Vigilante Eterno - Capítulo 10
Já muito longe de Poti, o grupo parou, obedecendo às ordens de Maycon, que sinalizou com o braço para Vidal e Snitch ficarem onde estavam, virando na direção deles logo em seguida.
— Você disse que o rádio tá aqui dentro, não é? — perguntou Maycon, apontando a caixa para o criminoso.
— S-sim… — gaguejou Snitch com uma expressão de dúvida. — Por quê?
Após a resposta do roedor, Maycon jogou a caixa no chão, partindo-a em diversos pedaços, revelando diversas ampolas cheias com um líquido azulado, provavelmente o sedativo que Snitch falara, e um rádio.
— O que é isso? — indagou Snitch surpreso.
— Um rádio — respondeu Maycon com um sorriso de canto de boca.
— Eu sei o que é, eu estou perguntando o que…
— Você vai entrar em contato com o escavador e marcar um ponto de encontro ainda hoje — disse Maycon, interrompendo Snitch. — Você consegue fazer isso, não consegue?
O criminoso ficou imovel por alguns segundos, pensando em uma resposta apropriada para dar ao vigilante, que o encarava com olhos inexpressivos. Quando ele estava prestes a falar, foi interrompido por Maycon, que disse:
— Vamos logo, eu estou morrendo de fome — disse Maycon, alongando as costas. — Eu estou com tanta fome que poderia comer um boi inteiro. E você, Vidal?
Vidal desviou o olhar para Maycon, encarando-o por cima dos ombros de Snitch.
— O que tem eu? — perguntou.
— Mas você é lerdo mesmo… — disse Maycon, estalando os dedos. — Você está com fome ou não? Eu consigo escutar sua barriga roncando daqui.
— Ah, sim — respondeu Vidal, coçando a cabeça coberta pela bandana. — Estou faminto.
— Pois é, todos nós estamos morrendo de fome e muito cansados, não é, Snitch? — indagou Maycon, aproximando seu rosto com o do criminoso. — Você também está cansado, não está?
Snitch assentiu com a cabeça, sem falar uma palavra. Ele desviou o olhar, evitando encarar Maycon nos olhos.
— Então pega logo esse maldito rádio e acaba logo com isso — ordenou Maycon, entregando o rádio para o roedor.
O rádio tremia nas mãos do criminoso, que suava frio, com gotas de suor escorrendo pelo seu enorme nariz e caindo no chão coberto por folhagem.
— Certo, eu vou fazer isso, mas com uma condição: quero falar com o escavador a sós — disse Snitch, tentando parecer confiante.
Por alguns segundos o silêncio tomou conta do lugar até ser quebrado pelas gargalhadas extravagantes de Maycon. Vidal e Snitch encararam aquela cena sem reação, apenas assistiram aquele homem adulto rir como uma criança por minutos.
— V-você é um brincalhão mesmo — disse Maycon, limpando as lágrimas provenientes de sua risada descontrolada.
— Ou você aceita minha proposta ou…
Snitch foi interrompido por uma joelhada no estômago, que lhe fez ficar de joelhos, enquanto tentava puxar o ar para o seus pulmões.
— Ou o que, ein? — perguntou Maycon, puxando a orelha de Snitch, o forçando a olhar em seus olhos. — Você devia agradecer por eu não te matar aqui, agora.
Maycon soltou o criminoso, que desabou no chão, tossindo incessantemente. Após se recompor, Snitch agarrou o rádio de volta, discando uma sequência de números rapidamente.
— Alô, alô, você tá aí? — perguntou Snitch, limpando a saliva que escorria pelo canto da boca.
Após um chiado rápido, uma voz irritante respondeu:
— Oi, oi, fala. Aconteceu alguma coisa?
Maycon enfiou a mão direita em um pequena bolsa feita de couro, que carregava presa na cintura, de onde tirou uma esfera de aço do tamanho de uma bola de gude, colocando-a entre o polegar e o dedo indicador, mirando-a em direção a cabeça do criminoso logo em seguida.
Vidal assistiu aquela cena em silêncio. Esse tipo de abordagem era contra os protocolos da organização e ele sabia disso, mas decidiu não intervir.
— N-nada, não aconteceu nada — respondeu Snitch com os olhos grudados na esfera de metal apontada para sua cabeça. — Eu apenas queria te encontrar ainda essa noite.
— Hummm… — disse o escavador claramente desconfiado. — O que você precisa que seja tão urgente assim?
