Venante - Capítulo 39
Leonardo, após se despedir de Júlia e Charlotte, estava com uma expressão atípica. Olhava para todos os lados com demora. Quase como se não reconhecesse o ambiente que estava.
Era ainda pela manhã, mas o barulho de jovens agitados andando, conversando e fazendo suas coisas era possível de ser escutado de qualquer canto do campus.
— Que estranho… — disse o garoto de olheiras. — O colégio sempre foi animado assim?
Agatha franziu o cenho e estranhou a pergunta. — Yeah… Por que dessa pergunta?
— Leo estar cansado de ontem? Querer descansar mais?
Por mais que estivesse vivendo ali há poucos meses, o jovem percebeu coisas que não tinha visto ainda.
Antes mesmo de ser aprovada a matrícula, sabia que o colégio Marvente era muito popular na escolha de futuros Venantes em Santa Catarina, uma escolha comum para famílias influentes, e era repleto de alunos…
Mas, agora, vivendo uma vida colegial dentro desse campus, era diferente na sua visão ou imaginação. Foram poucas interações com outras turmas e colegas, na verdade, quase nulas além das amizades que fez.
— Não é isso. Eu só sinto que as coisas mudaram, sabe? — Ele olhou para as garotas, duvidoso das próprias palavras. — Sempre teve tanta gente por aqui pela manhã?
Logo que comentou, enxergou um grupo de veteranos do segundo ano. Uma tinha um pequeno lagarto no ombro e os outros carregavam mais de uma arma e acessórios presos no uniforme.
Leonardo não sabia dizer o que era. Sentia-se como estivesse cego até momentos atrás. Mesmo a experiência de ir para um Portal com Rafael não o havia acordado para algo assim.
A mudança real foi a percepção do rapaz sobre o colégio e seu sistema. O ranking, os desafios, a loja… Ele estava tão preso na própria ilusão de futuro que não parecia notar sobre o que o rodeava.
— Agora que falou, está mais animado mesmo. — Agatha concordou e assentiu de leve.
Respirando fundo e pensando sobre o assunto, ele concluiu: “Eu não tinha parado para prestar atenção… Eu estou competindo com eles desde que cheguei.”
Podia ser algo comum para pessoas competitivas ver dessa forma, como Charlotte mesma comentou, mas Leonardo era o oposto. Ele vivia uma vida que o forçava focar em si e só daria atenção para o que o afetava.
Ele não tinha gravado o rosto da maioria dos colegas, mesmo estudando com eles; nem seus nomes ou o que responderam sobre o motivo de quererem ser Venantes na primeira aula.
Tudo o que sabia era que eram colegas.
Apertou as sobrancelhas com força e se sentiu estranho com essa reflexão. “Desde quando eu mudei?” Não era possível saber, afinal fora natural.
Continuou a olhar para os lados: adolescentes de todos os tipos andavam, conversavam e se divertiam com seus amigos. Mas ele nunca prestou atenção nisso.
Nesse momento, os cantos dos lábios se levantaram. Por mais bizarro que fosse, sentia que era algo bom.
— Eu quero melhorar. — Inconscientemente essas palavras saíram da boca dele.
— Leo estar mais estranho, Agatha! — Luca ficou atrás da gótica, com medo da estranha atitude do garoto.
O jovem sentiu algo que há muito não sentia — algo que só em sua infância sentira. Algo que estava borbulhando devagar em seu peito, desde o dia que ativou seu Auct pela primeira vez.
O mundo parecia mais claro, menos vazio e ocioso. Diferente de ser animado pelas palavras de outros, era um sentimento genuíno de querer crescer.
— Weirdo, você já é esquisito, dá pra parar de falar sozinho?
— Vamos logo. Quero me alongar! — Leonardo exclamou levantando o punho para cima, ignorando os desconfortos musculares do dia anterior.
— Leo estar estranho! Ir embora, Agatha. — A morena puxava o braço da amiga, tentando se afastar do garoto.
Em outro lugar, Charlotte e Júlia andavam em direção do Prédio Esportivo para encontrarem a Miranda, a outra colega de quarto delas.
— Será que ela já escolheu a arma e foi correndo para a pista? É, é provável que tenha feito isso. — A loira refletia, séria. — O que acha? — Se virou para a amiga, em busca de uma confirmação.
No entanto a Júlia estava com o lábio apertado, segurando o risinho, e nem sequer respondeu. A expressão de deboche estava estampada na cara dela.
