Venante - Capítulo 35
Algum tempo antes, enquanto os alunos entravam em fila, Calcantino se virou para o Conquistador e perguntou: — Que cara é essa, Leander?
— Me cansa não fazer nada. Se meu mestre não tivesse pedido, nem estaria aqui. Hua… — Bocejou outra vez. — Ainda não sei porque o diretor daqui insistiu tanto que eu fosse professor, mas sinto que tem algo às ocultas aqui.
— Sua fama e poder não é o suficiente? — indagou Roberto e adicionou: — E por que acha que estariam escondendo algo?
Roberto Galeal, o Venante conhecido como Calcantino, era um homem mais direto, então achava que o posto de professor oferecido era só o natural para eles; não via nada de estranho nisso.
— Desde que entrei nesse colégio, o meu instinto… — As orelhas do Conquistador se mexeram em uma direção. Em seguida, ele apertou as sobrancelhas e disse baixo: — Um Auct ativo? — Se virou para a direção de dois adolescentes que iam para as prateleiras de armas.
— Leander? — Não só Calcantino o chamou, mas os outros colegas do lado também. Todos viram que de repente o mais baixo estava indo para outro lugar e com alguma pressa.
— Ei! Parem aí — gritou para os dois, que congelaram ao sentir sua pressão.
Leonardo e Agatha engoliram em seco, principalmente o rapaz, que conhecia muito bem aquela figura que se aproximava.
— Con-Conquistador!? — Leonardo se forçou a falar. A velocidade do outro já os tinha alcançado. — Por… Por que o senhor…
Antes que pudesse responder, Leander firmou os pés no chão na frente deles, que resultou no som do balanço da espada embainhada, calando o garoto, e apertou os olhos. Primeiro, ele encarou de cima a baixo a gótica e depois para Leonardo.
Suas sobrancelhas grossas se franziram quando vistoriou o rapaz de olheiras.
— Moleque, qual o seu Auct? — questionou. — Aproveitem e me passem o ID de vocês também.
A garota foi a primeira a protestar: — Why? Você vem com essa marra e espera que…
O olhar sério do Conquistador caiu sobre ela, fazendo-a suar frio. — Sou o professor de vocês e eu quero o ID de vocês. Quanto mais pretendem demorar? — A aura ficou ainda mais pesada para os dois a sua frente.
Leonardo percebeu que boa parte das pessoas no salão estava encarando-os.
Engoliu em seco. A sensação que esse homem o passava era como uma lâmina no pescoço; prestes a cortá-lo. — Meu ID é… — contou. — E meu Auct é… Amplificação Sensorial, senhor… — Por um instante, o medo quase o fez falar o verdadeiro Auct.
Agatha, depois de ver que seu colega falou, também disse o dela. Assim, Leander acenou com a cabeça e acessou os dados dos dois.
— Um Amplificador e uma Incorporadora… — Ele colocou a mão no queixo, levantou a cabeça e voltou a encarar Leonardo. — Matioz Klevic? Onde já ouvi isso… — falou tão baixo que ninguém o ouviu.
Enquanto isso, na mente do rapaz. “Ele sabe que eu menti? Vou ser expulso? Por que ele veio até nós?” O coração estava batendo tão forte que pensava que todos do salão podiam ouvir.
Por ter tantos segredos com Rafael, Leonardo estava escondendo a ansiedade que sentia através de uma boa convivência com seus amigos, mas logo que o primeiro estranho veio para cima dele questionando, sentiu seu mundo desabar.
— Moleque, digo, estudante Leonardo — chamou Leander. — Não se mova.
— Quê?! — Até a Agatha perguntou ao mesmo tempo.
O barulho da katana sendo desembainhada foi tão sutil, mas a sua velocidade em realizá-lo foi inconcebível na visão de todos os jovens. Os professores ficaram estarrecidos ao ver a seguinte cena.
Pendida em seu lado esquerdo, a lâmina discorreu pela bainha e em um único manejo horizontal o fantasmagórico movimento do Conquistador estava prestes cortar Leonardo ao meio.
O coração do garoto parou por um instante quando viu a fumaça que saía da lâmina que alcançou seu braço. No entanto, quando achou que iria cortá-lo, o golpe parou, e os que estavam longe da cena tiveram o vislumbre de uma rajada de fumaça azul lançada adiante dos dois jovens.
A espada, por menos de um milímetro, não o cortou, nem mesmo o tecido do uniforme foi encostado.
— Pronto. — Leander embainhou novamente e se virou para voltar aos seus colegas professores.
Suor frio dos dois jovens escorria de suas testas. Foi tão imprevisível que até um dos professores estava se aproximando com o rosto em branco.
Leonardo voltou a respirar depois do curto segundo, mas Agatha parecia ter esquecido. Seria difícil esquecer a cena do seu colega sendo partido ao meio e, pior, talvez ela em seguida.
— Conquistador! Você está maluco? — Danilo era o professor que veio. — O que foi isso tudo?! O diretor vai ficar ciente dessa atitude. — Sentia que se não fizesse algo, os alunos ficariam com medo de ter esse, em seu conceito, doido por perto.
