Vigilante Eterno - Capítulo 8
— Mano, a gente tá fudido. Nós fizemos muita merda — disse uma voz fina e irritante vindo de dentro do galpão. O dono da voz parecia extremamente nervoso.
Ao ouvir a voz, