindo as sobrancelhas tanto que as duas se tornaram uma só.
― Acha que o fato de estar vivo representa alguma coisa? Sua vida é tão insignificante quanto a de uma barata! ― esbravejou, demonstrando todo o descontentamento que sentia. ― Desde quando ser jogado para fora de uma prostituta é motivo para comemorar? ― Sua boca se enchia a cada ofensa cuspida.
― Mas… ― Xiao Bai tentou argumentar, porém foi calado com um soco no rosto que o arremessou para o outro lado do recinto. Depois disso, chorando e se controlando para não gritar, fugiu apressado para longe do avô que ainda não estava satisfeito e o perseguiu até a entrada do salão.
Mesmo tendo conseguido escapar, ele só parou de correr quando chegou no quarto, uma saleta pequena e miserável que tinha sido adaptada de um banheiro usado pelos serviçais, mas que foi abandonado.
Magali permaneceu alheia a todo o acontecido até a hora do jantar, quando ouviu algumas de suas colegas cochichando na cozinha.
― Parece que Xiao Bai apanhou de novo ― disse uma.
― É isso que ele ganha por falar o que não deve ― desabafou outra. ― Teve sorte que o 1º Ancião foi bonzinho dessa vez.
― Mas também, o garoto não aprende. ― A primeira voltou a falar. ― Vive correndo por aí, fazendo bagunça. E agora foi perguntar do aniversário…
Magali não precisou ouvir mais para saber que precisava fazer algo. Então, ela abandonou seus afazeres e deixou a cozinha, partindo logo em seguida pela procura do Jovem Nobre. E não foi difícil para a empregada encontrá-lo em seu quarto, encolhido sobre a cama, chorando e fungando.
Quando chegou na alcova, ela bateu na porta algumas vezes, pedindo permissão para entrar. Mas ao ficar sem receber nenhuma resposta por alguns instantes, decidiu se atrever e invadiu o aposento.
No momento em que a viu entrar, Xiao Bai se virou para a parede, tentando esconder o rosto enquanto controlava o choro, igual a um vira-lata que sabia que tinha feito algo de errado.
― Oi, Jovem Nobre! ― disse ela em um tom manso. ― Você está bem? ― A resposta veio através de um aceno penoso, alegando que “sim”. ― Mesmo? O que está escondendo aí?
Bastante cautelosa para não assustar o menino, Magali se aproximou da cama e sentou na beirada, deixando os pés no chão. Depois, virou o corpo de lado e repousou uma mão nas costas do pequeno, afagando-o com ternura.
― Posso ver? ― pediu. Mas Xiao Bai balançou a cabeça, recusando-se a obedecer. ― Está tudo bem. Eu não vou ficar brava com você ― Insistiu.
Ele hesitou por alguns segundos, até que enfim se rendeu e tirou o rosto da parede.
Seu olho estava inchado de tal maneira que sequer era possível ver o branco ou o preto que compunham o órgão ― era como se tivesse sumido. O inchaço estava tão vermelho que parecia que uma maçã tinha sido colada em sua face.
― Seu avô fez isso? ― perguntou Magali, que carinhosamente passou a mão ao redor da região machucada.
No entanto, apesar da resposta ser óbvia para todos, Xiao Bai balançou a cabeça, negando o acontecido.
― Oh, meu bem! Vem aqui. ― Ela o puxou para perto e o abraçou, tomando todo o cuidado para não piorar seu sofrimento.
E estando no conforto de alguém que tanto gostava, o Jovem Nobre não se aguentou e mais uma vez chorou enquanto era consolado e ouvia: “vai ficar tudo bem”.
Embora estivesse um pouco envergonhado no começo, Xiao Bai não demorou para derramar todas as lágrimas que tinha armazenado e no final seu rosto ficou ainda mais inchado. Mesmo quando parou de soluçar e fungar, ele permaneceu no conforto dos braços que o consolava e em momento algum tentou afastá-lo. Era caloroso e confortável ficar daquela maneira e sentia que poderia continuar assim pelo resto da noite. Porém, algo chamou sua atenção.
Sobre a cama havia um embrulho simples, feito de papel, mas dobrado com muito cuidado, e que não pertencia a ele.
― O que é aquilo ― perguntou, apontando o dedo indicador.
― Ah! Isto? ― disse Magali, que enfim o soltou. Ela se inclinou para frente e pegou o embrulho. ― Isso é um presente meu para você. ― Abriu um sorriso afetuoso à medida que esticava o braço.
― Um presente… para mim? ― questionou Xiao Bai, que apesar de estar hesitante no começo, pegou a embalagem com certa curiosidade. ― Por que?
― Como assim, “por que”? ― repetiu a empregada, colocando a mão na cintura e fingindo estar chocada com a pergunta. ― Hoje é um dia muito importante. Hoje completa quatro meses que nos conhecemos. O Jovem Nobre não sabia? Depois de um ano, quatro meses é a data mais importante para se comemorar.
― Eu não sabia ― lamentou ele, balançando a cabeça. ― Desculpa! Eu não tenho presente pra te dar.
― Mas é claro que tem! ― afirmou Magali. ― Eu quero ganhar um graaannnde abraço ― falou enquanto abria os braços para receber o presente. E foi exatamente o que teve, pois o garoto se jogou para cima dela e a apertou com toda a força que podia exercer. ― Agora é a sua vez. Pode abrir.