— Hmmmm… Sim, sim, deve estar lá — falava em um tom forçado de concordância — Então, o que acha que o Leonardo vai pedir…?
Charlotte bufou e respondeu sem paciência: — Não interessa, e nem quero saber também.
— Não quer mesmo, mesmo… Mesmo?
— Não! — Virou o rosto, ignorando a amiga.
Ao ver que a provocação não ia funcionar, Júlia se “grudou” no braço dela e gritou: — Ai, Lô! O menino tá segurando a vontade de pedir algo e você nem me diz o que pode ser?! — Berrava com desespero fingido, esperando que a loira fraquejasse. — Você vai me matar de curiosidade? A sua linda e maravilhosa amiga? Não tem pena, não?
— Jú, — olhou séria para a amiga — você não vai morrer disso. E eu não sei o que pode ser. Pode, por favor, parar de insistir no assunto?
As duas se encararam um tempo. Após passar tanto tempo com a jovem Veneditte, estava acostumada com alguns pontos de atitude da outra.
Não era que Charlotte estivesse incomodada de verdade. Ela entendia que essa cara séria da amiga era como uma forma de proteção — já que, enquanto segurava a mão da amiga, sentiu tremer de ansiedade — mas não falaria sobre.
— Tá bom. — Soltou do braço da amiga, fez biquinho com os lábios e resmungou baixinho: — Por que você sempre fica toda séria depois de sair de perto deles?
Charlotte suspirou. Havia um motivo mais interno para essa resposta, mas nem a própria saberia como formar uma resposta sobre ela conseguir se manter composta com os outros, mas, quando se tratava do outro grupo, até as coisas mais banais pareciam enormes.
Por um momento, na mente da jovem Veneditte, a imagem de uma garota de cabelo curto loiro surgiu.
— Será que ela saberia me responder?
— Quem?
— Hã? Eu falei algo?
— Ué, tá biruta, amiga? Pegou a mania de falar com os espíritos da Agatha?
Ela não tinha percebido que falou sozinha, mas achou engraçado como a amiga definiu o hábito da gótica; a fazendo rir e deixar a seriedade de lado.
Após caminharem por alguns minutos em direção da pista de atletismo, a dupla parou. Era um local quase sem pessoas, já que os clubes ainda estavam organizando suas inscrições e era muito cedo para os veteranos praticarem.
A pista de atletismo ficava próxima do Prédio Esportivo, onde ficava quase todos os clubes esportivos e outras quadras.
De longe, próximo à entrada de uma das quadras, quatro figuras cercavam algo.
Como o terreno das quadras ficava mais baixo do que o caminho dos edifícios escolares, Charlotte e Júlia puderam ter uma visão disso.
— Amiga, eu tô vendo o que eu tô vendo? — Júlia coçou os olhos e desceu um degrau da escada.
— São segundanistas brigando?
Charlotte reconheceu a leve mudança nas linhas de cor do paletó e gravata deles.
— Vamos descer e ver o que tá acontecendo.
As duas se apressaram e começaram a descer os lances da escadaria.
Naquela confusão, um dos garotos gritou: — Seu puto, vai mesmo se meter nessa!?
Não houve resposta de volta.
— Bate nesse nele logo e vamo resolver o que tem pra resolver com essa nojenta ali. — Uma garota falou e cuspiu.
O fungar constante de alguém chorando foi escutado.
O grupo, composto de duas garotas e dois garotos, estava claramente incomodado com as duas pessoas do meio. Um dos garotos dobrou as mangas do paletó até o cotovelo e deu um passo para frente.
Mais à distância, Charlotte escancarou os olhos e pisou forte em direção daquela situação. Só que seu braço foi segurado pela Júlia, que colocou o dedo na frente da boca. — Shhh!
A loira estava indignada. Ela não acreditava que sua amiga estava a impedindo de parar aquilo.
— Lô! — advertiu em voz baixa — Não tá vendo quem tá ali?!
— E isso importa? Temos que parar aquilo! — exclamou em voz alta.
— Amiga! — Ela tapou a boca da garota. No entanto era tarde demais, o grito da Charlotte fez o grupo olhar de volta.
Assim que isso aconteceu, a jovem Veneditte viu quem estava entre os veteranos. Uma garota ruiva estava caída no chão, chorando, e de pé estava um jovem loiro, mais alto que os outros.
Foi impossível não o reconhecer. Era Marcos.
Ele estava com uma expressão sombria, olhos apertados, sujeira em sua roupa e seu lábio escorria uma linha de sangue.
