Vida em um Mundo Mágico - Capítulo 8
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Neste lugar, Cirgo, o reino eternamente envolto em brumas gélidas, a força e a fragilidade se entrelaçam em uma dança. Para alguns, a força é uma maldição disfarçada, e para outros, a fragilidade, uma força oculta.
O nascimento de Serena, sob o signo de uma era congelante, foi mais do que a chegada de uma nova vida; foi o augúrio de um inverno sem fim. A entidade que tecia o sistema de poder do mundo com habilidades místicas concedeu à princesa uma dádiva rara e temível: a habilidade 『Rosa Gelida』, uma força catastrófica de classe S que selaria seu destino com um manto de tristeza e isolamento.
Desde cedo, Serena, parte da realeza, foi imersa em estudos e conhecimento. Sua habilidade emergiu precocemente, trazendo consigo um destino marcado por um frio que transcendia o clima, invadindo a alma.
A infância de Serena desenrolava-se como um mosaico de momentos suspensos no tempo, cada um evidenciando sua singularidade. Seus olhos, cegos desde o nascimento, brilhavam com um azul intenso, refletindo um céu que ela jamais poderia contemplar. Mas Serena não precisava de visão para sentir o mundo; ela o percebia através de uma sinfonia de sons, aromas e toques, narrativas mais vivas do que qualquer pintura poderia retratar.
Sentil, seu irmão mais velho, almejava tornar-se um cavaleiro, e seus treinos eram a melodia de fundo dos dias de Serena. Ela o acompanhava ao campo de treino, junto de sua mãe, Solange, e encontrava alegria no som da espada de madeira cortando o ar, no esforço e na determinação de Sentil.
— Minha irmã está aqui… Preciso me esforçar para parecer forte… — murmurava Sentil, enquanto a lâmina desenhava no ar.
Sentil, com apenas oito anos, já carregava o peso de um protetor, não apenas de sua família, mas de todo o reino. Seu sonho era defender Cirgo com coragem e honra, o que o levava a suportar os rigorosos treinos de seu mestre Roghan, um homem de cabelos prateados e estatura modesta, mas de habilidade inquestionável.
Serena, preocupada com os sons de luta, aproximou-se quando um estrondo particularmente forte alcançou seus ouvidos. Ela encontrou Sentil caído, mas antes que a preocupação pudesse tomar forma em lágrimas, ele se levantou.
— Sentil, você está bem? — perguntou ela, sua voz tremulando com uma fragilidade.
— Claro que estou! Um golpe desses nunca me machucaria! — Sentil respondeu, tentando infundir confiança em sua voz para acalmar a irmã.
— Oh ho? Parece que você já está pronto para mais uma sessão. — Roghan observou, acariciando sua barba grisalha.
Sentil, ansioso por um momento de repouso ao lado de Serena, tentou convencer seu mestre de que já estava suficientemente treinado por hoje.
Solange, a rainha, observava seus filhos com um coração transbordando de amor, mas também com uma mente sombreada por preocupações silenciosas. Ela se aproximou, envolvendo-os em um abraço caloroso, um contraste com o frio que se intensificava a cada dia.
— Vamos, Roghan, que tal um descanso? Tenho certeza que estão com fome. — propôs ela, com um sorriso que buscava trazer um pouco de calor àquele dia frio.
— Acredito que você esteja certa, majestade. —concordou Roghan.
Serena sorriu, encontrando conforto naquele momento de união. Tudo era tão divertido, tão reconfortante, mas o frio, um companheiro constante, aumentava a cada dia que passava.
À medida que a noite descia sobre Cirgo, envolvendo o reino em seu manto de escuridão e frio, os raros momentos de união familiar se desenrolavam no castelo real. Serena e Sentil, duas almas jovens e inocentes, encontravam-se com seu pai, o rei Zered, cuja atenção era frequentemente capturada pelas infindáveis responsabilidades de governar. Naquela noite, contudo, uma conversa de corações preocupados tomou lugar no escritório real.
— Querido… O que faremos com Serena? — A voz de Solange, tingida de preocupação materna, quebrou o silêncio habitual do escritório.
