Vida em um Mundo Mágico - Capítulo 7
⋅•⋅⊰∙∘☽༓☾∘∙⊱⋅•⋅
A lua estava alta no céu, lançando um brilho prateado sobre a cidade silenciosa. Decidi que era uma boa oportunidade para uma exploração noturna. A escuridão oferecia uma espécie de camuflagem natural, e sendo um metamorfo, tenho algum talento natural.
— [Victor, o que estamos procurando exatamente?] — perguntou Merlin, flutuando ao meu lado com um brilho suave na escuridão.
— Ah, pensei que talvez, à noite, pudéssemos ouvir coisas que não conseguimos durante o dia. E você precisa abaixar o brilho, desse jeito vão te ver — respondi, ajustando minha roupa de frio.
— [Oh! Certo! Vou procurar na área oeste da cidade. Encontro você mais tarde] — disse Merlin, apagando seu brilho até quase desaparecer.
Comecei minha caminhada pelas ruas desertas de Cirgo. O silêncio era quase absoluto, quebrado apenas pelo uivo do vento. Passei por várias áreas da cidade: o mercado agora vazio, as ruas estreitas ladeadas por casas de pedra, e os portões imponentes que marcavam os limites da cidade.
Eu estava absorto em pensamentos. Percebi que, apesar de estar nesse mundo há algum tempo, ainda sabia muito pouco sobre ele. Cirgo, em particular, era uma cidade isolada, e minhas tentativas de reunir informações aqui tinham sido limitadas. Quero muito explorar lugares maiores, provavelmente vou aprender bastante neles
Enquanto caminhava, não pude deixar de admirar a arquitetura antiga e o charme rústico da cidade. A neve contribuía para essa estética única. Meus pensamentos vagavam até o castelo. Não que eu estivesse desconfiando de algo em particular, mas meus sentidos estavam me alertando para alguma coisa. Talvez eu devesse perguntar a Sentil sobre isso amanhã. Queria ou não, teria que andar com ele.
Eu tentei usar minha habilidade de Análise em uma caixa de madeira jogada na rua. A resposta foi tão inútil quanto esperada.
» É uma caixa de madeira. «
*Claro que é. O que é você, Análise? Algum tipo de gênio?*
Minha habilidade de Análise era útil apenas em criaturas vivas, fornecendo informações específicas. Não via como torná-la mais útil, já que aparentemente muitos com habilidades tinham uma de Análise. Era tão comum que todos até esqueciam de usá-la.
Meus passos ecoavam pelas ruas vazias enquanto passava por um beco estreito e escuro, onde a luz da lua mal conseguia penetrar. Foi então que senti uma presença, um leve arrepio subindo pela espinha. Me virei rapidamente, esperando encontrar alguma ameaça.
Ao invés disso, vi uma figura feminina, aparentemente de 1,66 m, parada à entrada do beco. Ela tinha olhos vermelhos brilhantes e cabelos verdes que caíam até suas costas. Seu olhar era intenso, mas não ameaçador. Ela parecia me analisar.
— Você é Victor, não é? — disse ela, a voz suave como um sussurro na noite.
— Quem é você? — perguntei, tentando esconder minha surpresa.
— Alguém que sabe mais do que deveria — ela respondeu com um sorriso enigmático. — Filhote, você deveria explorar as montanhas ao redor do terceiro distrito da cidade. Pode achar algo… interessante.
Ela me chamou de “filhote”, o que me deixou desconcertado. Sua presença era estranha e poderosa. Instintivamente, tentei usar minha habilidade de avaliação nela, esperando obter alguma informação.
» Impossível analisar, bloqueio de habilidade detectado. Energia imensurável. «
O aviso me surpreendeu e aumentou ainda mais minha curiosidade e cautela. Francamente… Acho que essa Análise tá de brincadeira comigo…
» … «
O que?! Aparentemente, a voz da Análise era uma consciência paralela da Voz. Merlin me explicou isso durante alguns testes no meu quarto. Mas parece que eu irritei um pouquinho a minha.
— Espere! O que você sabe? — perguntei, tentando obter mais informações.
Ela parou por um momento, seu olhar se suavizando.
— Apenas siga meu conselho. Há mais coisas acontecendo aqui do que você imagina. Boa sorte, filhote. — Com isso, ela se virou e desapareceu na escuridão, deixando-me com mais perguntas do que respostas.
