Vigilante Eterno - Capítulo 5
— Me larga. Vocês não entenderam, eu tenho que ajudar ele — gritava a menina repetidamente, enquanto se debatia nos braços do vigilante.
Vidal estava em silêncio, ignorava a algazarra criada pela garota e apenas continuava a correr para longe até achar um lugar seguro onde poderia deixá-la.
“Como eu fui estupido ao deixá-la chegar perto da criatura daquela coisa. Ela poderia estar morta agora, mas não está. Por quê? Não pode ser simples coincidência, ela deve saber de algo, alguma fraqueza ou algo do tipo.”
Vidal parou abruptamente, pôs a garota no chão, segurou em seus ombros para impedi-la de fugir e olhando fixamente em seus olhos castanhos escuros, ele perguntou:
— Como você fez aquilo?
— O quê? Fazer o quê? — indagou a garota nervosa, ainda se debatendo.
— Você parou o monstro, como se estivesse o adestrando. Como você fez aquilo?
— Ele não é um monstro, é o meu irmão! — respondeu a garota.
Vidal não conseguia entender. Do que aquela menina estava falando? Talvez estivesse apenas delirando, mas o que explicaria ela ter parado a criatura com simples gestos e palavras? Não, era algo além de apenas um delírio.
— Qual o seu nome? — perguntou Vidal de forma gentil, enquanto soltava os ombros da garota.
— Vanessa.
— Vanessa, certo. Você disse que aquilo é seu irmão. Rodrigo, foi assim que você chamou ele, não foi?
— Sim, Rodrigo. Ele é meu irmão mais velho.
Vanessa já estava mais calma, tinha acabado com o seu chilique e agora parecia disposta a cooperar com Vidal.
— Me explique melhor. Como “aquilo” é o seu irmão?
— Ele não era assim. Foi pela madrugada. Eu estava dormindo quando fui acordada pelos berros dele. Ele não falou nada com nada e apenas correu para o meio da mata. Procurei por ele o resto da noite até que ouvi os gritos vindos da cidade. Foi então que vi no que ele tinha se transformado, mas eu sei… eu sei que ainda é o meu irmão.
Vidal ficou surpreso com a história. Se fosse realmente verdade, o que ele fielmente acreditava ser, então aquilo poderia responder muitas dúvidas sobre as criaturas misteriosas que viviam do outro lado da cerca.
— Ela já tinha se transformado antes?
— Não, nunca! Ele é normal, eu juro. Foram aqueles caras, certeza…
— Caras? Que caras? — interrompeu Vidal.
— Já faz um tempo, quando dois homens estranhos apareceram em nossa casa e ofereceram alguma droga para o Rodrigo. Ele não aceitou e mandou os dois irem embora ou ele iria chamar a polícia, mas… mas eles ofereceram dinheiro… muito dinheiro.
— Dinheiro? Para ele experimentar a droga?
— Eles viram que a gente estava passando por dificuldades. Nossa mãe está doente e não sai da cama há 3 meses. Rodrigo trabalha em um mercado, mas por ser menor de idade, o dono da loja dá metade de um salário mínimo, usando como desculpa o risco de levar uma multa se descobrirem que ele trabalha lá. Mal conseguimos comprar comida para o mês, imagina pagar as contas. Eles ofereceram 5 mil. Eu disse para ele recusar, mas ele não me ouviu. Os estranhos o levaram para um galpão abandonado. Rodrigo disse para não o seguir, mas fiz mesmo assim. Eu fiquei escondida atrás de uma moita do lado de fora do galpão, então não consegui ver muita coisa. Os dois homens aplicaram a droga nele e o trancaram em uma sala, eu consegui ouvir os gritos de agonia dele, pensei em chamar a polícia, mas tive medo de prenderem o meu irmão junto, então decidi esperar. Depois de 10 minutos, eles o deixaram ir embora.
— Entregaram o dinheiro? Como ele ficou após tudo isso?
— Sim, eles cumpriram com a palavra e entregaram a quantia prometida. Ele estava normal, a droga não surtiu efeito nenhum, pelo menos nos 2 primeiros dias. Foi na madrugada do 3° dia que os gritos voltaram e todo esse caos começou.
— Entendi. Agora eu vou ter que voltar e ajudar o meu parceiro. Você tem que fugir para o porto, onde é seguro. Você promete que vai obedecer?
— T-tá, eu prometo. Mas você também tem que me prometer uma coisa: você tem que salvar ele. Mesmo tendo virado aquilo, ele ainda é o meu irmão, eu tenho fé que ele pode voltar ao normal — disse Vanessa, hesitando em cumprir com a promessa.
— Certo, eu prometo que vou salvar o seu irmão.
Vidal partiu em direção à briga, deixando Vanessa para trás. Ao longe, Poti estava em um confronto acirrado, o seu oponente desferia diversas mordidas em sua direção, por sua vez, ele desviava agilmente das investidas mortais, capazes de decepar os seus membros com facilidade.
Por causa dos ataques incessantes, Poti não achava uma abertura para um contra-ataque. Ele almejava atingir as costas do monstro, a qual pensava ser o ponto franco. Quando fez o seu ataque surpresa, atingindo a criatura nas costas, ele percebeu que aquela área coberta por pelugem não possuía escamas, sendo a única área desprotegida do bicho.
“Mas que merda! Essa coisa não para de atacar, parece ser incansável. Só me resta esperar pelo Vidal, assim ela vai ser obrigada a dividir sua atenção entre dois oponentes e em algum momento vai dar abertura para um contra-ataque decisivo.”
O monstro continuava a avançar com violência sobre Poti. Suas dentadas destroçaram tudo que atingia, desde postes a carros, menos o seu verdadeiro alvo. Os ataques eram seguidos pelos urros que transmitiam o ódio incontrolável que aquele ser estava sentindo naquele momento.
