Um Alquimista Preguiçoso - Capítulo 98
Quando Xiao Ning anunciou sua rendição, uma comoção se espalhou não apenas pelo público que cercava a arena, mas também entre as pessoas que ocupavam o palanque. Alguns torceram o nariz para a decisão, enquanto outros estranharam e questionaram o motivo. Porém, uma nova agitação tomou conta do lugar no instante seguinte que se sucedeu após as provocações de Zhan Hao.
Ao longo do tablado, muitos dos mais jovens se assustaram com a Opressão repentina que pareceu abafar o recinto. Eles não conheciam a causa, mas seus instintos lhe alertavam para um perigo iminente, do tipo que só se sente ao ser confrontado por uma temível Besta Demoníaca. Mesmo os mais velhos não foram poupados do acontecimento e discussões acabaram sendo levantadas em certos grupos.
No meio que compunha os membros da Família Zhan, o Patriarca Tengfei fitava o palco sob um olhar desconfiado e cauteloso.
― Aquele garoto emitiu uma sede de sangue assustadora por um instante. ― comentou ele. ― Eu quase fui até lá buscar o Hao. ― Durou um breve momento, mas por um segundo, temeu pela segurança do sobrinho e mesmo agora, que a sensação de Opressão havia passado, estava receoso de deixar a luta começar. Embora não aprovasse as palavras do filho de seu irmão, não o deixaria morrer ou ganhar sequelas numa simples disputa entre jovens.
― Essa foi uma exibição assustadora. ― avaliou o Supremo-Ancião Yanlin, que, apesar de não ter muito interesse na competição dos jovens, teve a atenção chamada após a breve exibição.
Ali perto, no local em que os integrantes da Família Qin se reuniam, a Matriarca Annchi abriu um sorriso truculento e estreitou os olhos à medida que mirava a figura trajando vestes maiores do que o corpo, examinando o garoto responsável por causar uma breve perturbação.
― Parece que o pirralho do Zhan Hao arrumou um problema. ― disse ela, exprimindo leves traços de estranhamento. Sentia existir algo anormal cercando o jovem Mundano.
Do outro lado, em uma das extremidades da construção, Xu Xia encarava Ning com extrema surpresa. Tinha sido uma demonstração de Opressão e força muito mais impactante e ameaçadora do que ela seria capaz de exercer.
Não era apenas os membros das demais Famílias que haviam sido abalados e impressionados com a exibição feita um instante atrás. O Patriarca Xiao Enlai olhava profundamente espantado para o Alquimista cujo segredo ele zelava. Aquilo não era o tipo de coisa que qualquer um seria capaz de gerar. Precisava de uma longa experiência em batalhas e disputas frente a frente ao perigo para conseguir criar tamanha impressão.
― Ah! Ah! Ah! Eu sabia que aquele garoto era um lutador. ― Ao lado de sua discípula, Xiao Ah-kum gargalhou alto e se entusiasmou quando viu Ning intimidar seu oponente com apenas algumas palavras e um olhar ameaçador.
Xiao Wing também se impressionou e como o admirador que era do Festival da Geração do Caos, resolveu deixar sua avaliação:
― Essa não parece ser uma força condizente com alguém da 7ª Camada do Reino Mundano. ― Durante um evento tão importante para a cidade, surpresas já eram esperadas, mas tal sugestão opressora executada por um rapaz tão jovem estava além do inesperado. Era o tipo de coisa que apenas um praticante vivido deveria conseguir exercer.
Ali perto, Xiao Chan tinha uma expressão abobalhada e um tanto aterrorizada no rosto enquanto encarava o colega, incerto do que pensar. “Impressionado”, não bastava para descrevê-lo nesse momento.
― O que foi isso? ― Ele se perguntou, sentindo o coração bater mais forte, como se algo estivesse tentando afugentá-lo. ― Parece até que estou vendo o tio Zhuang.
― Para fazer até mesmo um Espirituoso hesitar… ― comentou o tio Chang, estarrecido. Notava-se uma nota de assombro em seu rosto.
