Vigilante Eterno - Capítulo 1
Em meio a floresta tropical mais densa do mundo, dois homens em uma pequena canoa flutuam pelo rio que corta aquela vasta mata. De um lado da margem existe um grande muro verde de vegetação, tão denso que nem os raios de luz daquele dia quente e úmido passavam pelas folhas espessas das enormes árvores. Já do outro lado, há uma grande cerca de metal que eletrocuta tudo o que toca. A cerca percorre toda a margem do extenso rio, um grande feito de engenharia que só foi possível graças ao imenso investimento governamental.
— Mas que droga! — disse um dos homens, enquanto matava um mosquito que pousou em sua bochecha — Estou sendo devorado vivo aqui.
— Relaxa que vai ficar pior. E aí, já fisgou alguma coisa? — perguntou um grandalhão deitado na outra ponta da canoa.
— Nada ainda… — respondeu, enquanto limpava o sangue da cara. — Poti, até quando vamos ter que ficar aqui?
— Até mandarem a gente para outro lugar — respondeu Poti. — Sossega aí. Você deveria agradecer por nos mandarem para essa missão.
— Agradecer pelo quê? Me diz! — disse de forma agressiva. — Já faz 6 meses que a organização nos mandou para esse fim de mundo para ficarmos de guarda na porcaria dessa cerca.
Poti muda sua expressão despreocupada para uma mais séria. Seu longo cabelo negro bate nos ombros, cobrindo parcialmente os olhos, mas ainda era possível perceber os traços de sua descendência mestiça com os nativos da região. É moreno, alto e corpulento com seus 1,90 metros de altura. Sempre vestido com uma camisa de manga longa por baixo de uma social branca de manga curta, a qual deixava os três primeiros botões desabotoados, completando com um calção verde e um chinelo.
— Você tem que entender uma coisa, Vidal, não faz nem 1 ano que você se formou como vigilante. Você tem um enorme potencial. Não duvido que algum dia você vai chegar à primeira categoria, mas até lá você é um iniciante e vai ser tratado como tal — disse Poti calmamente, enquanto olhava no fundo dos olhos de Vidal.
— Você sabe muito bem que não é só pelo fato de eu ser um iniciante. Eles têm medo que eu perca o controle. Foi por isso que mandaram um vigilante de categoria três como você para ser minha babá — disse Vidal em um tom melancólico, enquanto encarava seu reflexo no rio.
— E estão me pagando muito bem por isso, acho que sou a babá mais bem paga do mundo — disse Poti em um tom descontraído para aliviar o clima.
— Eu não entendo. Eu já provei o suficiente, não acha?
— O que eu acho não importa. Quem decide isso é o pessoal da sede, os engravatados, você sabe disso tanto quanto eu.
— É… — disse Vidal em tom de frustração. — Só espero que eles mudem de ideia rápido, não aguento mais esse lugar.
Vidal mantinha uma expressão melancólica a maior parte do tempo, fruto de sua frustração com a organização vigilantes, a qual acreditava que o tratava mais como um objeto de alta periculosidade do que como um funcionário comum.
No auge de seus 19 anos, Vidal é um rapaz de pele bronzeada, estatura média, com seus 1,75 metros, não tão corpulento como Poti, mas tem um físico bastante atlético e acima da média para a sua idade. Seu rosto é fino e bastante amigável, olhos castanhos claros assim como o seu cabelo coberto por um bandana branca, a qual sempre está usando, assim como uma camisa branca, calça e botas.
Desde que se entendia por gente, sabia que seu destino era ser um vigilante, com seu pai fora. Ele tinha um dom que poucos no mundo tinham e não queria desperdiçá-lo.
Enquanto refletia em sua mente, Vidal percebeu a silhueta do que parecia ser um enorme peixe passando por debaixo da canoa. Era enorme, tanto quanto um homem adulto. Não demorou muito para a linha de pesca começar a se mexer violentamente. Aquela coisa tinha sido fisgada.