— O que quer dizer? — Zered ergueu o olhar de seus papéis, a pergunta ecoando com um peso que ele conhecia bem.
— Você sabe. Ela tem apenas cinco anos, mas já é uma classe B, com um mna de seis mil. Essa habilidade dela… parece que está ficando mais forte a cada dia… — As palavras de Solange pairavam no ar, carregadas com a gravidade da situação.
O frio de Cirgo, um companheiro constante do reino, estava se tornando mais severo, mais penetrante, especialmente na presença de Serena. Era uma verdade que todos sentiam, um perigo crescente que não poderia ser ignorado por muito mais tempo.
Durante os passeios reais, enquanto Solange levava Serena e Sentil pelas ruas de Cirgo, os cumprimentos calorosos dos cidadãos eram acompanhados por olhares de cautela. A receptividade e o respeito pela família real permaneciam, mas a preocupação da rainha crescia. Ela temia que Serena, sua preciosa filha, pudesse se tornar algo temido, algo que atraísse o ódio e o ressentimento dos outros.
— Eu… Não sei… — A resposta de Zered foi um sussurro de incerteza, uma admissão de impotência diante do destino de sua filha.
No íntimo, ambos sabiam que Serena Snowfall estava destinada a ser uma força poderosa, uma dádiva para o mundo onde o poder era a moeda mais valiosa. Mas como pais, o medo de que ela sofresse por ser extraordinária, de que se tornasse um monstro aos olhos do mundo, era uma sombra que os assombrava todos os dias.
Era um caminho já traçado, uma realidade que não podia ser alterada. Mesmo que Serena aprendesse a controlar seu poder, o momento presente era de uma força avassaladora. Até que ela dominasse a『Rosa Gelida』, Cirgo poderia muito bem se transformar em nada mais do que um deserto de neve e gelo.
Sem soluções à vista, Zered afastou-se de sua mesa de trabalho, a exaustão de um rei pesando sobre seus ombros. As responsabilidades de um governante, somadas ao fardo de um pai cuja filha carregava uma maldição, eram demais para suportar naquele momento.
A noite se encerrou com o castelo mergulhado em sono. Serena, ainda alheia ao peso de sua maldição, dormia tranquilamente, sem saber que, em breve, enfrentaria o primeiro verdadeiro teste de seu poder.
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À medida que Serena crescia, o frio que a acompanhava se tornava mais intenso e mais penetrante. As flores murchavam sob seu toque involuntário, e uma aura gélida se espalhava por onde ela passava, como se o próprio ar se rendesse à sua presença. Sua mana, uma força indomável, às vezes escapava de seu controle, congelando tudo em sua proximidade.
Gelo cobria tudo ao redor, e Serena, com apenas seis anos, sentia-se assustada. Ela não compreendia o que estava acontecendo. Mesmo ciente de seu poder sobre o gelo, ela não conseguia controlá-lo, e isso a confundia. Se era uma dádiva, ou talvez uma arma, não deveria ela ser capaz de usá-la à vontade? Por que essa arma agia sem seu consentimento?
Habilidades de classe S são conhecidas por serem formadas pela união de quatro ou mais habilidades extras. A『Rosa Gélida』 de Serena era a união de seis habilidades extraordinárias:
[Cristalização]: Permitindo a criação de barreiras que congelam qualquer coisa.
[Sublimação]: Transformando gelo em vapor e manipulando-o livremente.
[Manipulação Térmica]: Congelando alvos até o nível atômico.
[Regeneração Glacial]: Utilizando a energia do gelo para curar.
[Intangibilidade Criogênica]: Tornando seu corpo intangível para evitar danos.
[Análise Térmica]: Entendendo as propriedades térmicas para um controle preciso do gelo.
Com “visões” proporcionadas por sua habilidade de [Análise Térmica], Serena podia ver o mundo através da temperatura. Mas a visão era assustadora para ela, então ela optou por fechar os olhos, mantendo-os assim por um tempo.