Foi durante uma de suas acrobacias para desviar dos ataques que Poti percebeu uma brecha por cima do monstro. Sem hesitar, ele deu um salto por cima da cabeça da besta, que acabou abocanhando o asfalto.
Era a oportunidade perfeita, ele só tinha que pousar em cima das costas do inimigo e aplicar um golpe fatal que acabaria com aquele pesadelo.
Poti viu pela sua visão periférica um vulto vindo em alta velocidade ao seu encontro. Não teve tempo para reagir. Como um chicote, o rabo do monstro o atingiu com tudo em suas costelas, lançando-o em direção ao muro de uma casa logo atrás, abrindo um rombo na parede de concreto com o choque do impacto.
— Maldita cauda — resmungou Poti, enquanto tirava os escombros do seu caminho.
A criatura começou a produzir sons estranhos, como se estivesse com algo preso na garganta, expelindo um jato da gosma ácida na direção de Poti, que teve poucos segundos para reagir, conseguindo desviar do caldo viscoso e que tresandava um fedor terrível.
Ao entrar em contato com os destroços, o muco começou a soltar uma fumaça preta, derretendo até mesmo o concreto. Ao ver aquilo, Poti ficou em alerta. A baba estava mais potente que antes, se aquilo entrasse em contato com sua pele poderia causar sérios danos.
“Tenho que tomar cuidado, mas, ao mesmo tempo tenho que derrotá-lo o mais rápido possível. Parece que a cada minuto que passa ele fica mais e mais forte, por outro lado, eu apenas me canso e me desgasto.”
Usando suas pernas para propulsionar o seu enorme e pesado corpo, o lagarto gigante pulou em direção a Poti, com intenção de mordiscá-lo com seus enormes dentes, mas falhou, com o vigilante conseguindo desviar do ataque com um grande mortal para trás.
Com sua capacidade física sobre-humana, Poti aproveitou a deixa e disparou de forma explosiva pelo flanco direito da besta, chegando em sua costas em poucos segundos, ponto onde achava ser o ponto cego do monstro.
Poti conseguindo agarrar a enorme cauda, afundando os seus dedos nas escamas duras. O monstro reagiu a investida atrevida e começou a se debater na tentativa de fazer o vigilante largá-lo, mas isso não serviu de nada além de gastar suas energias.
Usando todas as fibras musculares de seu corpo para um esforço conjunto, Poti arremessou aquela besta de mais de 1 tonelada em cima de uma casa, que explodiu em pedaços com o choque monstruoso, lançando uma fumaça de poeira no ar que cobriu a criatura que se encontrava soterrada pelos destroços.
— Se prepara, seu Maldito! Você está fodido nas minhas mãos! — disse Poti ofegante devido ao esforço descomunal que fizera.
Em pouco tempo, ele recuperou as energias e se preparando para mais um lançamento, estava disposto a apenas largar aquela cauda quando o monstro estivesse morto.
Ele percebeu uma estranha facilidade ao puxar o rabo, como se estivesse mais leve ou ele que estava mais forte, o que não era o caso. Quando o nevoeiro de poeira se dissipou, o vigilante teve uma surpresa ao ver que a calda tinha se separado do resto do corpo.
— Mas o que?! Onde está aquele desgraçado? — disse Poti confuso, ainda com a calda em mãos.
Foi extremamente rápido e preciso, até como se tivesse sido planejado. Ao soltar o próprio rabo como um lagarto, a besta se esgueirou pela fumaça e atacou Poti pelos flancos, mordiscando metade do corpo do vigilante, da cintura para cima. Poti só não foi decepado ao meio por causa de seu reflexo de usar os braços para agarrar os dentes da criatura em um ato desesperado para não ser devorado vivo.
— Merda! — berrou Poti.
Ele sentia uma pressão enorme lhe esmagando, como se estivesse embaixo de uma prensa hidráulica. Seus ossos e músculos estavam sendo forçados ao limite, se ficasse mais que alguns segundos naquela situação, seria morte na certa.
Para deixar a situação ainda pior, a criatura começou expelir a baba ácida, queimando as costas de Poti, que sentia como se estivesse deitado em um chapa com óleo fervendo. Um calor anormal começou a tomar conta de seu corpo, além da falta de ar junto com o desespero.
“Estou morto, é isso.” pensou Poti, já aceitando o seu destino.
A besta soltou um urro ensurdecedor que quase estourou os tímpanos de Poti, que foi cuspido no chão. Surpreso, ele olhou para a fera que se debatia de dor, vendo que Vidal estava em pé nas costas do monstro. Vidal tinha fincado o bastão na parte coberta por pelugem, o ponto fraco do inimigo.
Vendo que seu parceiro estava com dificuldades em manter o equilíbrio em cima daquela monstruosidade, que se mexia incessantemente, Poti conseguiu aplicar uma chave de braço em volta do pescoço da besta, apertando-a com força, restringindo seu movimento.
Vidal, agora estabilizado, se pôs em posição e usando todo o peso de seu corpo, transpassou o bastão pelo corpo da besta, perfurando o seu coração e a matando definitivamente.
Antes de morrer, o inimigo soltou um último grunhido junto de jatos de sangue, desabando no solo logo em seguida. Vidal fez força ao puxar o bastão das costas da besta, fazendo um jato de sangue sair pela ferida, molhando o seu rosto e manchando sua camisa branca.
O bastão tinha sido modificado por Vidal para ficar com a extremidade afiada, como a ponta de uma flecha, assim, perfurando a carne com mais facilidade.
— Me desculpe, Vanessa, eu não cumpri com a minha promessa — disse Vidal em um tom melancólico.