Vigilante Eterno - Capítulo 4
Poti se encontrava jogado no asfalto quente contra sua vontade. Sua camisa estava rasgada devido ao atrito com o solo. Ele sentia sua costa arder, como se estivesse sendo lixada.
A criatura o tinha jogado no chão usando sua força avassaladora e agora estava por cima do vigilante, enquanto tentava devorá-lo, o que só não conseguiu porque Poti estava segurando as presas da criatura com as mãos nuas.
“Mas que merda! Eu pensei que conseguiria lidar com isso sozinho.” pensou ele, enquanto tentava pensar em um jeito de se safar daquela situação crítica.
Seus dedos sangravam por segurar as presas afiadas como navalhas daquela monstruosidade, mas não tinha escolha, se as soltasse iria perder, no mínimo, os seus dois braços, então era preferível se manter nessa situação até a ajuda chegar.
— Vidal, cadê você, porra?! Eu juro que se eu perder um dedo que seja, você tá fora da organização! — gritou Poti, enquanto usava toda sua força para manter a boca da criatura aberta.
Um odor forte saia de dentro da garganta do monstro, chegava a fazer os olhos lacrimejarem de tão forte que era, Poti tinha que se segurar para não vomitar o seu café da manhã.
Além do hálito putrefato, ele também tinha que lidar com a saliva ácida que pingava em seu rosto e peito. Ao entrar em contato com a pele, a gosma queimava o local, deixando uma crosta escura no lugar.
“Onde tá aquele merda do Vidal? Ele já resgatou o bebê?”
Os seus braços já estavam no limite, ele não aguentava mais competir com a força bruta daquela monstruosidade, era uma luta injusta. Só mais alguns minutos e os seus músculos iriam ceder, trazendo assim a sua morte.
Vidal apareceu por cima dos escombros, por trás da criatura. Ao ver o estado em que o seu parceiro se encontrava, ele prontamente fincou seu bastão na calçada, em frente a casa demolida, com toda sua força.
— Larga ele, seu desgraçado! — gritou Vidal na tentativa de chamar a atenção da criatura, mas sem sucesso. Quando aquele predador escolhia uma presa, ele não iria tirar os olhos dela até que estivesse morta.
Raízes brotaram do chão, rachando o asfalto com facilidade e logo se puseram em volta das pernas e pescoço do bicho, o atendo.
Agora que o inimigo estava imóvel, Poti aproveitou a chance que lhe foi dada e com um chute no peitoral da criatura, impulsionando-se para fora, saindo debaixo do monstro.
— Eu já estava começando a pensar que tinha se esquecido de mim — disse Poti, enquanto limpava a poeira de sua roupa rasgada.
— Foi mal. Tinha uma mulher presa por entre os escombros, então tive que ajudá-la — disse Vidal na tentativa de justificar sua demora.
— Sem problemas. Agora vamos acabar com isso — disse Poti com um sorriso malicioso no rosto, pronto para dar o troco no bichão.
Poti estava arregaçando as mangas, enquanto caminhava em direção à criatura imóvel, quando de repente, viu um vulto pelo canto do olho vindo em sua direção, a velocidade foi tanta que houve tempo para reagir. Ele sentiu seu pé direito ser agarrado e quando se deu conta, já tinha sido arremessado no ar. Vidal ficou sem reação ao ver aquilo.
— O rabo, seu imbecil! — gritou Poti, enquanto girava no ar.
Ao ouvir as palavras de seu parceiro, Vidal percebeu que não tinha prendido o rabo do monstro, deixando ele livre para agarrar Poti e arremessá-lo para longe.
“Eu sou um animal mesmo. Como fui cometer um erro tão idiota como esse?” pensou Vidal, irritado com sua displicência.
Usando sua cauda, a besta conseguiu destruir as raízes que a continham, se libertando por completo. Vidal se pôs em uma posição defensiva, estava sozinho, agora teria que lidar com o inimigo implacável enquanto Poti voltava para a batalha, o que poderia demorar bastante.
O monstro deu uma volta de 180 graus, girou seus olhos até eles se fixarem em Vidal, bufou como um touro esbravecido se preparando para o ataque. Após um rugido rouco e distorcido, a criatura começou a galopar furiosamente em direção a sua nova presa. A cauda balançava freneticamente, destruindo os postes no caminho com um impacto avassalador.
Ao ver aquela muralha de carne e ossos vindo em sua direção, Vidal hesitou por alguns segundos.
“Talvez seria melhor eu fazer uma retirada estratégica e me reunir com Poti. Não, isso é só uma desculpa. Eu estou com medo, essa é a verdade. Mas que droga! Desde que recebemos o alerta pelo rádio, minhas pernas não param de tremer, meu coração parece que vai sair pela boca a qualquer momento. Eu achei que quando chegasse a hora de encarar o perigo eu não ia titubear, e olha eu aqui, quase me mijando de medo no momento que todos precisam de mim.” pensou Vidal frustrado.
Os seus pensamentos autodepreciativos foram interrompidos pelos gritos de uma garota.
— Rodrigo, pare! Pare, agora! — gritava a menina repetidamente, colocando-se em frente a Vidal, com os braços abertos numa tentativa de sinalizar para aquela aberração parar imediatamente.