Fiquei parado por um momento, processando o encontro. *O que as pessoas desse mundo têm com aparecer e desaparecer do nada?* Suspirei enquanto pensava nisso.
Com isso eu decidi voltar para a casa, mas antes precisava encontrar Merlin. Então teria que caminhar um pouco, além de que, talvez ela tivesse encontrado alguma pista também.
Enquanto caminhava, pensei sobre o que havia acontecido. Minha Análise não funcionou nela, preciso pensar no que fazer, desse jeito as pessoas só vão ficar me jogando pra lá e pra cá…
Decidi fazer um pequeno teste, acho que descobri um pequeno segredo sem querer.
— Análise, o que é aquilo? — apontei para o chão, uma pilha de neve
» Neve. «
— E o que seria Neve? — perguntei
» … Flocos de neve são formados por água congelada em uma estrutura cristalina, que reflete a luz e parece branca e translúcida. «
Meu experimento funcionou, ela me respondeu, mesmo depois de analisar. Saber que ela é nada mais nada menos que uma consciência paralela da Voz, pode ter aberto um horizonte novo pra mim.
» Aviso: A habilidade 『Avaliação』recebeu um impulso de evolução. «
*Hmm?* Essa foi a Voz normal. Impulso de evolução, hein…? Então eu fazer perguntas para ela a deu um impulso para evoluir? Vou fazer mais isso…
Enquanto eu caminhava, notei que Merlin se aproximou rapidamente se revelando para mim.
— [Eu encontrei algo interessante. E você?]
— Eu também… Meio que a coisa interessante me encontrou. Mas enfim, o que você descobriu?
— [Sinais. Na guilda que você estava trabalhando. Aparentemente em um dos arquivos, tinha algo sobre invocação de um tipo específico de monstro, algo que eles chamaram de Gorlak.]
— Gorlak? Onde exatamente você encontrou isso?
— [No lixo, todo rasgado. Mas graças ao meu 『Iluminado』 consegui recuperar o que estava escrito.]
Um Gorlak, não sei oq isso é, mas se estava na guilda, poderia ser um cartaz de algum monstro que já foi caçado ou algo assim?
Esse lugar fica cada dia mais estranho, o que seria de tão interessante nesse documento sobre Gorlak… Decidi perguntar ao Sentil quando o ver amanhã.
Após retornarmos para nosso “abrigo” temporário, Merlin e eu nos debruçamos sobre os misteriosos ataques que assolavam Cirgo. Entre goles de chá e o crepitar da lareira, pensamos em teorias.
— Os monstros podem estar sob comando. — sugeri, observando a dança das chamas. Mas, segundo Merlin, criaturas como as descritas por Sentil carecem de astúcia própria. Seriam marionetes de uma habilidade ou artefato.
Se isso fosse verdade, e considerando a persistência dos ataques por mais de uma semana, duas hipóteses surgiam: ou alguém desejava a ruína de Cirgo, ou preparava o palco para algo maior. A duração dos ataques, sem progresso aparente, insinuava um plano para mascarar intenções, mas qual o propósito? Eu não sei!
— Devo considerar sobre a união de mais pessoas… — murmurei, mais para mim do que para Merlin. Contudo, sem evidências concretas, é mera especulação. Resta-me confiar naquela garota estranhamente suspeita no beco. Se suas palavras forem verdadeiras e algo nas montanhas puder nos auxiliar, talvez desvendemos esse enigma ainda amanhã.
— [Isso é muito difícil…] — lamentou Merlin, materializando um emoji triste em seu balão.
— Sim… Nunca imaginei me tornar um detetive… E mal completei dez dias de vida ainda.
Refletir sobre tais mistérios era exaustivo, tanto mental quanto espiritualmente, para mim e para Merlin.
Ansiava por algo que “acelerasse” minha busca, algo além dos meus sentidos. Uma ferramenta que operava automaticamente, tal como a habilidade única de Merlin, capaz de discernir tudo que via, ouvia e sentia, sem esforço consciente.
Foi então que uma lâmpada brilhou em minha mente. Decidi me analisar novamente.
» Nome: Victor
Espécie: Metamorfo
Idade: 6 dias
Classe de ameaça: (A) «
— Quais são minhas habilidades inatas? — indaguei, sem muita esperança.
