Venante - Capítulo 44
Um pouco de vapor de suor subiu levemente após a retirada do VRC. Por mais que tivesse apenas passado duas horas, parecia que na verdade tinha passado mais de anos lá.
Leonardo suspirou descontentado. Se não fosse pela fome o tomando neste momento, passaria mais horas jogando até o próximo treino chegar. Já estava visualizando o próximo dia que poderia voltar para aquele mundo virtual e curtir sua vida como Flaw.
Bghurrrr!
Só que o ronco da barriga não podia mentir o esforço que ele esteve exercendo.
— Não dá pra esperar mais… — abriu a porta do quarto e procurou algum sinal de vida ali.
No sofá, como de costume, estava a Agatha assistindo alguma coisa no Nelink dela. Leonardo deu uma olhada longa para ver se a Luca estava escondida de alguma forma, e logo conferiu: — Luca…?
— No quarto, Weirdo — a gótica nem mesmo deu um segundo para esperar e continuou a scrollar pela tela holográfica até parar em um vídeo sobre eclipse. — Oh…
Refletindo se ainda insistia, Leonardo se dirigiu até o quarto da morena e deu uns toques na porta. — Luca? Quer almoçar comi…
— Não dar! Estar ocupada! — Um estrondo podia ser ouvido de dentro do quarto. Parecia até que estava derrubando uma parede. — Arrumar a quarto hoje! Asif, Leo!
O garoto ficou até impressionado. De todos os dias, hoje que era folga, ela ficaria arrumando o quarto? Ele até parou para pensar que ele mesmo nunca fez isso desde que se alojou. Continuava com todo aquele minimalismo sem graça.
Aceitando que a Luca não seria sua companhia, uma mão magra de unhas escuras lhe deu um tapinha no ombro. A voz arranhada e cansada parecia até encontrar um novo timbre minimamente animado. — Poor little thing… Quer que eu te acompanhe hoje, lonely Weirdo?
Leonardo sabia que ela estava se divertindo do “fora” que levara. Numa forma de desafiar, ele olhou bem para a cara dela e disse: — Acha mesmo que eu vou me rebaixar e pedir depois de falar isso? Fica aí e aproveita esse pirulito na boca.
— Qualé, não é um pirulito desse tamanho que satisfaz a fome de alguém. — Pop! O pirulito saiu da boca dela, e a gótica sorriu enquanto perguntava: — Ué, que carinha é essa?
Fechou os olhos e crispou os lábios. Ele não sabia como essa menina conseguia distorcer tudo o que ele falava. Ela literalmente ignorou a resposta dele e só focou na parte com duplo sentido!
“Como é que eu vou falar algo depois disso?!”
Agatha se virou e caminhou até a saída do dormitório deles. — Bora. I’m starving.
Em uma derrota muda, Leonardo andou até o lado dela. Já fora, o campus estava mais barulhento do que nunca. Alunos correndo de lá para cá nos corredores, com todo tipo de palavrão e assunto sem sentido sendo dito a torto e a direito. Um dia de folga na Marvente era algo pouco visto, então todos estavam aproveitando ao máximo para curtir.
Leonardo e Agatha desviavam-se dos alunos até sair do prédio do dormitório deles. O barulho começava a diminuir um pouco ao menos.
— Look, Weirdo, vou falar algo que é para ficar entre nós, got it? — começou com um tom leve até a chegada da pergunta, que ficou mais séria. Leonardo estranhou, mas anuiu com a cabeça. — Cê tem se esforçado mesmo, né? Seriously, quando veio com aquele papo de treinar, jurei que ia desistir no primeiro dia, sabia?
Muitas coisas passaram na cabeça dele nesse momento. Sentia que foi insultado, mas depois de lembrar dos quantos gritinhos finos deu nos primeiros dias, enquanto a Agatha tinha que ser persistente, sabia que não tinha o direito de replicar. — É. Eu também achei…
Ela colocou as mãos nos bolsos do paletó e andou um pouco mais rápido. — Your dedication really impressed me. — Parecia que não queria que ouvisse, mesmo que estivesse o elogiando. — Tá mandando bem esses dias, Weirdo.
