Venante - Capítulo 37
— Atenção, alunos que já escolheram sua arma, podem se retirar do salão — disse Fernando. — Aproveitem o resto do dia para refletirem e, também, não esqueçam de olhar o aplicativo quando saírem. Para os que ainda não escolheram uma arma ainda, têm ainda 20 minutos para isso.
Muitos jovens estavam incomodados com essa história de Ranking, afinal trinta deles ainda seriam expulsos por ficar no final da lista.
Enquanto a maioria se movia para fora do salão, o quarteto parecia não ter a intenção de ir ainda.
— Então, o que acharam disso? — Sério, Leonardo perguntou. Estava claro em seu semblante um incomodo inusual.
— What are you afraid of, Weirdo? — Agatha olhou de soslaio para o colega. — É um colégio para Venantes, after all.
Dentre todos ali, Agatha era a mais tranquila em relação a isso.
O garoto lambeu o lábio seco e comentou: — Não estou com medo. Só não acho justa essa medida deles. Se fizessem todos nós focarmos em um só objetivo, não teria essa necessidade de criar competição.
Leonardo parafraseou algo que seu pesquisador favorito havia dito.
Era comum se imaginar que um inimigo em comum fizesse a humanidade se focar em vencê-lo, mas ele não gostou de ver esse tipo de competição sendo criada entre os jovens, principalmente estar incluído nisso também.
— O que Leo estar falando? — Luca tinha suor escorrendo de um lado do rosto, claramente abalada com essas mudanças no colégio. — O que significar “um só objetivo”?
Charlotte não respondeu a jovem, mas reforçou o comentário, dizendo: — A competição e a diferença leva a classificação de algo. Aquilo que é bom só vai ser considerado assim se for útil para a maioria. — Se virou para o pálido. — Você acha injusto ter que expulsar as pessoas que ficam no final?
A loira resumiu o discurso emblemático de Léric que Leonardo tanto considerava. Na mente dele não fazia sentido reduzir o número total para impulsionar o restante. Todos ali queriam ser Venantes — pessoas que arriscariam suas vidas uma hora ou outra em prol da humanidade.
Ele assentiu para a pergunta da amiga.
No entanto, diferente do que os três imaginavam, Charlotte o encarou sério e expressou: — Não é injusto. A humanidade lutou por mais de cem anos contra essas Anomalias e conseguimos progredir mesmo em desvantagem. Tudo isso graças a competição gerada entre nós mesmos e conosco contra eles.
O rapaz apertou as sobrancelhas e o cabo da katana com força.
— Você sente orgulho em dizer isso? O progresso conquistado até aqui foi feito por aqueles que morreram; esquecidos por todos. Não adianta lembrar só dos grandes nomes, quando não foram apenas eles que fizeram parte disso. — Bateu a ponta da espada no chão. — Então você está feliz em apenas ser mais um entre muitos? Que pode ser esquecida por não ser capaz de ser útil?
Luca e Agatha piscaram os olhos algumas vezes com o início do debate dos dois, tamanha surpresa.
A morena olhava de um lado para o outro, tremendo e buscando algo a dizer para interromper. E a gótica mostrava curiosidade, já que nunca viu os dois discordarem assim.
Cruzando os braços, a loira franziu os lábios em insatisfação.
— Então você só entrou aqui porque quer ter o nome conhecido? Seu desejo de ser Venante é algo tão fútil quanto dinheiro ou fama? Você fala de orgulho e dos nossos antecessores, mas veja bem! — exclamou confiante. — Não me interessa se eu falhar, ser inútil aos olhos dos outros, eu vou ter feito a minha parte como Venante. E, pelo visto, eu entendi você errado, Leonardo.
Se sentindo com razão ainda, o garoto balançou a cabeça e suspirou com o nariz.
— Para uma Veneditte deve ser fácil dizer isso. Tem a fama, dinheiro e contatos desde sempre, não é? Você não entenderia o que é ser esquecido mesmo se quisesse, Charlotte.
— Como é?! — Em raiva, avançou alguns passos.
Quando estava prestes a chegar no garoto, Agatha apareceu no meio e demandou: — Enough, you two. Já deu pra ver que vocês têm opiniões diferentes. Agora parem com essa DR.