— É… — Snitch ficou em silêncio por alguns segundos, pensando em uma resposta que fizesse sentido. — O estoque de ultra está esgotado, você poderia trazer mais 1 caixas para nós?
— Onde está o seu parceiro? — perguntou o escavador.
O grupo ficou em completo silêncio. Snitch encarou os olhos de Maycon, que o encarava com a cara fechada, como se estivesse perguntando o que deveria fazer. Após alguns segundos sem resposta, o rádio chiou mais uma vez, seguido pela voz do escavador, que disse:
— Alô, Snitch, você tá aí?
— S-sim, eu estou aqui, sim. O meu parceiro está ocupado, foi ele que me pediu para falar com você. Ele disse que é urgente e que você deve vir o mais rápido possível — disse Snitch, tentando disfarçar o nervosismo em sua voz.
— Hum… Certo, se o urubu disse isso é porque deve ser urgente. No mesmo lugar de sempre, às 17:30 de hoje — respondeu o escavador, ainda mostrando um certo grau de desconfiança em sua voz. — Combinado?
— C-combinado — respondeu Snitch, encerrando a chamada e dando um suspiro de alívio. — Pronto, eu fiz o que me pediu.
— Não terminamos ainda. Você vai nos levar até o local de encontro e vai ficar lá até nós capturamos o escavador — disse Maycon, guardando a esfera de volta na bolsa.
— Ma-mas…
— Sem mas! Vambora!
Snitch guiou o resto do grupo até o local, sendo observado constantemente por Maycon, que mantinha sua mão direita dentro da bolsa de couro o tempo todo.
O ponto de encontro era um terreno baldio nos subúrbios da cidade. As poucas estruturas que ainda estavam de pé, foram tomadas pela mata. Snitch se pôs no centro de um círculo de terra onde o mato não cresce, ficando estático o tempo todo, esperando pela aparição do seu fornecedor.
Vidal e Maycon estavam juntos, escondidos atrás de um arbusto, observando Snitch, que estava a pouco mais de 5 metros deles.
O silêncio monótono era quebrado de tempos em tempos pelas sirenes de ambulâncias que passavam perto dali.
Maycon mantinha sua mão direita, que segurava um esfera de aço, apontada para a cabeça de Snitch. Ele tinha combinado com Vidal que caso o homem roedor os traísse, ele o mataria sem hesitar, e era papel de Vidal usar o seus poderes para capturar o escavador.
— Posso te fazer uma pergunta? — indagou Vidal envergonhado.
— Pode, só não prometo que vou responder — disse Maycon de forma irônica, sem tirar os olhos do criminoso.
— Por que você não gosta do Poti?
— Quem disse que eu não gosto dele?
— N-ninguém… é que…
— Eu conheço o Poti há muito tempo, mais do que eu gosto de admitir. Eu conheço-o muito bem e o respeito, mesmo discordando do jeito com que ele lida com o trabalho — disse Maycon, tentando ser o mais sincero possível.
— Mas vocês pareciam se odiar. Quando Poti te viu na vila, ele lhe olhou de uma forma que eu nunca tinha visto antes, era como se ele quisesse arrancar a sua cabeça fora.
— Não duvido que ele queira fazer isso mesmo — disse Maycon, soltando uma risada descontraída logo depois. — Certo, eu vou dar uma melhor explicação. Eu e Poti nós formamos no mesmo ano, entramos juntos para os vigilantes como novatos, assim como você e a Aline. Como éramos recrutas, fomos enviados para missões de baixo risco, foi então que fomos alocados para a fronteira…
— Lá era pior que aqui? — perguntou Vidal, interrompendo Maycon.
— Acredite, lá era muito pior. Não tínhamos nada para fazer o dia todo além de conversar, foi então que nos conhecemos e criamos uma amizade muito sólida…
— Então o que aconteceu para acabar assim? — perguntou Vidal, interrompendo Maycon mais uma vez.
— Vai me deixar contar a história ou não? — disse Maycon irritado.
— Ah… foi mal, pode continuar.
— Bem, o tempo passou e uma nova integrante do grupo apareceu. O seu nome era Sofia, ela também era uma recém formada vigilante que também foi transferida para o mesmo lugar que eu e Poti. Ela era linda, a mulher mais linda que já conheci, além de ser carismática e gentil. Quando me dei conta, estava apaixonado e também cego pelo amor que sentia por ela. E como todo jovem apaixonado, eu me declarei para ela sem nem se passar 2 mês desde que nos conhecemos, mas… — Maycon engoliu seco antes de continuar a frase. — …mas ela já estava apaixonada, apaixonada pelo Poti.