Sua habilidade, a mais poderosa do elemento gelo já vista, tinha um alcance que não se limitava à mana do usuário, mas sim à temperatura do ambiente. Em Cirgo, uma cidade naturalmente gelada, isso significava que os 80 milhões de metros quadrados do reino, mais a floresta das rosas azuis e a área montanhosa, estavam sob sua influência. Isso tornava Serena uma força de classe A, quase A+, capaz de afetar uma área de aproximadamente 90 trilhões de metros quadrados.
Serena seria uma grande atração para todos, pois todos respeitam os fortes. Levando em conta a diferença entre os mundos, este seria considerado algo como 10 mil vezes maior, então isso não é algo que ameace o planeta.
— Ei… Você está bem? — Serena perguntou a um dos cavalos do estábulo real, que estava deitado no chão, seu corpo lentamente sendo tomado pelo gelo. O animal suspirou profundamente e parou de se debater.
— Por que seu corpo está… esfriando? — A voz de Serena tremia enquanto ela acariciava o animal, sua mão inadvertidamente acelerando o processo que ela desejava parar.
O cavalo, um companheiro leal dos guardas do castelo, jazia imóvel, sua respiração tornando-se cada vez mais fraca. Serena, percebendo a gravidade da situação, começou a chorar, lágrimas quentes em contraste com o frio que emanava dela, mas lentamente, as lágrimas se congelam também.
— Eu não queria… Eu não queria fazer isso… — soluçava Serena, enquanto os guardas se aproximavam, tentando ajudar.
Um dos soldados, movido pela compaixão, estendeu a mão para confortar a princesa, mas o contato com a aura gélida queimou sua pele, fazendo-o recuar com um grito de dor.
— Desculpa, desculpa! — Serena chorava ainda mais, desesperada com o dano que havia causado.
Os soldados, apesar da dor, reuniram-se ao redor dela, oferecendo palavras de conforto.
— Está tudo bem, princesa. Nós estamos aqui com você — disse um deles, sua voz firme e gentil.
— Vamos cuidar de tudo, não se preocupe — outro acrescentou, enquanto seguravam suas mãos feridas, mostrando a Serena que ela não estava sozinha em sua dor.
Serena continuou a chorar, mas as palavras dos soldados trouxeram um vislumbre de consolo para seu coração atribulado, a acalmando naquele momento. O frio emanado dela ficou um pouco mais fraco.
Na penumbra do quarto, onde as sombras dançavam com a luz trêmula das velas, Serena se encolhia em um canto, abraçando os joelhos contra o peito. A escuridão parecia se aprofundar ao redor dela, como se o próprio quarto lamentasse a tristeza que a consumia. Com apenas seis anos, a princesa de Cirgo carregava o fardo de um poder que não compreendia, um poder que a isolava e a esmagava em uma posição que nenhuma criança deveria estar.
— Serena, minha pequena estrela, por favor, olhe para mim — a voz de Solange era um sussurro suave, mas carregado de uma dor que só uma mãe poderia sentir.
Serena levantou o rosto, seus olhos azuis, encontrando os da mãe. Eles eram dois faróis perdidos em um mar de incertezas, buscando um porto seguro nas palavras de Solange. Era uma imagem assustadora para a rainha, sua filha, tão jovem, estava com seus olhos mortos, não havia brilho mais neles.
— Mamãe, eu… eu sou um monstro? — a pergunta escapou dos lábios de Serena em um fio de voz, enquanto lágrimas começavam a se formar nos cantos de seus olhos.
— Não, minha querida, você é tudo para mim. Você é a luz que brilha mais forte em nossas vidas, mesmo nas noites mais escuras — Solange respondeu, aproximando-se e ajoelhando-se diante da filha. Ela estendeu a mão, hesitante, temendo o toque gélido, mas determinada a oferecer o conforto que Serena tanto precisava.
Serena olhou para as mãos de sua mãe, tão quentes e cheias de vida, e sentiu o peso da realidade cair sobre seus ombros. Ela queria se afastar, não queria machucar mais ninguém, mas o amor que sentia de sua mãe a dizia o contrário, ela queria abraçar aquela mulher que tanto a amava.
— Eu não quero machucar você, mamãe — Serena soluçou, as lágrimas agora correndo livremente pelo seu rosto.