Xiao Shui também estava chocada e um pouco assustada com tudo aquilo. Nunca tinha visto Ning fazer nada semelhante, nem quando enfrentou Xiao Bai ou durante as lutas no Evento de Seleção. No entanto, o que chamou de fato sua atenção foi outra coisa.
― Aquele idiota se deixou ser provocado. E se ele fizer algo de errado? ― Conhecendo a personalidade do preguiçoso, ficava temerosa com os possíveis descuidos que poderiam acontecer durante uma luta acalorada. Além do mais, ela tinha certeza de que nenhum de seus conselhos a respeito de ser cuidadoso havia sido levado a sério.
― Bem, se ele lutar um pouco e depois se render ou for derrotado, então não tem problema seguir em frente com isso. Para ser sincero, talvez seja melhor que as coisas acabem assim. ― sussurrou o tio Chang, mantendo a voz baixa. Entendia o receio da filha, mas acreditava que a melhor opção fosse ter algum confronto antes da rendição, pois dessa forma eliminaria qualquer suspeita. ― No entanto, espero que ele seja cauteloso. Existem muitas figuras importantes assistindo este duelo. ― acrescentou, olhando para as silhuetas que plainavam por toda a Cidade da Fronteira do Caos.
No palco, Xiao Ning girou a lança entre os dedos e quando terminou de se exibir, bateu com a extremidade do cabo contra o chão. Em seu rosto, um sorriso confiante e um tanto brincalhão brilhava, denunciando um ligeiro entusiasmo pelo que estava por vir.
Em sua frente, Zhan Hao ainda demonstrava sinais de espanto devido a exibição sufocante, muito embora, a gargalhada desvairada do que pareceu um velho travesso tenha amenizado o clima.
A juíza, que permanecia no palco, notando que não haveria mais desistência, perguntou, olhando de um para o outro:
― Vocês estão prontos?
― Sim. ― confirmou Xiao Ning, meneando a cabeça. ― Vou ensinar uma lição a esse pirralho.
― Vo… Você está se achando muito. ― disse Zhan Hao, cuja voz permanecia abalada, tentando encontrar alguma firmeza e coragem para se impor. ― Eu… eu também estou pronto.
― Pois bem… ― a juíza da Família Qin desceu do palco, assumindo sua posição, e declarou. ― A batalha entre Zhan Hao, 1ª Camada do Reino do Despertar, e Xiao Ning, 7ª Camada do Reino Mundano, começa agora!
Gritos entusiasmados se ergueram dos espectadores que estavam ansiosos para assistir a luta de um Despertado tão conhecido e falado. E o fato de existir um desentendimento anterior entre os dois apenas deixava tudo mais emocionante.
Os membros de cada uma das Famílias sendo representada nessa batalha também fizeram parte da comemoração, soltando exclamações e apoiando os respectivos companheiros.
Parado no meio do palco, mantendo um largo sorriso no rosto, Xiao Ning fitava o adversário com olhos afiados.
― Garoto. ― disse ele. ― Eu não gosto de me envolver em lutas pois posso acabar me machucando e odeio sentir dor, mas você é tão grosseiro que alguém precisa lhe ensinar a ter bons modos. Esse vovô aqui irá ensiná-lo a respeitar os mais velhos.
Para Zhan Hao, aquelas palavras não faziam o menor sentido, pois a outra parte era tão jovem quanto ele. Teria retrucado e falado um pouco a respeito da diferença de idade, mas ao reparar que o oponente estava se preparando para fazer o primeiro ataque, levantou a guarda e se preparou.
Se fosse antes, seria ele a tomar a dianteira da disputa. Porém, seus nervos continuavam abalados e a valentia apresentada no início de tudo fraquejava. Temia fazer algo imprudente e acabar sendo surpreendido.
Dando sinais de que iria fazer algo, Xiao Ning mais uma vez ergueu a lança e começou a girá-la, convencendo que possuía um talento significativo no manejo do objeto. A arma deslizou entre seus dedos, emitindo silvos agudos conforme o cabo flexível cortava o ar. E devido a sua escuridão natural, era como assistir uma sombra dançando à luz das lanternas, salvo apenas pelas duas listras brancas atravessando de uma extremidade a outra, mas que devido ao movimento contínuo pareciam se misturar em uma só. Já a crina dourada, presa entre a madeira e a espiga, bailava em seu próprio ritmo, opondo-se e engrandecendo às demais cores.