Em meio aquele barulho todo de jovens saindo e conversando, os quatro estavam em silêncio, apenas com leves bufadas de ar dos dois que discutiram.
As mãos de Charlotte tremiam de raiva, mas ainda assim assentiu para a colega que interrompeu. Ela não deixou de encarar o garoto.
Os olhos dele estavam apertados, com uma sobrancelha trêmula. Era a mesma expressão de desconforto que Leonardo mostrou quando a pegou pelo pulso. Estava claro que certos assuntos faziam o menino perder toda aquela quietude usual.
Ela abaixou o rosto e, evitando ver a raiva dele, respirou fundo três vezes. Era o suficiente para estudar o que fez pelo calor do momento.
“Não sinto que falei algo errado, mas… Se ele ficou assim…” Por mais que soubesse que falou o que acreditava, sentia-se ter cometido um erro. O erro de irritar um amigo. — Me descu…
— Charlotte, — Leonardo interrompeu com uma voz rouca — pode me olhar nos olhos?
Para não só a surpresa dela, as três viraram para ele. Sua mão esfregava a nuca, mas até tinha dificuldade em olhá-la nos olhos de vez em quando.
— Eu que errei. Desculpa. O que você disse… Eu… — Bateu o pé algumas vezes no chão, até que a encarou diretamente e exclamou: — Certas coisas que falou… me machucam. E eu sei… sei que isso é um problema meu. Só que não é algo fácil para mim. Desculpa de verdade.
Ele apertou os olhos com os dedos, evitando que vissem as lágrimas que poderiam cair.
Charlotte ficou ainda mais sem jeito, sentindo-se pior. Não sabia como a sua opinião fez o garoto se machucar.
A verdade era que Leonardo não sabia lidar com esse tipo de pessoa.
Luiz, seu pai, tinha uma opinião parecida; se tem o poder para ajudar, então ajude. Exercer a sua função da melhor forma possível e sem se importar com o resto, era tudo o que importava.
O garoto notou que a amiga entendia muito bem isso — que seu objetivo era aquele e não importava se falhasse, desde que tentasse. No entanto, para o jovem que sofria com o esquecimento do seu pai, sentia que era injusto.
Não importava se a pessoa fizesse de corpo e alma aquilo que acreditava, sua família, amigos ou conhecidos, sempre existiria alguém que sofreria pelas decisões finais. Seu pai fez o que amava, mas isso custou muito de Leonardo, então não havia como aceitar isso.
Por melhor que fizesse, foi esquecido. O esquecimento dele destruiu o sonho do jovem que queria ser como o seu herói.
— Leo, — iniciou Charlotte, com um brilho incomum nos olhos — não sei o que dizer… Me desculpa também. Mas, por favor, não destrate o nome da minha família por algo assim. — Apertou a saia com força. — Eu sei que você não veio aqui para ser famoso ou algo assim; você não é esse tipo de pessoa. E eu não vou ser uma Venante que vai ser esquecida. Eu vou ganhar e vou continuar a ganhar, Leo. Lembre-se bem disso. — Seu discurso terminou com ela apontando em direção a ele.
O jovem sentia que a saliva que engoliu foi escutada por todos. Aquelas últimas sentenças proferidas o fizeram surdo ao barulho dos arredores, dos jovens que falavam alto, dos professores guiando os grupos… Escutou apenas a declaração final.
Ele sorriu, um sorriso honesto. — Sim, Charlotte. Eu me enganei em ter pensado isso de você. — Por algum motivo, a imagem da sua mãe passou em suas memórias. “Ela teria dito o mesmo.”
Até a surpresa Agatha mostrou um sorriso. Os dois pareciam ter se ajeitado no instante seguinte. Eram como duas crianças que brigavam uma hora e logo depois estavam brincando juntas.
Luca estava com a mão no peito, aliviada de que nada demais aconteceu.
Nesse momento, Charlotte, ainda com o braço estendido e com o indicador apontado em direção ao rosto dele, falou: — Leonardo, eu, Charlotte Veneditte, te desafio para um combate.
Os olhos de Luca subiram e ela quase desmaiou… A discussão não tinha terminado!
Até Leonardo pareceu confuso com isso. — Hã? Por que isso do nada? Foi pela discussão? Eu…
— Não. Eu disse antes, não foi? Eu queria falar algo contigo, e é para isso.