— Você nunca poderia me machucar — Solange disse com convicção, envolvendo Serena em seus braços. O frio era intenso, mordendo sua pele, mas ela suportou, abraçando sua filha com todo o amor que tinha.
Serena desabou nos braços de sua mãe, soltando um choro profundo e doloroso que parecia vir da própria alma. O frio ao redor delas diminuiu ligeiramente, como se a própria『Rosa Gelida』recuasse diante do calor daquele abraço.
Quando finalmente saíram do quarto, Sentil estava esperando, seu rosto jovem marcado pela preocupação. Ao ver sua irmã, ele não hesitou. Com um passo à frente, ele a envolveu em um abraço fraterno, um gesto de proteção e promessa.
— Vou ficar mais forte, Serena. Vou ser o cavaleiro que vai proteger você e nosso reino — ele disse, sua voz firme apesar da juventude.
Serena, ainda tremendo pelos soluços que sacudiram seu corpo, encontrou um sorriso através das lágrimas. Sentil, seu irmão, sua rocha, era a promessa de dias melhores. E naquele momento, cercada pelo amor de sua família, Serena sentiu que talvez, só talvez, houvesse esperança para ela no final, só talvez. Mas o futuro reservou algo que ela não imaginava, depois de 3 anos.
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O reino de Cirgo estava imerso em um caos gélido, uma tempestade desencadeada pela jovem princesa Serena. O céu, um manto cinzento e pesado, despejava neve incessante sobre as ruas, enquanto o vento uivava com uma fúria que parecia querer arrancar as próprias fundações do mundo. A neblina, densa e implacável, engolia tudo em seu caminho, tornando a floresta e as montanhas meras sombras distantes.
Nas ruas, o povo de Cirgo clamava por salvação. Os gritos de desespero se entrelaçavam com o rugido do vento, formando uma sinfonia de pânico e medo. As pessoas se agarravam ao que podiam, buscando abrigo contra a ventania impiedosa que ameaçava levar tudo consigo.
No castelo, agora um palácio de gelo, o rei Zered e seus soldados lutavam contra a porta congelada do quarto de Serena. Cada golpe contra o gelo sólido ecoava pelos corredores, um testemunho da determinação de um pai desesperado para alcançar sua filha.
— Pare com isso, Serena! Por favor, controle-se! — o rei gritava, sua voz quase perdida no tumulto.
Dentro do quarto, Serena, com apenas nove anos, estava tomada pelo terror. Sua mana, uma torrente selvagem de energia, escapava em ondas que transformavam o ar em lâminas de gelo. Ela gritava, implorando por ajuda, enquanto o desconforto de sua própria energia a consumia.
Então, a voz de Solange, doce e firme, cortou a tempestade.
— Serena, minha filha, ouça minha voz. Acalme-se, meu amor.
A princesa se concentrou naquela melodia maternal, e o gelo ao redor da porta começou a ceder. Com um esforço final, os soldados arrombaram a entrada, enfrentando a ventania que circundava Serena como um ciclone congelante.
Solange entrou corajosamente, aproximando-se da filha. Ela estendeu os braços, pronta para envolver Serena em um abraço que esperava ser salvador.
— Está tudo bem agora, eu estou aqui — ela sussurrou.
Aquela situação era perigosa, perigosa demais. Mas Solange não pensou no perigo, mesmo estando levemente assustada, com medo. Mas ela não queria isso, ela não queria sentir medo de sua própria filha, por isso, esse sentimento não a abalou nem um pouco.
Mas o destino foi cruel. No momento em que Solange tocou Serena, o frio intenso a envolveu, congelando-a instantaneamente. A rainha se transformou em uma estátua de gelo, um último olhar de amor eternizado em seu rosto.
Serena, em choque, só pôde assistir enquanto sua mãe se desfazia em pó, levado pelo vento que ainda soprava através da janela aberta.
O castelo de Cirgo, outrora um símbolo de grandeza, agora tremia sob o peso de uma tragédia inimaginável. O rei Zered, os soldados e Sentil, todos testemunharam um evento que desafiava a compreensão, um momento que se desenrolou com a brutalidade súbita de um relâmpago cortando o céu.