»Habilidades inatas: [Sentidos Avançados]; [Resistência à Dor]; [Força Anormal]; [Adaptação]«
Já havia notado a força e os sentidos aguçados, mas “Adaptação” e “Resistência à Dor” eram novidades. Com isso, confirmei: meus sentidos eram uma habilidade, prontos para serem fundidos a outra.
— Desejo combinar a habilidade Avaliação, parte da habilidade única 『Rei Habilidoso』, com meus 『Sentidos Avançados』.
— [Hmm? Por que isso?] — Merlin indagou, confusa.
— Pretendo tornar a Avaliação automática, integrando-a aos meus sentidos. Não sei se dará certo, mas é um experimento válido.
» A habilidade Avaliação foi fundida com sucesso aos 『Sentidos Avançados』. A habilidade 『Sentidos Avançados』evoluiu para 『Consciência Analítica』. «
Meu pensamento se provou acerto. Após breves testes, dominei a nova habilidade: uma análise meticulosa de tudo captado pelos meus sentidos, uma segunda consciência dedicada à observação, enquanto eu me concentrava no presente.
Com essa evolução, minha utilidade nas investigações aumentaria exponencialmente. Perfeito!
Assim, encerrei meu sexto dia, com uma evolução mais do que bem-vinda.
∘₊✧──────✧₊∘
Ao raiar do dia, deixei o calor do lar, o coração leve pelo sétimo amanhecer desde meu nascimento neste mundo estranho. — Até logo, Thom, Eliza, se cuidem — despedi-me com um sorriso, enquanto eles partiam para seus afazeres matinais.
Lilia, a pequena flor da casa, ainda estava dormindo. Nenhum pedido foi feito, mas o peso da responsabilidade me fazia ansiar por retornar logo ao seu lado. Afinal, não é sempre que se cruzam almas generosas que estendem mãos sem esperar retribuição.
Talvez a benevolência fosse mais comum neste mundo, embora eu nutrisse minhas dúvidas. A cidade de Cirgo, com seu clima intimamente frio, talvez tenha ensinado seus habitantes a serem mais solidários. Pelo menos era o que parecia no distrito onde me encontrava. Dividida em quatro partes, cada distrito de Cirgo se estendia por 20 milhões de metros quadrados, somando um total de 80 milhões — um reino considerado pequeno por aqui.
O castelo, erguido sobre uma colina central, parecia atrair o frio como um imã. Não era apenas uma sensação passageira; após um breve diálogo com Thom e Eliza, descobri que as residências mais próximas à fortaleza estavam sempre vazias, pois o gelo que ali reinava era insuportável para as pessoas normais.
Deixando de lado tais pensamentos, encontrei Sentil em um bosque que não visitei, um santuário de neve e galhos nus, uma visão de beleza gélida. O lugar estava deserto, salvo pelos trabalhadores que batalhavam contra o manto branco da neve, sabendo que a natureza logo iria repor o que fora removido.
O ar cortante parecia congelar minha alma a cada inspiração. Viver em Cirgo era um desafio infernal, e mesmo com meu corpo lentamente se adaptando ao frio graças a uma habilidade inata, eu não podia deixar de admirar a resiliência daqueles que chamavam esse lugar de lar.
— Você veio mesmo… —, Sentil aproximou-se, a mão repousando sobre o cabo da espada, mas seu semblante era tranquilo — vamos começar?
— Sim. Mas antes, tenho uma sugestão —, comecei, e ele acenou para que prosseguisse — Gostaria de pedir permissão para explorar as montanhas perto do terceiro distrito.
Sentil arqueou uma sobrancelha, confuso.
— Por que deseja ir lá? Descobriu algo?
— Nada definitivo. Mas recebi uma dica de um estranho ontem à noite. — confessei, optando pela sinceridade ao invés de tecer mentiras.
— Podemos tentar, mas esteja ciente de que os monstros não nos darão trégua — ele concordou, ponderando sobre minha inesperada sugestão.
— Está bem. Juntos, podemos enfrentá-los, certo?
— Sem dúvida. Mas você vai ter que me contar sobre essa sua escapada noturna enquanto caminhamos.
E assim, lá fomos nós. Não o culpo por desconfiar; afinal, ainda sou um monstro. Por ora, vou cooperar sem queixas. Ganhar a confiança do príncipe é um negócio vantajoso, ainda mais quando ele se dispõe a me ajudar depois.