Zhan Hao prestou tanta atenção na movimentação que em determinado momento pareceu entrar numa espécie de transe. Seus olhos se fixaram na exuberante coreografia, atraídos pela ilusão de formas circulares branca e dourada que eram criadas pelo manejo da arma. A hesitação em atacar ou esperar ser atacado ficava evidente ao se notar a indecisão estampada em seu rosto.
E antes que ele pudesse chegar a uma decisão, Xiao Ning avançou.
― Aqui vou eu, Pomposo! ― proclamou, entusiasmado. Com a lança ainda girando entre os dedos, ele deu um passo à frente e se preparou para correr.
Foi quando aconteceu…
Por mais que estivesse se exibindo e demonstrando uma aptidão admirável no manuseio da arma que carregava, a verdade era que ainda faltava treinamento a Xiao Ning. O objeto era muito mais leve do que estava acostumado, em especial a ponta, mais semelhante a uma agulha, fina e pequena. Além do mais, toda aquela flexibilidade, dobrando-se e balançando com facilidade, feito uma vareta de bambu, não ajudava em nada.
Quando tentou atacar com a lança ainda em movimento, durante uma pequena confusão, em que a ponta contendo a armação dobrou para o lado contrário, quebrando o padrão, seus dedos se embolaram e a arma soltou de sua mão. Agindo por reflexo, do tipo que se tem ao derrubar um copo e tentar pegá-lo antes de se espatifar no chão, ele tentou agarrá-la, mas falhou.
A lança foi atirada de sua mão e bateu no palco, pulando algumas vezes, antes de rolar e cair fora da arena.
A inusitada cena roubou por um instante a emoção gerada pelo início do confronto e todos ficaram se perguntando o que estava acontecendo. Para alguém que agiu com tamanha confiança, não era de se esperar que cometesse um erro tão bobo.
Xiao Ning parou, olhou para o lugar em que sua arma havia caído e grunhiu:
― Ah! Fiz merda. ― A expressão indiferente em seu rosto fazia parecer que não tinha sido grande coisa cometer tal deslize, mas, a verdade era que mesmo ele estava bastante surpreso. Decerto não planejava fazer aquilo.
No palanque, Xiao Shui olhou para a cena, desacreditada. Como podia existir alguém tão descuidado? Que tipo de pessoa deixa sua arma escorregar da mão no meio de uma luta?
― Aquele idiota! ― repreendeu ela.
Após o descuido cometido, Xiao Ning ficou parado, sem reação. Mas não demorou muito e logo saiu correndo em direção ao lugar no qual a lança havia caído para tentar recuperá-la. Sua corrida desordenada na busca de corrigir o próprio desleixo acabou parecendo um tanto cômica e chegou a arrancar algumas risadas das pessoas que assistiam o desenrolar dos acontecimentos.
Ele parou na borda do palco e fitou o objeto caído fora dos limites impostos pelas regras, indeciso sobre o que fazer. A princípio, parecia que desejava descer para reaver o que havia perdido, mas sua hesitação e o olhar perdido buscando ao redor por uma solução mostrava que sabia muito bem quais seriam as consequências caso se atrevesse a sair do perímetro definido para as disputas acontecerem.
Então, sem saber como reagir, Xiao Ning olhou para a juíza que estava prestando muita atenção em suas ações e perguntou:
― Eu posso descer rapidinho para pegar de volta? ― forçou um sorriso inocente e piedoso, tentando ganhar a compaixão da praticante.
― Se você sair da arena, será considerado como desistência. ― avisou ela, recusando o pedido.
Sem muita opção, Xiao Ning recorreu a única alternativa que poderia ajudá-lo naquilo que foi perdido.
― Ei! você! É, você mesmo! Pega ela e joga para mim! ― Ele sabia que perder sua única arma numa luta contra alguém Despertado não seria nada vantajoso, ainda mais levando em consideração seu desejo de levar o embate até o fim. E foi por isso que apelou para a empatia de uma das muitas pessoas cercando a arena.