Sentil, paralisado pela cena diante de seus olhos, sentiu o chão desaparecer sob seus pés. A imagem de sua mãe, a rainha Solange, transformando-se em uma estátua de gelo e depois em nada mais do que pó ao vento, era algo que sua mente jovem se recusava a aceitar. Ele queria gritar, correr, fazer algo — qualquer coisa — mas seu corpo não obedecia; ele estava preso em um pesadelo do qual não podia acordar.
Os soldados, homens treinados para enfrentar o perigo, encontravam-se igualmente imobilizados. Eles haviam visto muitas coisas em suas vidas, mas nada poderia tê-los preparado para isso. Suas mãos, antes firmes e prontas para a batalha, agora tremiam, e seus olhos, que já haviam testemunhado a morte, estavam arregalados com o choque do inesperado.
O rei Zered, um homem que havia tomado inúmeras decisões difíceis, sentiu o peso do mundo desabar sobre ele. A perda de sua esposa, a mãe de seus filhos, diante de seus olhos, e por um poder que emanava de sua própria filha, era uma ironia cruel demais para suportar. Ele queria ser forte, ser o rei que seu povo precisava, mas naquele momento, ele era apenas um homem quebrado, sua coroa pesando mais do que o aço que era feita.
— Mãe…? Mãe?! Mãe!!!!— O grito de Serena rasgou o silêncio que se seguiu à catástrofe, um som tão desolador que parecia carregar toda a dor do reino. Era um grito que não apenas danificou suas cordas vocais, mas também o coração de todos que o ouviam. Era o som da inocência perdida, da realidade cruel que se impunha sem aviso.
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Os anos se passaram como um sussurro frio pelos corredores do castelo de Cirgo, cada um deixando sua marca invisível na alma de Serena Snowfall. Trancada em seu quarto desde os nove anos, a princesa cega agora com seus 18 anos, passou por muitos invernos, cada um tão gelado e solitário quanto o último.
O quarto de Serena era uma cela de esplendor gélido, onde as paredes eram adornadas com tapeçarias cobertas de cristais de gelo que nunca se derretiam. A mobília, outrora calorosa e convidativa, agora era apenas silhuetas frias e distantes, cobertas pela neve eterna que a presença dela ali causava. A barreira mágica que a confinava zumbia suavemente.
Serena sentava-se junto à janela fechada, seus dedos deslizando sobre o vidro congelado, imaginando o mundo além das barreiras que a prendiam. Ela não precisava ver para saber que o reino lá fora jazia sob um manto de neve perpétua, um inverno sem fim trazido por sua própria existência.
A culpa a consumia como uma tempestade interna, cada pensamento sobre sua mãe, cada memória de seu sorriso amoroso, era uma adaga de gelo em seu coração. Ela se lembrava daquele dia fatídico, o grito que ecoou pelo castelo, o calor da vida se esvaindo sob seus olhos cegos. Serena havia se tornado o monstro que todos temiam, e o peso desse conhecimento a esmagava.
Ela falava pouco, sua voz tornara-se tão frágil quanto o cristal de gelo fino. Sentil, seu irmão, era sua única conexão com o que restava de sua humanidade. Ele vinha visitá-la, trazendo histórias do mundo exterior, tentando aquecer seu coração congelado. Mas as palavras dele muitas vezes se perdiam no vazio que Serena sentia dentro de si.
Seu pai, o rei, havia se tornado uma sombra em sua vida, uma presença ausente que ela ansiava e temia ao mesmo tempo. O silêncio dele era uma condenação que ela aceitava, pois, no fundo, ela sabia que merecia cada momento de solidão.
Os dias se misturavam, indistinguíveis, enquanto Serena se perdia em reflexões melancólicas. A comida chegava por teleporte, cada refeição uma lembrança de que ela ainda estava viva, apesar de tudo.
Serena Snowfall era a princesa do inverno eterno, a filha cega do reino de Cirgo, portadora de uma maldição que havia custado mais do que poderia suportar. E enquanto a neve caía silenciosamente lá fora, dentro dela, uma tempestade rugia, uma luta constante entre o desejo de ser mais do que uma maldição e a aceitação de sua solitária existência.