Vidal ficou em silêncio, sentia-se arrependido por ter perguntado aquilo para Maycon, que agora estava com uma expressão melancólica.
— Eu fiquei irritado como uma criança quando tem um pedido rejeitado pelos pais. Não consegui aceitar aquilo, por mais que eu tentasse esquecer ou até mesmo ignorar esse infortúnio, a raiva voltava sempre que eu me encontrava com Poti, o que acontecia quase todos os dias. Eu comecei a tratá-lo mal sem ele saber o por quê. Eu nunca contei para ele que gostava dela, mas para mim isso não importava, eu sentia como se ele tivesse me traído e me apunhalado pelas costas.
— Eu sinto muito, não queria me intrometer.
— Não, não… isso é até bom para você aprender a não ser um imbecil como eu fui. Mas o pior não foi isso, o pior foi quando recebemos uma chamada da sede da organização. Eles falaram que tinham informações de que um grupo criminoso estava escondido perto da parte da fronteira em que estávamos, e que esse grupo planejavam atravessar o país com o objetivo de se esconderem das autoridades mundiais.
— Que tipo de grupo criminoso era esse para ser caçado pelo mundo todo? — perguntou Vidal, atento a história.
— Ele não existe mais, ainda bem. Na época eles eram conhecidos como “Esquadrão da Morte”.
Ao ouvir aquelas palavras, Vidal sentiu um frio na espinha, engolindo seco logo em seguida. O esquadrão da morte era um grupo mercenário conhecido no mundo todo pelos seus feitos, o mais famoso deles sendo quando foram pagos por um ditador para lutarem ao seu lado na guerra civil em seu país. Sozinhos, eles dizimaram o exército revolucionário inteiro, sem deixar sobreviventes.
Após isso, eles foram considerados inimigos número 1 da organização vigilantes, sendo caçados pelo mundo todo durante anos até finalmente serem capturados e desmantelados, com os seus membros estando detidos em diferentes prisões ao redor do mundo.
— Eu fui forçado a cooperar junto com Poti e Sofia, por mais que eu não quisesse olhar para a cara deles por vergonha e raiva. Nosso papel era apenas rastreá-los e informar a sua localização para os vigilantes de grau superior, que já estavam a caminho, mas… — Maycon mudou seu tom de voz abruptamente, parecendo estar se esforçando para segurar o choro. — Foi tão repentino que eu nem pude ver de onde o ataque veio. Enquanto procurávamos pelos mercenários no meio da mata, nós fomos atacados, dizimados sem nem ao menos ter tempo para reagir. Quando me dei conta, já estava no chão, deitado sobre uma poça do meu próprio sangue, e ao meu lado, estava Sofia, morta. Eu tentei me levantar para ajudá-la, mas mal conseguia ficar de pé. Me arrastei para perto dela, tentando inutilmente acordá-la de seu sono eterno.
— E-eu sinto muito…
— Eu acabei desmaiando por causa da perda de sangue, quando acordei, estava sendo carregado por Poti, que teve que nadar quilômetro por rio até despistar o grupo de mercenários. Eu me debati em seus braços, implorando para ele voltar e resgatar Sofia, mas ele sabia, assim como eu, que ela já estava morta. Naquele dia, culpei-o pela morte da mulher que eu amava, o amaldiçoei e até mesmo desejei que fosse ele quem tivesse sido morto no lugar dela. Desde então nós dois poucos nós falamos, encontrando-nos raras vezes. Ele ainda deve guardar rancor de mim por culpá-lo pela morte de Sofia, e eu não o culpo.
— Por que você dois não tentam reconciliar-se, tentar deixar o passado para trás ? — propôs Vidal inocentemente.
— Não é assim que funciona, não para nós dois. Tem coisas que não dá para esquecer, garoto…
Maycon foi interrompido por um estalo, com se algo estivesse batendo em uma tábua de madeira repetidas vezes. Os dois vigilantes viram um alçapão abrir bem em frente a Snitch. A abertura estava disfarçada por terra, quase impossível de ser detectada.
A surpresa ao descobrirem aquela entrada secreta durou pouco até virem um ser que se assemelhava a um tatu-bola sair pela escotilha.
— Então esse é o tal escavador… — cochichou Maycon.