O homem que foi o alvo do pedido, surpreendido pelo acontecimento inesperado, ficou indeciso sobre o que fazer no começo e chegou a olhar para os lados, verificando se o jovem estava de fato falando com ele, demorando-se ainda mais para tomar uma atitude.
Nesse meio tempo, Zhan Hao aparentava estar tão surpreso pelo ocorrido quanto todos os outros. Quando viu a lança sair voando, pensou que ela tinha sido atirada em sua direção numa tentativa de empalá-lo e chegou a inclusive erguer os braços na frente do corpo enquanto fechava os olhos e virava o rosto, mas ao perceber o que aconteceu de verdade, não foi capaz de se controlar e soltou uma gargalhada alta e debochada:
― Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Que sujeitinho patético! ― apontou um dedo e riu mais um pouco. Qualquer tensão ou receio que havia permanecido após a sensação sufocante provocada pelo inimigo desapareceu e, sem perceber, recuperou a confiança e o otimismo exagerado. ― Você possui uma boca enorme para uma criatura irrisória. Aqui, agora e na presença de todos, irei provar a sua insignificância!
Com a coragem restabelecida e o medo um presságio distante, Zhan Hao recuperou o desejo de lutar e a valentia ao proferir palavras venenosas. Estendendo a mão esquerda, ele apontou os cinco dedos em direção ao adversário e esboçou um sorriso zombeteiro.
― Que toda a cidade veja o quão patético você é. ― Ao soar de suas palavras, da ponta dos dedos, uma luz esbranquiçada começou a brilhar, fraca a princípio, mas que passou a ganhar intensidade e liberar feixes conforme se acumulava.
Vendo aquilo, Xiao Ning assumiu uma postura de urgência e gesticulou, desesperado, para o homem que ainda estava indeciso.
― Anda logo! Jogue de uma vez! ― pediu ele, num tom que chegava a soar como uma ordem.
A urgência da situação apenas serviu para deixar o sujeito ainda mais hesitante, pois apesar de ter pegado e estar segurando a lança, ele travou, incerto se deveria jogar o objeto ou tentar se aproximar primeiro.
― Balote Albino! ― bradou Zhan Hao.
Da ponta de seus dedos, cinco projéteis que reluziam um brilho alvo foram disparados em alta velocidade.
― Jogue! ― rugiu Xiao Ning.
A exigência transmitida através de um berro pareceu assustar o homem que simplesmente jogou a arma de qualquer jeito, tratando-a como se fosse uma barra de metal quente queimando suas mãos.
Fazendo uso de seu Sentido Espiritual para determinar a trajetória tomada pelos projéteis, Xiao Ning precisou esticar o braço para conseguir agarrar o cabo da lança, que por pouco não lhe escapou pelos dedos. E então, num movimento único, girou o tronco e balançou a arma que emitiu um zumbido agudo conforme esmagava o ar, agindo como se o objeto fosse na verdade um bastão.
Os balotes atirados por Zhan Hao se chocou contra o cabo de madeira e foram ricocheteados, enviados de encontro ao chão da arena, e quando se chocaram contra o piso de madeira, explodiram num turbilhão de feixes alvos, lançando faíscas para todos os lados.
― Ufa! Essa foi por pouco! ― suspirou Xiao Ning, aliviado. Por mais que tenha treinado, ainda não havia se adaptado à leveza excessiva do artefato. Estava mais acostumado com armas pesadas e aquela parecia uma pluma, quando comparada ao item que gostava de usar (alabarda). Mesmo a lança de Aço Rochoso, a qual foi quebrada durante o confronto contra os Gorilas Quebradores de Ossos, era três vezes mais pesada do que essa que tinha em mãos.
― Parece que a sorte ainda não o abandonou. ― disse Zhan Hao, estreitando os olhos, insatisfeito por ter falhado em sua tentativa.
― Muito bem, Pomposo ― recobrando o sorriso confiante, Xiao Ning brandiu sua lança e apontou a extremidade pungente contra o adversário. ― Prepare-se, pois agora eu irei lhe dar as palmadas que seus pais não tiveram a coragem de dar.
Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.
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