De algum jeito que Vidal não conseguiu entender, a criatura parou instantaneamente ao perceber a presença da garota. Seus imensos olhos esbugalhados, agora fixos no rosto encharcado de suor e lágrimas da garota, pareciam observá-la com certa curiosidade, como se tivesse a reconhecido.
Vidal encarou aquilo com muita surpresa e dúvida, demorou um tempo para raciocinar o que acabara de acontecer. Uma garota conseguiu parar aquela calamidade ambulante apenas com palavras e gestos, algo que ele nunca tinha pensado ser possível.
A criatura começou a soltar grunhidos que se assemelhavam a um choro, logo depois, abaixou sua cabeça como se tentasse esconder sua aparência grotesca da menina, como se sentisse vergonha dos crimes brutais que tinha cometido.
A garota foi se aproximando lentamente e de maneira delicada, quando estava perto o suficiente, ela esticou sua mão direita, encostando-a na testa saliente e escamosa do monstro. Vidal pensou em soltar algumas palavras de reprovação para a garota, na tentativa de fazê-la se afastar, mas não conseguiu graças a sua surpresa diante aquilo tudo. Estava espantado e admirado ao mesmo tempo.
— Vai ficar tudo bem. Eu vou fazer você voltar ao normal — cochichou a garota com a bochecha encostada na testa do monstro, enquanto o acariciava gentilmente.
Ao ser lançado, Poti acabou atingindo uma caixa d’água, que explodiu com o impacto, jorrando litros e litros por todo o telhado da casa.
Ao entrar em contato com a água, a sua pele começou a assumir um tom azulado claro, escamas começaram a se formar em volta do seu corpo assim como nadadeiras entre seus dedos, tanto das mãos quanto dos pés, e também em ambas panturrilhas, antebraços e uma última que seguia por toda sua coluna até sua testa, formando uma espécie de moicano.
Seus olhos agora eram cobertos por uma membrana transparente, que dava a estranha impressão que seus olhos eram completamente brancos. Essas membranas permitiam ele enxergar debaixo d’água sem qualquer dificuldade, servindo com um óculos de mergulho natural.
Ele também tinha aumentado de tamanho, agora tinha 2 metros de altura. Seus músculos também estavam mais volumosos. Nessa nova forma, Poti também tinha dois pares de barbilhões, um logo embaixo do nariz, se assemelhando com um bigode, e outro no queixo, parecendo um cavanhaque.
Guelras também surgiram em seu pescoço, logo abaixo de seu maxilar. A face de Poti também sofreu algumas alterações, seu cabelo sumiu completamente, sendo engolidos pela camada de escamas que cobriu todo seu corpo como uma segunda pele, seus lábios ficaram mais grossos e sua boca aumentou de tamanho, se assemelhando mais a um peixe, além disso, seus dentes ficaram mais afiados e pontudos. O seu nariz não sofreu alterações, agora poderia respirar tanto na superfície quanto dentro d’água.
— Não achei que teria que apelar para isso — disse Poti olhando para si.
Ele tinha vergonha dessa aparência. Mesmo que tentasse esconder dos outros, era visível seu desconforto quando se transformava em público, por isso apenas se transformava em casos mais extremos. Mas não era como se ele tivesse controle sobre isso, qualquer parte de seu corpo que entrasse em contato com uma gota de água sequer iria iniciar o processo de metamorfose, em contra medida, ao ficar seco por mais de 5 minutos, seu corpo voltava à forma original.
— Que se foda! Agora tenho que correr para ajudar o Vidal.
Poti pulava de telhado em telhado, indo na direção oposta à que tinha sido lançado. Tinha acabado de ouvir o rugido da criatura e estava com receio do que teria acontecido com Vidal nesse curto espaço de tempo. Quanto mais se aproximava, ele percebia o silêncio macabro que ficou logo após o rugido.
“Será que ele foi devorado por aquela coisa? Não, não é possível! Ele deve ter recuado para nos reagrupamos. Mas então nós já teríamos nos encontrado. O que aquele maluco fez?” pensou Poti, acelerando a corrida o máximo que pode.
Mesmo aquela sua forma sendo mais forte na água do que na terra, os seus atributos ainda eram absurdamente aumentados. Seu fôlego, força e resistência eram aumentados em pelo menos 2x quando em terra, já em água podia chegar até em 4x mais do em sua forma humana.
Ao chegar no local, ele se deparou com a mesma cena que Vidal tinha presenciado há poucos segundos, mas com uma percepção diferente. Viu aquela garota próxima do monstro, com Vidal logo atrás dela.
“O que ela pensa que está fazendo. Aquela garota vai ser devorada em instantes.”
Poti teve apenas alguns segundos para agir. Com um enorme impulso, ele pulou do teto que se encontrava, destruindo as telhas da casa, e foi com tudo para cima da criatura.
— Vidal, tire essa menina daqui! — ordenou Poti, enquanto estava no ar.
Ele se chocou nas costas cobertas de pelos do monstro, que soltou um berro estridente de agonia. Vidal agarrou a menina, levando-a para longe da batalha que acabara de iniciar. A garota gritava, protestando contra aquela ação, se debatendo na tentativa de se libertar dos braços de Vidal, que corria para longe do combate.