Optei por manter em segredo o documento que Merlin encontrara na guilda Aurora. Talvez fosse irrelevante, mas preferi manter a informação em reserva. Não sabia o que esperar dessa expedição, mas qualquer pista seria suficiente para fortalecer a confiança de Sentil em mim. Perguntar a ele sobre isso pode ser uma má ideia.
Enquanto avançávamos, minha nova habilidade me inundava com informações: pessoas despertando, suas alturas, seus gêneros. Até mesmo uma noção espacial do ambiente, graças aos ecos distantes. Era um turbilhão de dados, mas uma consciência paralela à minha se encarregava da análise, deixando-me livre para focar no que importava.
Sem necessidade de mensagens em tela, eu agora compreendia tudo captado pelos meus sentidos, sem mais adivinhações. Essa habilidade revelava-se mais valiosa do que eu imaginava.
Sentil conduziu-me a uma carruagem puxada por dois cavalos robustos. Parece que me aguardava outra viagem de carruagem, algo que jamais pensei em fazer na minha vida anterior.
— Vamos, as montanhas são distantes — ele disse, assumindo as rédeas.
— Certo, certo… — respondi, embarcando na carruagem.
E partimos, do segundo para o terceiro distrito. A viagem foi breve, graças à velocidade surpreendente dos cavalos. Percebi então que nem a carruagem era comum; os animais possuíam uma habilidade especial de locomoção, transformando horas em minutos. A estrada deserta também contribuía para nossa rápida progressão.
∘₊✧──────✧₊∘
A jornada transcorreu com uma calma enganadora, a carruagem avançando pouco a pouco pela paisagem congelada. Optamos por prosseguir a pé após um breve descanso, uma decisão que não nos trouxe desgosto.
Durante nossa caminhada, eu e Sentil nos deparamos com criaturas que desafiavam a lógica: lobos cujos olhos brilhavam com uma fome voraz e um boneco de neve que era mais do que um mero amontoado de neve. Este último, uma abominação de gelo, conjurava lanças gélidas do nada e se camuflava na neve além de possuir uma habilidade sobrenatural de regeneração. No entanto, Sentil o derrotou com um golpe congelante, permitindo-me absorvê-lo. O ganho foi mínimo, um acréscimo de energia de meros 0,5%.
Sentil, um guerreiro da classe (A), lutava com uma graça letal. Sua espada não era apenas uma lâmina, mas um instrumento de gelo, capaz de congelar o ar e criar réplicas de si mesma para serem arremessadas como dardos mortais. Ele também conjurava uma barreira de gelo, uma defesa impenetrável contra ataques surpresa.
Enquanto nos aproximávamos das montanhas congeladas decidi questionar Sentil sobre o frio anormal no castelo, ele me confidenciou algo sobre sua irmã mais nova, Serena, e sobre sua habilidade problemática. Ele não entrou em detalhes, e eu respeitei seu silêncio.
Mas aparentemente, ela não pode sair do castelo por ser “fria” demais. Talvez uma habilidade de gelo difícil de controlar. Não que eu me importe, de verdade, mas acho que Sentil têm um lado mais fraco nesse assunto, deve ser bem sério.
— Estamos aqui, o que faremos agora? — Sentil indagou, sua voz cortando o silêncio.
— Vamos procurar qualquer coisa fora do comum — respondi, meus olhos vasculhando o terreno com atenção.
Era cedo, e as montanhas se estendiam diante de nós, vastas e convidativas. Usar meus sentidos para encontrar algo oculto seria fácil se não fosse o rugido incessante do vento, me incomodando bastante.
Foi então que Sentil, com um movimento fluido, desembainhou sua espada, alertando-me para o perigo iminente.
— Um Golem de Neve está aqui! — ele anunciou, assumindo uma postura de combate.
O Golem de Neve emergiu, uma torre de quatro metros de altura adornada com espinhos azuis e olhos que brilhavam com uma luz dourada sinistra. A aura fria que emanava dele era suficiente para congelar a alma.
» Golem de Gelo. Uma entidade forjada pela magia da neve, típica de regiões saturadas de mana. Suas habilidades são o congelamento e a destruição com pura força bruta. Um monstro de classe (B)«
*Então, há uma concentração elevada de mana aqui?*
Enquanto ponderava, Sentil avançou contra o Golem, seus golpes rápidos e precisos. Mas o monstro apenas rugiu em resposta, lançando um punho revestido de gelo contra Sentil.