Quando viu que duas garotas chegaram, sua boca se abriu. — Vão continuar ainda? — Sua voz saiu rouca, fazendo-os olharem de volta para ele assustados.
Um dos quatro veteranos gritou: — E quem é você para ficar defendendo um lixo desses, filho da puta? — Sem demora, desferiu um soco na costela de Marcos enquanto falava: — Que fique bem avisa…
Assim que seu punho encaixou na lateral do loiro, sentiu o osso ser acertado, mas, em sua frente, a situação era diferente.
Nem sequer um passo para trás. Não tremeu ou mostrou incômodo. Marcos se manteve parado em pé e apenas apertou as sobrancelhas quando sentiu o impacto do golpe.
Sua voz rouca soou de novo: — Vou repetir. Querem que mais gente se envolva?
Charlotte já estava correndo em direção deles, seguida da Júlia, que não queria se envolver nesse rolo.
— Ch! Bora! Deixem esses dois merdinhas aí.
O grupo correu dali, evitando as duas que vinham.
Por mais que mantivesse firme, Marcos estava com a visão embaçada e todo dolorido por causa dos socos, mas, mesmo assim, se virou e olhou a garota ruiva atrás dele.
— Você tá bem? O que fizeram além de te derrubar?
— Eles… Eles… Por que… comigo?
Ignorando a dor, o loiro se agachou e estendeu a mão. — Segura. E não precisa ter medo, eles não vão mais aparecer na sua frente.
Nessa hora, o pó foi levantado com a interrompida da corrida de Charlotte.
— Como estão?! O que aconteceu? Por que eles fizeram isso com vocês?
Ela analisou a aparência dos dois. A garota estava com o rosto inchado de tanto chorar e os joelhos ralados pelo empurrão. Já Marcos estava com claras marcas de agressão pelo corpo.
— Vou chamar o supervisor! Um minu… — Assim que ia usar o aplicativo do colégio, foi interrompida.
— Não precisa. — Ele respondeu em alto tom.
A loira mostrou clara expressão de dúvida, mas quem falou foi a Júlia, que chegou ofegante pela corrida: — Marcos?! Hah…! Que aconteceu aqui?!
O loiro encarou as duas com olhos assustadores. Sentiam como se um touro estivesse pronto para atacar qualquer um na sua frente.
— É melhor não se intrometerem. — Seu rosto tremia de dor e raiva; recusava-se a demonstrar um motivo sequer para sentirem pena dele. — Esse é um problema meu.
— Ai! Ai! — Leonardo gritava.
— Just a little more…
O garoto estava sentado sobre o tapete de yoga, com regata e short pretos, de pernas estendidas e suas costas sendo pressionadas pelo joelho da gótica para que descesse mais o torso.
— Isso dói! Ukh! Tá me… matando! — Era difícil ter o fôlego para falar e a tortura do alongamento combinado com a dor acumulada de outros dias não era algo fácil de lidar.
— Leo não estar animado para exercitar antes? — Luca perguntou, conforme analisava a dificuldade do garoto em alcançar os dedos dos pés com as mãos.
Kec kec kec!
A coluna dele estalou por completo no momento que Agatha colocou mais peso.
— Alright. Conseguiu tocar os dedos finalmente. — Ela secou o suor da testa com uma toalhinha preta estampada com uma rosa dentro de uma caveira. — See? It was easy.
Luca piscou os olhos, porque na sua frente restava apenas a casca vazia de Leonardo; o espírito dele já tinha saído do corpo há poucos segundos.
Depois de limpar o suor, Agatha, agora só de short esportivo e cropped fitness, colocou a toalha sobre os ombros e comentou: — It’s funny, você tem melhorado bastante em pouco tempo. — Pegou uma garrafinha de água e deu uma golada. — Treinava antes?
Vindo do além, o que restava do garoto respondeu: — Nunca…
— Hm… Belê.
— Mas ser verdade. Leo não aguentar no primeiro dia os aqueci… aquecimentas. As alongame… alonga… Ah! — esbravejou de raiva por não conseguir falar.
— Alongamentos — corrigiu Agatha.
— Isso. Palavras difíceis! Alongamentos ser ainda mais difíceis para Leo. Hoje ele conseguir! E só fazer uma semana.
De fato, quando Leonardo começou a se exercitar com as garotas, o corpo dele já se cansava em fazer os exercícios de aquecimento.