— Mas por que esperou isso para agora?
— Naquele dia… Você desistiu porque não tinha uma arma — disse Charlotte, séria, e logo apontou para a espada na mão dele. — Agora é diferente, Leo.
“Ela esperou até hoje por isso?” na mente dele, era quase inacreditável, na verdade, quase idiota essa competitividade. Não aceitar que ele mesmo pediu pela derrota no final… era a perfeita definição de infantilidade para o jovem.
Porém ninguém podia dizer isso para ela. Sua vontade era real e seus olhos, diferentes de quando provocada, eram de convicção. Não seria possível fazer graça disso.
— Certo, Charlotte. Eu aceito. — Assentiu. — Só vou te pedir por um tempo. — Ele balançou a katana, para mostrar o motivo.
— Sim, eu também preciso treinar. — Ela sorriu graciosamente.
— Quando sairmos daqui, vamos ver as regras e planejar isso então. Tudo bem?
A loira assentiu, animada.
Agatha, revirando os olhos, falou: — Seriously. Eu aqui achando que iam se matar no soco, mas tudo isso era para marcar a porra de um encontro.
— Encontro? — Luca que ficou em choque. — Eles ser namorados!?
— Não! — Os dois responderam junto.
Com um debate tão acalorado dos dois, o grupo continuou a conversar um pouco mais.
Luca demonstrou seu medo de ficar nos últimos lugares, por não participar demais dos desafios, e a Agatha não ligava muito sobre isso, já que confiava que poderia ficar entre os que passariam.
Charlotte mostrou uma clara determinação de ser ativa nisso tudo, enquanto Leonardo estava pensativo ainda.
Dessa forma, quando boa parte dos alunos já havia saído do salão, o quarteto se dirigiu para saída, sem aquele barulho todo de antes.
No momento que o elevador começou a subir, o Nelink de todos soou.
— As armas pessoais entrarão em modo adormecido.
Eles olharam para as suas mãos e viram apenas um cubo branco com leves luzes azuis. Essa era uma das medidas para que os jovens não usassem as armas em local não-permitido. Além disso…
— Seu ID e digital foram anexadas na arma. Agora é possível rastrear a arma, caso a perca. — As vozes robóticas, diferentes por causa das configurações dos alunos, proferiram.
Leonardo não estava preocupado em perder a arma, por mais descuidado que fosse. No entanto, para a maioria dos jovens, era comum perder as coisas dessa forma.
Além disso, esses avisos eram um sinal da atualização que os professores comentaram antes. Quando a porta do elevador abriu, todos ligaram o Nelink para saber a mudança nas aulas e as regras dos desafios.
Boa parte dos alunos já havia saído do prédio, então estava bem quieto para os quatro poderem analisar.
Leonardo foi direto para as disciplinas.
“As aulas com os três serão obrigatórias?” Notou que independente do horário do clube ou ano colegial, todos seguiriam essa regra de prioridade.
As aulas com Calcantino, Verbona e o Conquistador aconteciam em dias definidos e todos primeiranistas deveriam fazer parte.
“Então até os veteranos tem professores com disciplinas fixas nesses dias para isso funcionar?” Colocou a mão no queixo. “Calcantino vai dar aula uma vez por semana e a Verbona vai ser quinzenal…”
Na concepção do garoto, isso fazia sentido, afinal era muito mais importante os alunos desenvolverem seus Aucts. E ainda ficou mais curioso sobre as aulas na estufa.
“E as aulas com o Conquistador são mensais… Mas são aulas que duram por quase meio dia também.”
As notas nas outras matérias ainda seriam importantes, porém não seria mais necessária a presença do aluno, desde que fizesse as tarefas entregues pelo aplicativo e visse as aulas gravadas.
Depois de avaliar essa mudança, Leonardo clicou no novo botão no aplicativo: Ranking de Desafios.
No topo havia 3 abas — primeiro ano, segundo ano e terceiro ano. Ele ainda lembrava que no prédio principal tinha um tal “quarto ano” do colégio, então ficou curioso sobre o motivo de não ter um Ranking para isso.
Quando apertou na aba do primeiro ano, viu que não havia dados. Nenhuma posição estava disponível.
