Vigilante Eterno - Capítulo 3
Ao longe, ouvia-se o som de sirenes, gritos e choros, todos juntos formando uma terrível sinfonia que ecoava por toda a vila. Uma fumaça negra, proveniente dos diversos incêndios pela cidade, cobria o céu ensolarado, trazendo escuridão para aqueles infortunados abaixo.
Um rastro de destruição era deixado para trás pela besta, que avançavam cidade adentro, destruindo tudo que via pela frente. Ela passava por cima das casas, as demolindo com sua força absurda como se fossem feitas de papelão. Soltava um rugido ensurdecedor enquanto caminhava, como se sofresse de uma terrível interminável.
A polícia foi acionada, mas nada podiam fazer além de ajudar os feridos. Os tiros de seus revólveres e pistolas não surtiam menor efeito, eles ricocheteiam quando atingiam as escamas que mais pareciam placas de metal impenetráveis que rodeando aquele corpo bestial como uma armadura feita sob medida.
Os moradores corriam para o porto, onde um enorme número de pessoas estava aglomerada, esperando os barcos de resgate. Devido ao limite de peso, foi dada a prioridade para os feridos, crianças e idosos, mas muitos se arriscaram se pendurando do lado de fora dos barcos e outros se jogavam no rio e nadavam para o mais longe possível, uma cena caótica. Os choros e gritos fazia ser impossível escutar qualquer coisa dita pelos paramédicos que carregavam marcas com pessoas em estado crítico, enquanto outros faziam massagens cardíacas incessantes ou tentavam estancar sangramentos.
Quando começou a ouvir os gritos e sirenes, uma jovem mãe correu para dentro do quarto onde seu bebê de apenas 1 ano esperneava sem parar. Seu marido, que estava no trabalho, não atendia o telefone. Sem saber o que fazer, ela se trancou dentro de casa. Sua mente estava uma loucura.
Era um dia como qualquer outro até aquele caos começar do nada, não sabia qual era a melhor decisão, tinha medo de sair de casa e dar de cara com o que seja lá que estava lá fora, causando esse alvoroço.
E se seu marido já estivesse a caminho e encontrasse a casa vazia? Só Deus sabe o que ele ia achar que teria acontecido com ela e o seu filho.
“É melhor eu esperar aqui. Mas que diabos está acontecendo? Eu perguntei aos vizinhos, mas eles também não sabiam de nada. Será que foi alguma daquelas coisas que passou pela cerca? Não, impossível! Os vigilantes teriam o impedido antes de chegar aqui. Um assalto ao banco talvez? Mas nessas proporções? O que eu devo fazer?” pensava ela, suando frio.
A mulher agarrou seu filho na tentativa de acalmá-lo, mas sem sucesso, o rosto da criança estava rubro de tanto chorar. Ela o pôs no colo e foi com ele para debaixo de um cobertor na tentativa de abafar o som vindo de fora, isso até que funcionou e o bebê começou a se acalmar aos poucos. Foi quando ela escutou um grito muito mais alto que os outros, parecia vir de fora da casa.
— Socorro! — gritou uma mulher do lado de fora da casa.
A moça reconheceu a voz de sua vizinha. Também conseguia ouvir o grito de outra pessoa, parecia ser de um homem. Ela não se conteve, não podia simplesmente ignorar aquilo, tinha que pelo menos olhar a situação e ver se podia fazer alguma coisa.
Ela colocou seu bebê de volta no berço, agarrou o celular e andou com toda a calma possível em direção à porta da frente. Todo seu corpo tremia, sentia uma vontade incontrolável de chorar, fechar os olhos e rezar para que tudo aquilo fosse apenas um pesadelo, mas sabia que isso não era possível.
Ao chegar na porta, ela a abriu de leve, deixando apenas uma pequena fresta aberta onde enxergou com certa dificuldade uma pessoa ensanguentada deitada no meio da estrada, bem na frente da sua casa. Não conseguia reconhecê-la, mas podia imaginar que se tratava da sua vizinha. O seu corpo estava repleto de cortes profundos que não paravam de jorrar sangue, como se tivesse sido cortada por diversos machetes ao mesmo tempo, a pele de seu rosto foi completamente arrancado, sobrando apenas uma poça de sangue no lugar. Mesmo naquele estado, por algum milagre, ela ainda estava viva, soltava alguns espasmos, além de ainda conseguir falar mesmo que com muita dificuldade.
“Tenho que ajudar ela, não posso deixá-la nesse estado deplorável. Mas o que eu poderia fazer? Não sou médica e mesmo que fosse, é só questão de tempo até ela morrer. E se o que quer que tenha feito isso com ela ainda estiver lá fora, apenas esperando a próxima vítima.” pensou a moça, hesitando se devia ou não ajudar sua vizinha.
Seus pensamentos foram interrompidos por outro grito, dessa vez de um homem. Ela abriu um pouco mais a porta e viu, um pouco mais à direita da vizinha ensanguentada, um homem aos berros enquanto era atacado pelo que parecia ser que parecia um enorme lagarto aos olhos da moça, que assistia aquilo com horror. Logo a mulher percebeu que se tratava do marido de sua vizinha, a mesma que jazia à beira da morte logo ao seu lado.
Ela ficou em choque assim como qualquer um que estivesse em sua situação. O homem tentava desesperadamente fugir, mas suas duas pernas estavam presas entre os enormes dentes daquela criatura. Ele tentava esfaquear desesperadamente o imenso rosto do monstro com uma simples faca de cozinha, mas sem sucesso, a faca não conseguia penetrar aquelas escamas rochosas e acabou se partindo em pedaços após alguns golpes.
Sem a faca, o homem não viu escolhas a não ser começar a gritar ainda mais enquanto se debatia sem cessar, foi quando percebeu que estava sendo observado ao ver a porta da casa ao lado semi aberta.
— Dolores, me ajuda! — gritou o homem com todas as força que ainda lhe restavam.
Foi questão de segundos. Logo após o grito, Dolores viu os olhos da criatura, que até então estavam totalmente focados naquele homem, girarem como uma roleta e se fixarem em sua direção. Agora, não era apenas seu vizinho que tinha percebido sua presença, aquela besta sedenta também tinha a visto, parando de repente de mastigar as pernas já estraçalhadas do homem e virando-se em direção à casa de Dolores.
Ela fechou a porta o mais rápido que pode, passou a chave, como se fosse o suficiente para impedir aquela coisa de arrombar a frente de sua casa, e correu em direção ao quarto do seu filho.
“Meus Deus, como isso pode estar acontecendo? Os vigilantes ficam de guarda o dia todo, como deixaram esse monstro passar? E onde estão esses malditos? Já faz tempo que tudo isso começou e nenhum sinal dele. Para que são pagos, afinal? Não importa, tenho que pegar o pequeno e sair daqui o mais rápido possível e encontrar o meu marido.” pensou Dolores, desesperada.
Ela já estava prestes a entrar no quarto quando escutou um grande estrondo. De repente, tudo ficou escuro, não sentia nada, era como se tivesse sido engolida por um buraco negro em instantes e agora flutuava pelo vácuo sem fim.
“Estou morta, é isso? Meu corpo está todo dormente. Consigo ouvir apenas um zumbido. Nem tive tempo de me despedir. Mãe, pai, meu amado marido e meu filho… meu filhinho, Matheus. Por favor, Deus, que ele tenha sobrevivido”.
Em poucos segundos sua consciência começou a voltar. Sentia dor dos pés a cabeça, mas o pior, com certeza, era a dor de cabeça, que parecia estar sendo perfurada por agulhas repetidas vezes, sem parar.
Ela tentou se levantar, mas não conseguiu, era inútil. Algo estava prendendo um de seus pés. Quando abriu os olhos, tudo estava borrado, demorou um tempo até a sua visão voltar ao normal, foi quando ela viu o berço onde estava o bebê, intacto. Pela primeira vez ela ficou feliz de ouvir o choro de seu filho.
Toda a casa tinha desabado em segundos, mas por um milagre divino o seu filho não tinha sofrido um arranhão.
“Obrigado, Deus.” ela pensou enquanto lágrimas geladas escorriam pelo seu rosto sujo de poeira.
Enquanto tentava se soltar dos escombros, uma gosma transparente e fétida caiu bem na sua frente, quase atingindo uma de suas mãos. O odor produzido por aquele muco era muito forte ao ponto de arder os olhos, além disso, a baba parecia ser ácida, afundando no chão enquanto soltava um pouco de fumaça que se dissipou no ar.