Em uma noite particularmente silenciosa, Serena sentia o peso da solidão mais do que nunca. Ela se movia lentamente pelo quarto, seus passos cuidadosos e memorizados.
Ela parou diante da mesa onde sua comida era enviada, suas mãos deslizando sobre a superfície congelada, sentindo as bordas do círculo mágico de teleporte. Por um momento, ela se permitiu lembrar dos sabores e aromas que sua mãe costumava trazer para ela, um conforto que agora parecia uma memória distante.
Foi então que aconteceu. Uma onda de emoção transbordou dentro dela, um desejo profundo e doloroso de sentir novamente o calor de um abraço, de ouvir uma palavra gentil sem a frieza da culpa. E sem perceber, seu poder se manifestou, uma explosão silenciosa de gelo que se espalhou pela mesa, transformando a comida em esculturas congeladas, belas e inúteis.
Serena recuou, horrorizada com o que havia feito. Ela podia sentir o frio se intensificando, o gelo se espalhando pelo chão, subindo pelas paredes. O quarto parecia encolher, o frio se tornando um inimigo que ela mesma havia convocado.
Ela se encolheu em um canto, abraçando os joelhos, tremendo não de frio, mas de medo e auto aversão. Lágrimas que nunca poderiam cair congelaram em seus olhos, e ela sussurrou desculpas para o vazio, para o reino que sofria lá fora, para a mãe que ela nunca mais poderia tocar.
O acidente foi um lembrete cruel de sua maldição, de que mesmo em solidão, ela não estava livre do poder que a tornava prisioneira em seu próprio lar. Enquanto a noite avançava, Serena permanecia imóvel, uma estátua viva de arrependimento e tristeza.
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A noite caía sobre o reino de Cirgo, e com ela, um encontro nada agradável em uma taverna esquecida pelo tempo, um homem encapuzado aguardava, sua identidade oculta pelas dobras de um manto escuro. O único som era o crepitar do fogo na lareira, que lançava um brilho dançante sobre as figuras que se aproximavam.
O assassino de aluguel, conhecido apenas como Corvo, entrou acompanhado de seu grupo, cada um mais letal que o outro. Eles se reuniram ao redor da mesa, seus olhares cautelosos e desconfiados.
— Então, você é o homem que quer a princesa morta. — Corvo disse, sua voz baixa e áspera.
O homem encapuzado assentiu, sua postura tranquila, mas com uma autoridade que impunha respeito, — Sim, mas não é uma tarefa simples. Ela está protegida por magia e guardas leais.
Corvo sorriu, com um sorriso sem humor, — Nada que não possamos contornar. Qual é o preço?
— O preço será justo, mas primeiro, quero garantias de que você pode realizar o trabalho sem falhas — o homem respondeu, deslizando uma bolsa pesada de moedas sobre a mesa.
O grupo de Corvo se entreolhou, o som das moedas os tentando.
— Todos sabem que o castelo de Cirgo é uma fortaleza de gelo — começou Corvo, olhando para seus companheiros —, Mas nós temos uma vantagem. Nossa [Resistência ao Frio] é incomparável, e o gelo não nos deterá.
Os outros assentiram, confiantes em suas habilidades — Nós treinamos em montanhas cobertas de neve, nadamos em águas glaciais — disse um deles, um sorriso frio nos lábios.
O encapuzado sorrio, um pouco mais confiante — Muito bem. O pagamento será dez vezes maior, vão receber a outra parte depois do serviço.
Corvo pegou a bolsa, pesando-a em sua mão —Muito bem. Mas antes, quero saber por que ela deve morrer.
O homem encapuzado hesitou, um silêncio carregado pairando no ar — Ela é… perigosa. Uma ameaça para o reino e para todos nós.
Corvo assentiu lentamente, a seriedade estampada em seu rosto — Entendido. Quando quer que façamos isso?
— Na próxima lua nova. O castelo estará menos vigiado, e a escuridão será nossa aliada — o homem instruiu.
— Considere feito — Corvo disse, levantando-se.
O homem encapuzado permaneceu imóvel, observando enquanto Corvo e seu grupo saíam da taverna.
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