Leonardo até ficou sem reação e ficou para trás com o que ouviu. “A Agatha falando bem de mim? Ela?”
Com uma virada rápida, a gótica voltou pra perto e deu uma cotovelada no braço dele. — E vê se não desiste só porque tá dolorido.
— Ukh! Tá… bom… — esfregou o braço acertado. Não podia nem ficar preso nesse assunto, senão provavelmente levaria outro golpe. — Então, Agatha, você parece estar mais calma com aquilo do professor Conq…
Crack! Crrac crac crac.
Aquela mordida inicial no pirulito o parou de continuar a falar. Alto e claro. Ela deixou bem claro que não queria ouvir mais sobre isso.
— Don’t remind me of that, okay? — olhou para trás, como um último aviso, enquanto ainda mastigava o que restava do pirulito. — Eu vou me vingar daquele anão. Só que não agora. Estou com fome.
— Entendi. — Leonardo até achou que poderia abordar mais do assunto do Conquistador, mas parecia melhor só ir para outro tópico. — E o que achou da loja dos desafios? Tem alguma coisa que te interessou?
A sobrancelha dela se ergueu por um leve instante e seu nelink foi ativado. Dava para ver por trás que estava procurando algo na loja.
“O que será que poderia interessar ela? Será que uma arma extra? Não. Ela mesmo falou que não tinha tanto interesse no salão… E também não parece do interesse dela ficar pesquisando os documentos.” Os olhos de Leonardo fixaram no mover dos dedos dela na tela holográfica, sem ter a certeza do que viria.
— Elixir. Yep, it’s freakin’ awesome — concordou sozinha.
O garoto não pareceu tão surpreso inicialmente, já que as escolhas eram bem reduzidas para uma personalidade tão única quanto da Agatha. Elixires eram conhecidos como os tônicos que salvavam vidas. Era comum muitos Venantes ficarem sem Energia depois de usarem seus Aucts por muito tempo, também havia o caso do cansaço físico culminante dos treinos e sobrecarga, e aí que entrava os Elixires. Além de repor um pouco da Energia, conseguiam também inebriar o cansaço real do corpo, dando uma sobrevida nos exercícios ou raides. Isso se tratando de um Elixir Menor.
— Você treina tanto assim para precisar disso? — A dúvida era mais que real, mas aos ouvidos da Agatha, era como se esse preguiçoso e magrelo adolescente tivesse desconsiderando todos exercícios diários que ela fazia.
No entanto, invés de replicar com algum tipo de insulto velado, ela apenas deixou soltar: — Bfff. — Uma simples risada segurada pelos lábios, mas que assemelhava-se um ato impossível vindo dela. — Yeah. E quero isso aqui também — apontou para um item da lista.
De passos acelerados a quase estáticos, Leonardo já tinha sentido um arrepio pela risada, mas o que ela queria da loja foi o nocaute. — 4400 pontos… Um Anofamiliar?
Não teve como não duvidar. “A Agatha quer um animal para cuidar?” Claramente nunca tinha pensado dessa forma dela. “Não… Tudo bem que não são apenas ‘animais’ que são Anofamiliares, mas eu esperava isso da Charlotte, da Luca, até a Júlia seria mais provável!”
A surpresa estampada na cara dele foi o suficiente para a garota da voz arranhada saber o que passava em sua cabeça. Um pouco, só minimamente, os cantos dos lábios dela subiram. “Ele não precisa saber.” Não daria nem a satisfação disso.
— Mas para chegar nessa pontuação…
— You don’t say. Não vou ir atrás de desafios sem parar, também. Vou no meu tempo, Weirdo.
Uma vez que andavam há algum tempo enquanto conversavam, o refeitório já tinha chegado à vista deles. O estômago de Leonardo chegava a tremer. Os treinos e a dieta estavam fazendo-o refletir se seu corpo aguentaria mais alguns dias.
Os adolescentes estavam aproveitando que era hora do almoço e o prédio parecia um formigueiro. Saíam e entravam sem parar. Leonardo engoliu em seco, desacostumado um pouco com essa quantidade de pessoas. Agatha, por outro lado, só avançou. A fome conduzia os dois.