— Ativar: Lobo de Gelo — Sentil comandou, erguendo-se do chão após ser arremessado.
Um lobo branco majestoso surgiu, feito de mana pura, e atacou o Golem com garras azuis afiadas.
— Oh! — exclamei, impressionado com a cena.
— Não fique aí parado! Me ajude! — Sentil gritou, retornando ao combate.
— Está bem, está bem! —
Lancei ataques flamejantes contra o Golem, que, embora eficazes, apenas o irritaram mais. Em um frenesi, ele disparou lanças de gelo em todas as direções. Desviei e contra-ataquei, usando minha 『Manipulação de Gelo』 para capturar uma lança e lançá-la de volta, perfurando a cabeça do Golem.
— Ufa… Ele é incansável! — reclamei, exasperado com a tenacidade do adversário.
O Golem não raciocinava; era uma máquina de guerra, atacando com golpes de gelo e resistindo a tudo sem se defender.
No clímax da batalha, quando o Golem finalmente revelou uma fraqueza após sua fúria incessante, lancei-me com minhas garras afiadas, retalhando os espinhos gelados em suas costas. Um rugido de dor ecoou pelas montanhas, sinalizando que meu ataque teve efeito.
O lobo de Sentil, uma fera de pura mana e instinto, abocanhou a cabeça do Golem, arrancando-a com uma força sobrenatural. Sentil, com a precisão de um mestre espadachim, perfurou o peito do monstro com sua espada, enquanto seus clones de gelo da lâmina o transpassavam simultaneamente. Com um gesto final, absorvi o Golem, encerrando o confronto.
» Aumento de 5% na energia total. «
*Isso é tudo?* A decepção era palpável, mas não havia tempo para lamentações.
— Conseguimos… — Sentil murmurou, enquanto sua espada retornava à bainha e o lobo se desfazia em partículas de luz.
Minha habilidade de absorção provou ser decisiva contra essas criaturas elementais, o Boneco de Neve e agora o Golem. Suspeito que minha classificação como classe (A) amplifique minha capacidade energética, permitindo tal feito. No entanto, questiono se tal técnica seria eficaz contra adversários de maior calibre, a menos que estivessem gravemente enfraquecidos.
— Sim… Mas, esses monstros surgem em locais de alta concentração de mana, não é? — indaguei, ponderando sobre a natureza da mana que circulava o local.
— Você acha que pode haver um reservatório de mana oculto aqui? — Sentil conjecturou, sua expressão séria —, É uma possibilidade. No entanto, sem habilidades de detecção mágica, estamos no escuro.
A perspectiva de uma busca às cegas era desanimadora, mas não tínhamos escolha a não ser confiar em nossos instintos e na observação cuidadosa.
— De qualquer forma, deve estar próximo. Se mais monstros emergirem, isso indicará onde procurar — Sentil concluiu, já se movendo para iniciar a busca.
Assim, embarcamos na exploração das montanhas. O surgimento do Golem, embora perturbador, oferecia um vislumbre de que talvez, apenas talvez, não estivéssemos andando em círculos.
∘₊✧──────✧₊∘
O quarto de Serena era um santuário de solidão, um reino de gelo onde o tempo parecia congelar junto com tudo em volta. As paredes cintilavam com cristais de gelo que refletiam a luz azulada que emanava dos olhos cegos da princesa. Seus cabelos brancos, longos e desalinhados, espalhavam-se pelo chão como um manto de neve, nunca tocados por tesouras.
Ela estava sentada em um canto, os joelhos abraçados contra o peito, vestindo apenas uma camiseta branca e um short preto simples que contrastavam com a palidez de sua pele. A temperatura no quarto era inimaginável, o termômetro há muito havia estourado, incapaz de registrar os quase -500 graus que envolviam o ambiente. Uma barreira mágica a mantinha ali, uma prisão invisível que a isolava do mundo, mas não impedia que o frio se espalhasse além das paredes, um lembrete constante de sua maldição.
Serena levantou o olhar para o teto, onde estalactites de gelo pendiam como adagas prontas para cair. Ela se perguntava se as pessoas a viam como essas formações gélidas: belas, mas perigosas, melhor deixadas intocadas. Seus pensamentos eram um turbilhão de melancolia e desesperança, girando em sua mente como um vendaval que não encontrava saída.