O garoto era tão acomodado que a Agatha teve que mostrar como fazer polichinelos, polisapatos, saltitos, saltitos laterais e outros exercícios básicos para bombear sangue pelo corpo.
Foi uma cena estranha no início, já que ver a gótica fazendo movimentos rápidos era incomum; quase que cômico ao rapaz. Normalmente ela só faria posições do contorcionismo, lentas e sem pressa, enquanto falava sozinha.
Mas o que elas não esperavam era que, depois de tamanha humilhação e risadas das duas com a sua falta de capacidade motora e física, ele começou a usar seu Auct para gravar e repetir os movimentos de Agatha.
O resultado foi numa melhora considerável na sua repetição, porém, diferente da Simulação, o corpo de Leonardo cansava muito rápido quando praticava fisicamente.
Assim que a Agatha percebeu que o colega de olheiras tinha uma velocidade de adaptação e aprendizado nos exercícios, começou a torturar aplicando diferentes tipos de aquecimento e alongamento nesses últimos dias.
Do dia anterior para esse, ela decidiu focar apenas em melhorar a flexibilidade dele um pouco.
— Beleza, vamos ver se você consegue abrir bem essas pernas. Tenta fazer um espacate.
— Quê?! — A alma dele voltou ao corpo só para gritar com essa ordem.
— Deixa de ser Dramaqueen. É só tentar. Se liga como eu faço. — Sem qualquer dificuldade, a gótica fez um espacate frontal perfeito na frente dele.
— Eu não sou você e eu também tenho… — Leonardo olhou para baixo, em direção do seu companheiro. — Você sabe muito bem!
Agatha sorriu com o argumento. — Sossega, você não vai conseguir nem tocar o chão, então essas bolas não vão sentir nada. Bora! — Deu um tapão na bunda dele.
Desde que começaram a treinar, a gótica e ele se davam cada vez melhor. Ela até falava mais nesses momentos.
Depois de quase se rasgar no meio, Leonardo continuou a alongar a parte superior do corpo e foi para os exercícios que Rafael o passou.
Por pior que estivesse, esses exercícios eram obrigação dele em realizar: tinha a parte da musculação básica — flexões, abdominais, agachamentos e outros básicos — e a de reflexo e tempo de reação — lançamentos que a Agatha faria para ele e até desviar de uma bola que tentaria acertá-lo de muitos ângulos.
Havia uma parte sobre velocidade, mas dentro do dormitório era quase impossível treinar isso. Então decidiu que faria isso quando entrasse nos clubes; pelo menos, passaria menos vergonha quando fosse treinar corrida.
Nessa última semana, o garoto compreendeu muito mais as partes do corpo e sua capacidade atual. Simular os exercícios que a Agatha o fazia passar era uma ótima forma de tentar estudar os movimentos que tinha que fazer.
Mesmo o treino de reflexo e o de velocidade ainda podiam gerar resultados pela Simulação.
No fim, exausto do treino e coberto de suor, foi tomar uma ducha fria.
— Primeira sessão de exercícios feita. Falta mais duas… Hah… — Rafael não havia pegado leve com ele, separando cada conjunto de exercícios impostos pelas três partes do dia. “Mas hoje não é só isso… Vou poder finalmente me logar!”
O amor dele podia ser aproveitado, afinal, não tinha aula hoje!
Com seus dias sobrecarregados com 3 sessões de treinos e aulas, apenas os fins de semanas lhe davam algum tempo para jogar, já que nos outros estava tão exausto ao ponto de nem ter tempo para jogar.
Podia ajeitar o horário do sono, a alimentação, adicionar uma rotina com exercícios, mas jamais, em hipótese alguma, ele largaria Ambição Real. Mesmo que só pudesse jogar uma vez por semana, aproveitaria do fundo do seu coração.
Era o seu maior vício, o local onde podia encontrar seus amigos, a sua paz; definitivamente era o legado dele.
Agarrou o seu querido capacete VR que o tanto acompanhou e colocou sobre a cabeça. No topo da sua visão constava o horário, faltando duas horas para o almoço, que era uma refeição que seu corpo necessitava com urgência.
— Só um pouquinho, Leonardo. Só vai jogar um pouquinho. — Tentou se convencer disso.
E, sem demora, iniciou o jogo “Ambição Real”.
Agradecimentos:
Meu imenso agradecimento aos Despertados:
Pedro Kauati e Bruna Bernadino
E tão incríveis quanto, os meus Perpétuos FODELHÕES:
? Paulinha Foguetão e Alonso Allen?
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