Na hora de pedir, Leonardo seguiu estritamente a dieta para os treinos. Em seu prato estava uma moqueca de peixe corvina, com tudo o que evitava: coisas saudáveis. Pimentão, cebola, tomate, alho, batata e um arroz branco, tingindo-se da cor do colorau. O garoto sabia até porque era corvina, já que foi buscar saber o motivo da dieta com pratos tão específicos. Um peixe com pouca gordura e alto teor de proteínas, perfeito para ajudar a saúde óssea, cardiovascular e muscular.
Do lado, a gótica pegava seu prato recém-pedido. Servida estava com um bifão à milanesa, com polenta frita, saladinha, arroz e feijão. Ele concluiu que Agatha comia muito quando estava irritada e deixou anotado mentalmente isso.
À procura de uma mesa vazia, a garota visualizou um longo cabelo loiro reconhecível se sentando. — Weirdo, ali — indicou com uma mexidinha de queixo.
Sem esperar, foram em direção, mas repararam que a loira já estava acompanhada por alguém que nunca viram antes. “Quem… é essa menina ruiva?” Os dois pensaram isso, já que Charlotte estava com a atenção presa nela.
— É… tem certeza que não quer comer nada? Eu peço para a Júlia… — A loira tentava buscar uma forma de conversar.
— Te-tenho… Não precisa. — A ruiva apenas estava de cabeça baixa, com muita vergonha.
Quando estava para continuar a puxar assunto, apenas o barulho de alguém se sentando do lado foi escutado. Agatha se ajeitou do lado dela e Leonardo continuava em pé.
A loira ficou travada por um leve instante. Não imaginava se deparar com eles justo neste momento. — Eh… A-Agatha… Leonardo…
— Stalker. Redhead. Apresentações feitas. Hora de comer. — Sem esperar mais, começou a cortar o pedaço enorme de carne no prato.
Leonardo não sabia onde enfiava a cabeça depois das atitudes desmedidas de vergonha que a Agatha o levava vivenciar. Ele esfregou o pescoço e tentou buscar uma forma de amenizar. — Podemos… comer com vocês?
Todos olharam para a gótica, que já tava mastigando. Não parecia mais necessário um pedido depois disso. Charlotte apenas concordou.
Com uma ajeitada rápida, Leonardo se sentou do lado da ruiva, que mais parecia querer esconder o rosto da visão deles. O garoto já estava sentindo um incômodo que não deveria estar ali, mas agora não tinha mais volta.
A loira teve que ignorar as coisas recentes para apresentar propriamente: — Esses são meus colegas de turma, Leonardo e Agatha. — Um concordou com a cabeça e a outra soltou algum barulho com a carne na boca. — E, gente, essa aqui é a Amanda. Eu e a Júlia estamos acompanhando ela por hoje…
Como indicava pelo uniforme, ela era primeiranista também. Como nunca a tinham visto antes, Leonardo sentiu o anseio de saber: — Por quê? Aconteceu algo para precisarem fazer isso?
Os olhizarcos da Charlotte se direcionaram para o rosto de Amanda, e comentou com desânimo: — Eu vou contar apenas para eles, ok? Prometo que ficará entre nós — dito isso, até a Agatha prestou atenção à situação. A ruiva apenas concordou baixinho. — Ela tem sofrido bullying.
Leonardo, de surpresa, deu uma afastada com a cadeira, enquanto a gótica se engasgou. Isso a afetou muito. Na verdade, na mente dos dois, já associaram com a situação da Luca e o sangue já começava a ferver de imaginar.
No entanto não esperou que a reação deles terminasse e continuou: — Hoje, depois que nos despedimos, na quadra de campos esportivos, a Júlia e eu, nos deparamos com ela sofrendo bullying, e o Marcos estava lá.
— O Marcos!? — Leonardo falou mais alto, fazendo todos no refeitório olharem para ele.
Charlotte virou a cabeça para todos os lados e ergueu o dedo na boca: — Shhh!
O garoto apertou os punhos e cerrou os dentes para não continuar a falar. Imaginar que sua amiga podia ter sofrido na mão dele… Nem mesmo todos olharem para ele conseguiram diminuir o sentimento ruim que estava passando.