— Por que eu? —, ela sussurrava para si mesma, uma voz fraca, uma pergunta que já havia feito milhares de vezes. — Por que fui amaldiçoada com tal poder?
Havia uma história não contada em seu coração, uma página virada muito cedo na vida de uma jovem mãe e a consequente solidão de uma filha deixada para trás. Ela se lembrava das histórias que lhe contavam quando criança, de como a magia era um dom, uma bênção. Mas para ela, era uma sentença de isolamento, uma força que a separava de todos. Seu toque era uma condenação, sua presença uma ameaça. Ela era como um inverno eterno, belo à distância, mas mortal de perto.
Os olhos de Serena brilhavam mais intensamente quando suas emoções transbordavam, iluminando o quarto com um azul profundo que não via, mas sentia. Ela se perguntava se ainda seria capaz de ver o mundo se sua visão fosse restaurada, ou se as imagens seriam tão frias e distantes quanto sua realidade atual.
Levantando-se, ela caminhou até a janela, onde uma fina camada de gelo distorcia a visão do mundo exterior. Com um toque, o gelo derreteu, mas a barreira mágica permanecia, mesmo não enxergando, ela sentia, o mundo lá fora, era cinza, com neve caindo e tempestades. Mas Serena imaginava um local belo, céu azul, todos sorrindo e juntos, era uma fantasia, que ela se esforçava para acreditar. Talvez todos estivessem felizes, enquanto ela ficar presa ali, todos estarão bem.
— Sentil… — ela murmurou, o nome de seu irmão trazendo um vislumbre de calor ao seu coração congelado. Ele era sua conexão com o mundo, o único que ainda tentava alcançá-la através da frieza que a cercava. Mas mesmo ele não podia quebrar as correntes que a prendiam nessa existência miserável, pois não tinha capacidade para isso.
Serena se afastou da janela, retornando ao centro do quarto. Ela fechou os olhos, concentrando-se em sua respiração, tentando acalmar a tempestade dentro de si. Mas cada suspiro era uma lufada de ar gelado, cada batida de seu coração um eco na vastidão gelada de sua alma.
Ela sabia que não podia desistir, que havia algo mais além das paredes de sua prisão. Havia esperança, mesmo que frágil, como o gelo sob seus pés. Ela tinha que acreditar que haveria uma maneira de controlar seu poder, de transformar sua maldição em algo que pudesse trazer alegria, não apenas medo, mas o tempo a fez ver que isso também era fantasia, ela sonhava com o dia que isso acabasse, mas provavelmente, esse dia seria o dia de sua morte.
— Estou exausta… — Serena sussurrou para o vazio, sua voz era um sopro de desesperança.
Ela se ergueu lentamente, seus movimentos tão delicados quanto um floco de neve que se recusa a derreter. Com passos hesitantes, aproximou-se de sua cama, um altar de gelo eterno, subiu sobre ele. Ali, ela se recolheu, encolhendo-se em concha.
Os cabelos brancos, longos e intocados, tornaram-se seu único consolo. Serena os puxou sobre si, como um véu, buscando um abrigo nas mechas que nunca conheceram o calor de um toque gentil. Sob essa capa prateada, ela se escondeu do mundo, uma princesa perdida em seu próprio reino de solidão.
No silêncio sepulcral de seu quarto congelado, Serena fechou os olhos, permitindo-se um momento de vulnerabilidade. Lágrimas eram inúteis, elas iriam congelar na hora. Ela sonhava, não com esperança, mas com o desejo de sentir algo além do frio que a definia.
Ela ansiava por um amanhã onde o calor de um abraço não fosse uma memória distante, mas uma realidade palpável. Um amanhã onde sua maldição seria apenas uma lembrança de um passado doloroso, e não uma âncora que a prendia. No entanto, esse amanhã parecia tão distante.
Serena permaneceu ali, imóvel, enquanto o mundo continuava a girar além das paredes de gelo. E naquele momento, ela era tanto a princesa quanto a prisioneira de um conto de fadas que nunca teria um final feliz.
∘₊✧──────✧₊∘
Ela, a errante no gelo da solidão,
Cega de sonhos, desprovida de luz,
Caminha sem ver a primavera ou verão,
Num inverno sem cor, onde a esperança não conduz.
⋅•⋅⊰∙∘☽༓☾∘∙⊱⋅•⋅
⋅•⋅⊰∙∘☽༓☾∘∙⊱⋅•⋅