— Não precisa disso tudo. Nem os toquei — respondeu sem se importar. — E também não ligo se contar para o diretor. Eu tive um bom motivo.
— Você quase nos mata e é isso que diz? — Ainda abalada, a voz da gótica soou nos ouvidos dos dois professores, claramente irritada. — Por que caralhos fez isso!?
Leander não se virou e apenas virou o rosto. — Também queria saber por que tive que fazer isso, estudante Agatha. Quem sabe o seu amigo aí saiba a resposta. E tome cuidado com a maneira que fala. — Pareceu desdenho e menosprezo, mas o que estava no fundo dos pensamentos desse homem era outra coisa.
Agatha estava incrédula e olhou séria para Danilo e depois o Leonardo, mas os dois não pareciam entender também.
Nesse momento, Leander se virou na direção do jovem de olheiras e disse: — Elisa, certo?
— Hã? Como… — Leonardo queria evitar falar com esse professor, mas ao ouvir o nome da sua mãe, não teve como ignorar.
O conquistador pela primeira vez sorriu, mas não parecia ser exatamente de felicidade. — Quem diria que eu veria o filho daquela monstra — comentou baixo, apenas sendo ouvido por quem estava próximo, e continuou: — Estudante Leonardo, espero vê-lo mais vezes. — Se virou e passou batido pelo Danilo.
“Por que eu sinto que isso não é algo bom?” Leonardo concluiu mentalmente. Tudo o que queria era distância desse cara agora. — Agatha, você está bem? — Depois de todo esse choque, perguntou para a menina.
— Of course not! Porra, do nada isso! — Normalmente a menina era quem provocava e não parecia incomodada com o resto do mundo, mas o susto foi tão grande que não conseguiu se conter. — This little fucker…
O garoto não sabia nem o que falar. Na verdade, sentia que se falasse algo, a raiva dela poderia ser direcionada para si, pois era o que mais acontecia quando a sua mãe brigava com ele.
Danilo chegou preocupado e falou: — Vocês estão bem? Sentem alguma dor em algum lugar?
Agatha tremia de ódio, mas Leonardo interrompeu o discurso de ódio falando antes: — Estamos. Ele só nos assustou, professor. — Mostrou bem a sua educação formada de tapa na orelha. — Obrigado por vir nos ajudar.
— Ufa! Meu coração quase saiu pela garganta, gente. Não se preocupem, vou avisar o diretor desse ocorrido. Deixem comigo! — Bateu no peito. — Por agora, escolham a suas armas. Quando todos tiverem decidido, vamos falar algo bem importante.
— Oh? Beleza então. Vamos, Agatha. — Ainda tenso, Leonardo teve que puxar a amiga pela manga para longe do professor.
O barulho voltou ao salão todo, os alunos conseguiram acalmar seus nervos e conversar sobre o acontecido por todos os lados. A maioria viu aquela cena assustadora acontecer e até os que iam pedir dicas evitaram ir na direção do Conquistador.
A gótica falou: — Como é que você tá tão de boa, Weirdo? O cara quase nos fatiou!
— Eu não estou bem também. — Leonardo sentiu muito medo naquele momento, mas não sentia raiva do professor também. Na verdade, até ficou um pouco surpreso por ter conseguido sair daquele choque tão rápido. — Mas para um pouco e me diz o que podemos ganhar buscando problema com o professor?
Os dois pararam e ficaram se olhando por um tempo. — Exatamente, nada — disse Leonardo. — E eu não achava que você seria tão explosiva assim também.
Agora, com esse comentário, as pupilas da jovem se contraíram, e, percebendo o chilique que fez, mordeu o lábio inferior. — Não… É só que…
— Calma, todos têm seus momentos. — Sorriu e adicionou: — Até eu naquele dia da briga com o Gustavo… Deixa de lado isso por agora.
— Yeah. Vai ser estranho dizer isso, mas você tem um pouco de razão. — Um pequeno sorriso apareceu nos lábios dela. — Thanks, Weirdo. — Ela deu um soquinho no ombro dele.
— Mas, então, que arma você escolheu? — perguntou Leonardo.
— Facas, uma adaga ou um punhal. Na real, nem faz tanta diferença, só quero voltar a treinar arremessos. And you?
Ele olhou para cima e disse: — Espada. Uma katana.
— Ah não… — Para ela, nesse momento, tudo relacionado a espada era um sacrilégio. — Esquece. Vou vomitar se você continuar a falar. — Se virou com as mãos para o alto e negando com a cabeça para as prateleiras, mas logo viu uma morena andando de lá para cá, mudando de expressão na mesma hora. — Olha ali.
Era a morena Luca à procura de alguma arma. Os dois aceleraram o passo para alcançá-la.
Após a cena com o Conquistador e os dois jovens, na fila dos estudantes que buscavam conselhos, uma jovem Veneditte estava nervosa. Mesmo que não estivesse lá com eles, sentiu o medo de vê-los partidos por uma espada.