— Ele… Ele não fe-fez nada… — Amanda defendeu. Com muito constrangimento, ela trouxe um pouco da verdade. — Ele parou os outros.
— É o que eu vi também — complementou Charlotte.
Nesse momento, Agatha, com o tom diferente, veio atrás de uma reafirmação: — Are you sure?
Em algum tempo, Charlotte explicou para os dois o que tinha acontecido e garantiu que só viu o Marcos protegendo a Amanda. No entanto, quando perguntaram o que fizeram depois disso, a loira disse evitando contato ocular: — A Amanda pediu para não irmos na diretoria ou falar com um supervisor. Né? — Ela até pediu ajuda para a outra concordar com a sua inverdade.
— U-uhum…
Com uma incômoda garfada no peixe, Leonardo revirava as possibilidades em sua mente: “Então o Marcos tá envolvido nesse problema… Ele pode ter protegido a Amanda por outros motivos também. Um cara como ele, que tá sempre envolvido em brigas, estaria protegendo alguém assim, do nada? Não daria mais problemas para ele? Ou será que é uma forma dele de tentar esconder algo que tem feito?”
Para ele, era improvável que fosse puramente por altruísmo. Leonardo, na verdade, estava buscando formas de ver onde o bullying que a Luca estava sofrendo poderia se encaixar com o Marcos.
“E se o tal do primo do Gustavo… tiver mandado o Marcos trazer problema para algum amigo meu? Seria essa a forma de fazer isso?”
— Oi, Leo! — A voz animada o fez sair dos pensamentos. — Oi, Agatha.
Ao se virar, viu Júlia segurando dois pratos de comida na bandeja, o dela e o da Charlotte.
— Olá, Júlia…
— Jú, eu estava contando para eles o que aconteceu — a loira interveio antes de iniciarem um assunto paralelo. — Só para encerrar… A Amanda foi conosco até a enfermaria cuidar dos joelhos ralados. Foi uma mentirinha de que ela caiu e ralou, mas também acompanhamos até o dormitório para ela se acalmar. E, sério, isso não pode sair daqui. Prometem que não vão falar?
Com certo receio, Leonardo concordou e a Agatha seguiu a decisão. Só que, na mesma hora, olharam para a Júlia com dúvida de que ela conseguiria não fofocar isso.
— Que foi, gente? Ai, né, é claro que eu não vou falar! Eu prometo! Prometo, entenderam? Que chatos!
Detalhes da situação:
E aí, pessoal, aqui é Rose Kethen, e hoje tem capítulo de Venante? Do nada?! Sei que tem muito tempo que não lanço essa obra, então queria avisar algumas coisinhas para os mais ferrenhos fãs e das leituras aí:
1 – Venante, Destino Elementar e outras obras não estão dropadas, apenas pararam de lançar para eu escrever com foco elas, sem a pressa dos lançamentos. Então entendam que eu amo meus projetos e posso passar anos escrevendo, sem visar diretamente o lançamento.
2 – Para quem me acompanha diretamente no meu servidor de escrita, sabe que eu nunca paro e tô sempre por lá no discord. Todo mundo pode vir falar comigo! Então, se tá interessado em me cobrar, cola aí: Discord
3 – Quem releu Venante ou vai reler, saiba que teve alterações de uns tempos para cá em certas expressões, descrições e momentos. Não é mudança drástica, é só para acompanhar as ilustrações que estão sendo feitas nos capítulos.
4 – Vou voltar a lançar? Não exatamente. Esse capítulo saiu por conta de uma aposta lá no meu servidor. Vai lançar o 45 após o autor e amigo, Zunnichi, lançar o capítulo 115 de Farme. Então leia lá a obra dele para apoiar a sair mais outro Venantão.
5 – (DE NOVO) Vou voltar a lançar em algum momento? Pretendo voltar até metade desse ano para lançamentos mais periódicos. Seria mais rápido se eu tivesse o apoio monetário para viver de escrita, mas no momento não é assim, então… É a vida.
Concluídos os apontamentos, espero que tenham gostado do capítulo! Aliás, o Leonardo ficar no VR por anos não foi só por falar, ele ficou mesmo, porque não lançava a continuação kkkkk.
Para saber mais o que eu estou fazendo, acessem meu Carrd também.