Dolores olhou para cima na tentativa de ver a origem da gosma, se deparando com o enorme rosto da criatura, que olhava fixamente para o berço onde o bebê esperneava incansavelmente. A criatura encarava aquele pequeno ser barulhento com seus enormes olhos vesgos e com a enorme boca aberta, de onde pingava a gosma.
Logo após perceber a mulher dentro de casa, a criatura decepou as duas pernas em sua boca, largando sua até então presa para ir atrás de um aperitivo mais atraente. Enquanto tentava subir no telhado, o seu peso fez com que a estrutura da casa, que já estava em mau estado, cedesse, transformando-a em uma pilha de escombros.
Dolores começou a gritar o máximo que podia, usando todos os xingamentos que vinham em sua mente na tentativa de chamar a atenção do monstro para si, mas não adiantou, aquela aberração ignorou todas as ofensas proferidas por Dolores e continuou seu caminho a passos curtos até o berço
“Não pode ser… não pode acabar assim.” pensou enquanto assistia aquela cena, impotente, sem esperança ou força de vontade.
O monstro estava de frente para o bebê, pronto para devorá-lo com apenas uma única mordida. Dolores fechou seus olhos, não queria ver aquela cena horrenda que estava prestes a acontecer.
Momentos antes da criatura fechar sua boca por completo, raízes surgiram do chão em volta do berço, o cobrindo-o, formando uma espécie de casulo que protege a criança de ser devorada.
O casulo criado pelas raízes era resistente, resistente o suficiente para parar aqueles enormes dentes maciços, mas o monstro apenas ignorou e continuou a morder aquele casulo incansavelmente.
Dolores abriu seus olhos ao escutar o som dos dentes estalando nas raízes. Uma chama de esperança reacendeu em seu peito, sabia que agora ela e seu filho estavam a salvo.
Poti apareceu por cima dos escombros logo a frente da criatura, lançando-se em sua direção sem hesitar, aplicando uma sequência de socos firmes e velozes, que acertavam em cheio o enorme rosto desfigurado da aberração com uma força descomunal, fazendo-a recuar para longe.
Vidal apareceu logo depois. Ele carregava um bastão de madeira na mão, o mesmo que usou como vara de pesca, mas dessa vez estava com um formato diferente, parecia mais resistente e coberto por ornamentos, como se tivesse sido esculpido a mão.
— Não se preocupe, vim aqui para ajudar — disse Vidal calmamente, enquanto ia em direção a Dolores.
Ele estava claramente nervoso, suas pernas tremiam e o suor frio escorria pelo seu rosto, mas mantinha um leve sorriso na tentativa de disfarçar o nervosismo.
— Consegue mexer a sua perna? — perguntou Vidal vendo a situação de Dolores.
— Consigo, mas ela está presa entre os escombros — disse Dolores chorando de alívio.
— Pode deixar, então. Quando eu falar “Vai”, você puxa sua perna e rasteja para fora dos escombros.
Vidal pôs o bastão entre os escombros que prendiam o pé de Dolores, puxando-o para baixo com toda sua força, fazendo aquela enorme pilha de destroços levantar alguns centímetros, livrando a perna da moça.
— Vai! — gritou Vidal com a cara avermelhada devido ao enorme esforço físico.
Após sair de baixo do amontoado de escombros, Dolores se levantou com dificuldade e se pôs em direção ao casulo logo em seguida.
— Ah, sim, me esqueci, desculpe. — Com um estalar de dedos, Vidal fez o casulo se desfazer, revelando o bebê sem nenhum arranhão.
— Obrigada por tudo. Você é um herói — disse Dolores, enquanto segurava seu bebê que não parava de chorar.
— Não foi nada, moça… é apenas meu dever — disse Vidal com um sorriso no rosto.
Por um momento, o medo se dissipou de sua mente, dando lugar para uma sensação reconfortante de alívio.
— Vidal! Ajuda! — gritou Poti do outro lado dos escombros.
— Já estou indo. Moça, vá até o porto. Você e seu bebê vão estar seguros lá — disse Vidal, enquanto desaparecia por entre a montanha de escombros.
No caminho para o porto, Dolores viu uma garotinha correndo na direção contrária. A garotinha parecia ter entre 8 e 9 anos. Estava com o rosto ensopado de suor.
— Ei, garota, aonde você vai? Ir por aí é perigoso — disse Dolores. A garota ignorou suas palavras e continuou a corrida em direção à criatura e os vigilantes. — Ei, menina, volte aqui!