“Deve ser porque todos tem a mesma pontuação…”
No canto inferior direito da tela, mostrava a pontuação do Leonardo: 500 P. Ele não se importou muito e apertou no botão de regras.
Levou alguns minutos para que entendesse tudo o que estava escrito.
“Então são três desafios que se pode fazer em um dia e três combates que pode realizar.” Seu pé batia de leve no chão, enquanto refletia. “A quantidade de pontos recebidos é definida pela dificuldade que o supervisor considerou que o ganhador teve.”
Leonardo estava praticamente mastigando todos os contextos que poderiam ter em cada regra.
Até considerou que os supervisores poderiam tirar mais ponto do que devia em certas situações, mas viu que o registro do combate ficaria salvo e, caso um aluno viesse a contestar a perda dos pontos, mais supervisores avaliariam. E, acima disso, também existia um valor mínimo e máximo que os supervisores deveriam respeitar.
No entanto, a atenção do jovem estava em duas áreas distintas: desafios com veteranos e troca de pontuação.
O primeiro caso fez lembrar de Marcos, que parecia ter interesse em desafiar os veteranos. Nas regras dizia que a pontuação que um primeiranista pode conseguir contra um veterano era muitas vezes maior do que do próprio ano.
Claro, a perda de um veterano era um evento raro, já que a pontuação que o ganhador recebia vinha direto do perdedor. Perder tantos pontos seria uma vergonha e poderia até acarretar em expulsão da escola.
Porém havia algo que fazia os veteranos quererem jantar os calouros com tanta pressa: as trocas de pontos. Por serem alvos fáceis, a pontuação aumentaria em grandes quantidades, por mais que viesse o mínimo por cada desafio.
Essas recompensas que poderiam receber através dos pontos eram tentadoras o suficiente. Qualquer ponto a mais era uma garantia de troca e ainda de se manter no Ranking.
E havia duas regras que o Leonardo ficou intrigado…
“O aluno precisa aceitar um desafio de um aluno do mesmo ano a cada semana, no mínimo.”
“Desafios de anos acima não são obrigatórios para se aceitar.”
— Competição leva a melhoria… Agora entendo melhor. — Os murmúrios do jovem mostravam o dilema que enfrentava.
Antes de sair do elevador, ele sentia que não queria fazer parte disso e só ficaria numa zona segura para não ser expulso, só que agora ele tinha clicado no botão de troca de pontuação…
100 P. – Sorteio de um acessório de defesa.
150 P. – Acesso a um documento sigiloso de Venantes Grau C.
175 P. – Sorteio de Elixir Menor.
200 P. – Acesso a doc. sigiloso de Venantes Grau B.
…
300 P. – Equipamento de defesa personalizado.
350 P. – Acesso a doc. de treino para uma Categoria.
400 P. – Arma extra do Salão de Armamentos.
…
750 P. – Escolha de um Elixir Menor.
800 P. – Acesso a doc. secretos de Venantes Grau B.
850 P. – Acesso a doc. de treino para uma Sub/Classificação.
900 P. – Sorteio de Elixir Médio.
…
1000 P. – Acesso a área de treinamento intensivo por 1 dia.
1250 P. – Sorteio de um Anofamiliar recém-nascido.
1500 P. – Anoferramenta de suporte.
2000 P. – Acesso a doc. secretos de Venantes Grau A.
…
4400 P. – Escolha de um Anofamiliar recém-nascido.
4500 P. – Treino em uma Raide de Grau Médio.
4800 P. – Seleção de uma Anoferramenta Particular.
5000 P. – Participação do Quarto Ano.
E as coisas mudaram agora.
Agradecimentos:
É a primeira vez que faço algo como dedicatória, mas espero que gostem, meus queridos apoiadores do plano Despertado até Perpétuo:
Meu imenso agradecimento aos Despertados:
Pedro Kauati e Bruna Bernadino
E tão incríveis quanto, os meus Perpétuos FODELHÕES:
? Paulinha Foguetão, Cecília Cadengue e Alonso Allen?
Se você tem interesse de ter de fazer parte desses apoiadores fodas para caralho, ver coisas inéditas dos projetos, faça o seu apoio também e ajudem a levantar ainda mais esse nicho.
E, não menos importante, leiam a obra do Alonso, esse perpétuo que também é escritor da Kiniga: Guerra, o Legado no Sangue