A sua bem-cuidada unha do polegar agora estava roída de nervosismo. Por mais que tivesse terminado tudo bem, também achou um absurdo aquela situação.
“E se tivessem se ferido?! O que esse professor sem escrúpulos tem na cabeça? Ele pensa? Claro que sim, senão não seria professor. Nossa, será que eles estão bem? Eu deveria sair daqui e falar com eles?”
A garota estava em seu comum turbilhão de pensamentos, no entanto, a voz nostálgica foi ouvida. — Charlotte, pode vir. É a sua vez.
Por mais que a alegria de ver um conhecido de sua infância fosse boa, ainda assim foi difícil para ignorar os pensamentos maldosos que tinha sobre o Conquistador. Pôs um sorriso em seu rosto e seguiu para perto de Roberto.
— Quanto tempo, não? Lembro ainda da visita que fiz aos seus pais… Você era dessa altura. — Ele colocou a mão na altura da cintura. — E agora vai ser uma Venante.
— Papai e mamãe disseram uma vez que sentem falta de um bom diálogo com você, Sr. Galeal. — Os olhos dela estavam mais brilhantes. — Tem sido muito difícil ajudar a Guilda desde que eles saíram?
Negou com a cabeça e afirmou: — Ficou até mais fácil. Seus pais sempre foram do tipo que busca ajudar mais do que podem. — Ao terminar, abaixou o capuz, tirou a máscara e colocou os óculos. — Desculpe a falta de modos.
— Ai, não tem problema! O papai que tem essa mania de falar “olho a olho”.
— Haha. Tudo bem. Enfim… Pelo visto você quer ajuda para decidir a sua arma. — Sem demora, ativou o Nelink e procurou os dados de Charlotte Veneditte. — Você é uma Invocadora de Animálias?
A outra assentiu. Para ele, um profissional, não era muito difícil dar sugestão de uma arma para ela, mas, diferente do habitual Calcantino-direto, essa jovem tinha ligação próxima ao seu passado, então prestou mais atenção.
— Aconteceu algo para que fosse incapaz de decidir uma arma? Lembro que você não é do tipo indecisa.
Quando ouviu isso, Charlotte abaixou um pouco a cabeça e disse baixo: — Eu até tinha algo em mente… Mas não sei se estou pronta nem se vale a pena para o meu crescimento.
— O que tinha em mente? — perguntou com sinceridade.
— Queria uma espada. Para que ela e eu possamos… sabe… — Um pouco de constrangimento foi mostrado em seu rosto.
Calcantino ficou em silêncio um pouco e entendeu a situação. — É por causa da Emma, correto? Soube que ela é a vice-presidente do conselho estudantil pelos seus pais.
Ela concordou ainda com vergonha. — Isso…
— Você sempre seguiu a sua irmã… — Riu de leve. — Certo. Entendo melhor a sua preocupação e também sei que arma combina com você, Charlotte.
— E-então!?
— Uma espadachim precisa lutar de perto, já um bom espadachim é capaz de cruzar a diferença de distância. — Os olhos da jovem reluziram com a afirmação. — No entanto, uma Invocadora é dependente de sua Invocação. Não é você quem deve bater punho no punho, aço no aço, mas as suas feras. Elas são parte de você agora, sua própria arma. O que deve priorizar é como tornar seu inimigo incapaz de defender da sua arma.
Arrepios subiram pelo corpo da loira. Nunca vira alguém falar dessa forma sobre Invocadores, até porque eles eram tratados como parte de suporte nos times de operações, então não recebiam tanta atenção quanto Manipuladores, Físicos e Transmorfos.
— Com o background dos Veneditte, recomendo a arma mais desequilibrada desse local. Escolha uma arma de fogo.
— Uma pistola!? — Ficou incrédula.
Um Venante com uma arma de fogo era tão raro quanto ver um time de operação formado de Graus S. Apenas um Venante em mil escolheria uma, e muito provavelmente se arrependeria disso.
E não era porque a arma era ruim, na verdade, era tão boa que seria injusto contra a maioria das anoferramentas, mas a manutenção, melhora, desenvolvimento e produção da arma e das munições era de um valor tão alto que poderia deixar um bilionário pobre em questão de pouco tempo.
— Por agora, não será muito diferente das armas dos seus colegas, já que as munições são apenas para machucar um pouco. — Calcantino lembrou sobre a diferença das armas no salão para as anoferramentas reais. — Mas se não começar a treinar cedo, vai ser tarde demais para vencer.
Suas palavras foram diretas e firmes, trazendo certeza à garota. O seu desejo de melhora e vitória estavam borbulhando há muito tempo. Nunca esquecendo da derrota que teve para o seu amigo. Precisava de mais maneiras para lutar e essa era uma forma perfeita.
— Obrigada, Sr. Galeal! — Ela nem esperou o agradecimento da outra parte e saiu em direção das prateleiras.
O homem de óculos ficou ali com um pequeno sorriso no rosto.