Xiao Bai não teve nenhuma delicadeza quando rasgou a embalagem como a criança ansiosa que era, e o que descobriu dentro foi um broche delicado feito de ouro com o formato de uma folha de árvore. Mesmo não entendendo direito o que era aquilo ou qual utilidade tinha, seu rosto exibia um amplo sorriso de pura empolgação, extasiado pelo primeiro presente que recebeu na vida.
― Eu sei que isso não tem muita utilidade para o Jovem Nobre, mas eu quero que fique com ele. Este era o brasão usado pela minha Família há muito tempo atrás, antes de nos juntarmos aos Xiaos. Eu estou te dando para que você possa sempre se lembrar de mim.
― Você vai embora? ― O rosto alegre de Xiao Bai se desfez e às lágrimas que deveriam ter sido gastas, voltou a marejar seus olhos.
― Não, não, meu querido! ― disse ela puxando-o para perto e acariciando sua cabeça. ― Eu não vou a lugar algum. Prometo!
E ele aceitou a promessa, pois engoliu o choro e voltou a se focar no presente.
Depois disso, Magali o ensinou a maneira correta de usar um broche e o pequeno, por sua vez, se divertiu muito, apesar da tarefa simples. Sua alegria ficava explícita pelas gargalhadas que soltava, porém isso não durou muito, quando mais uma vez seu rosto afundou em uma expressão melancólica.
― Meu vovô me bateu só porque eu perguntei quando era meu aniversário. ― Enfim confessou o que estava sentindo.
― Entendo ― murmurou Magali. ― Eu não sei quando é seu aniversário, mas sei que o Jovem Nobre tem quatro anos.
Xiao Bai ergueu a cabeça de repente, surpreso com a informação.
― Como você sabe?
― Eu perguntei as empregadas mais velhas e elas disseram que você chegou aqui há quatro anos, quando era apenas um bebezinho deste tamanhinho ― disse ela usando um tom infantil e brincalhão para passar a informação.
Xiao Bai ficou muito feliz com a descoberta e sorriu sem parar. Isso significava que tinha a mesma idade, ou bem próxima, dos seus colegas de classe. Quando fosse para o Salão Espiritual no dia seguinte, decerto contaria para todo mundo sobre a grande descoberta que fez.
― Posso perguntar uma coisa? ― pediu, encarando a empregada. E depois de receber a aprovação através de um aceno de cabeça, continuou: ― Porque seu nome é tão difícil de falar?
― Ahahah! ― O questionamento inesperado fez Magali gargalhar, divertindo-se com a inocência do pequenino. ― Meu nome não é estranho. O Jovem Nobre só acha isso porque ainda não conhece muita coisa, mas de onde eu venho, tem um tantão de gente com nomes parecidos.
― Mesmo? ― duvidou Xiao Bai. ― E é tudo difícil de falar?
― Alguns são ainda mais difíceis ― respondeu com um sorriso no rosto. ― Tem Pedro, George, Harry, Oliver (esse último é o nome do meu pai), também tem Emma, Charlotte, Sophia, Sofia com F. E isso não é tudo! ― afirmou balançando o dedo de um modo bastante significativo. ― Na minha família tem pessoas que possuem uns olhões assim ― falou enquanto usava os dedos para esticar as pálpebras. ― Outros tem a orelha tãããooo grande que poderia voar. A pele de algumas pessoas são muito mais escuras do que a minha e a sua, uma cor bonita e chamativa.
O Jovem Nobre prestou extrema atenção em tudo que era dito, estava hipnotizado, fascinado. Sua boca se abriu, revelando uma profunda admiração, e os olhos exibiram um brilho distinto.
― Onde você mora, Magari? ― perguntou ele, curioso.
― Eu sou de uma cidade costeira chamada Falésia ― informou ela. ― É um lugar muito bonito e fica pertinho do mar.
Magali continuou falando de sua casa por algum tempo, saciando todas as curiosidades que o pequeno Bai tinha. Suas histórias eram sempre divertidas e vinham acompanhadas de muito teatro com gesticulações exageradas, o que arrancou diversas gargalhadas do garoto. Ela falou até o menino começar a demonstrar os primeiros sinais de sono, algo que não demorou muito devido ao dia conturbado que teve. E quando isso aconteceu, muito atenciosa, fez questão de permanecer ao seu lado até as pálpebras pesadas o renderam.
Ele dormiu com o olho inchado, mas distraído do infortúnio que o abateu. Talvez tenha sido as histórias que escutou, a companhia agradável ou quem sabe o presente que recebeu ― o qual não tirou mesmo durante o sono ―, talvez tenha sido tudo isso junto, mas apesar da surra e infelicidade em não saber de algo tão bobo, o que lhe esperou foi uma noite tranquilo, livre de pesadelos.
Por outro lado…
Quando deixou o quarto que outrora fora um banheiro porco, a empregada saiu na ponta dos pés e tomou extremo cuidado ao fechar a porta. À medida que percorria os longos corredores, sua indignação pelo acontecido ficava mais explícito em seu rosto, algo que tentou esconder anteriormente. Ela queria acreditar que esse tinha sido um incidente isolado, mas os cochichos das empregadas mais cedo, junto dos rumores, a deixavam receosa. Para seu infortúnio, não existia nada que pudesse fazer contra um Ancião e a única coisa que lhe restava era torcer para outro incidente como esse nunca mais acontecer.
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