Os movimentos da linha lançaram jatos de água para todos os lados, incluindo na direção da canoa. Vidal fechou seus punhos e começou a puxar a vara de pesca na sua direção. Sentia como se estivesse puxando uma moto que acelerava na direção contrária a que puxava. Ele cerrou os dentes e usou todo o peso do seu corpo para puxar o que quer que tivesse fisgado para fora do rio, mas sem sucesso. As veias começaram a saltar em seus braços como se estivessem prestes a explodir, o suor salgado começou a escorrer pelo seu rosto vermelho devido ao esforço.
— Dessa vez você pegou um grandão — disse Poti com um leve sorriso no rosto.
— Pois é… Acho que vou precisar de uma ajudinha aqui — disse Vidal com dificuldade.
A canoa começou a virar para o lado graças ao peixe colossal que puxava a linha para baixo da água. Poti logo percebeu que se continuasse assim eles iam cair no rio com todo o equipamento que levavam.
— Vidal, acho melhor você deixar esse peixe para lá. Se continuar assim, a canoa vai virar com nós dois juntos.
— Nem com um caralho. Depois de uma semana sem pegar nada eu não vou perder essa chance.
A vara de pesca começou a envergar cada vez mais a medida que a linha era puxada para dentro do rio. A canoa balançava incessantemente, fazendo Poti perder o equilíbrio e quase cair na água.
— Mas que merda Vidal! — gritou Poti, enquanto tentava fazer Vidal desistir do peixe, mas sem sucesso. — Deixa esse filho da puta para lá!
Vidal não dava ouvidos, seus olhos estavam vidrados na linha tensa que afundava cada vez mais. Poti, em uma tentativa de fazer Vidal desistir, agarrou-lhe pelos ombros puxando-o para trás, mas sem sucesso.
A tensão criada na linha fez com que ela se rompesse. Ambos caíram de costas, esmagando os utensílios que levavam na canoa, um deles sendo a mochila de Poti, que tinha um rádio em um dos bolsos.
— Olha a merda que você fez! — esbravejou Vidal, enquanto puxava para fora da água a linha rompida. — Acabei de perder um peixe dos grandes, talvez o maior. Se você me ajudasse em vez de…
Vidal foi interrompido por uma pancada na cabeça dada por Poti em um acesso de raiva.
— Quando eu mandar você fazer alguma coisa, você obedece, cacete! — gritou Poti. Seu rosto continha uma expressão de raiva a qual Vidal nunca tinha visto nesses últimos 6 meses. — Em uma situação crítica, essa sua desobediência iria custar caro, então trate de prestar atenção no que eu falo.
Vidal ficou de cabeça baixa, enquanto ouvia o esporro de seu superior, ele sabia que tinha cometido um erro quando se deixou levar pelas emoções.
O silêncio constrangedor depois do carão de Poti foi quebrado por um ruído seguido por uma voz feminina abafada.
— Atenção todos os grupos do setor 4, isso é um alerta nível vermelho, por favor respondam! — era possível sentir um nervosismo vindo da moça.
— Aqui é Poti do setor 4. Qual o problema, central? — perguntou com um frio na espinha. Fazia tempo desde que não recebia um alerta vermelho, sendo que a última vez fora devastadora.
— Recebemos uma chamada da estação da vila mais próxima de você. Eles estão sob ataque do que parece ser uma daquelas “coisas”.
Poti ficou em choque ao ouvir isso, não podia acreditar. Aquelas “coisas” às quais a moça se refere são as criaturas que vivem do outro lado da cerca. O nível de ameaça podia variar dependendo de cada uma, mas geralmente são fatais para os humanos.
— I-impossível! — disse Poti com a voz trêmula pelo nervosismo. — A cerca não foi violada em nenhum momento. Ou será que os sensores falharam?
— Isso não importa agora. Vocês são o grupo mais próximo da vila. Se dirijam para lá imediatamente. Outros grupos estão a caminho, até eles chegarem, certifiquem-se de manter a população segura.
— Certo, já estamos a caminho.
Poti guardou o rádio de volta na mochila.
— O que aconteceu? — indagou Vidal.
— Estamos sob ataque.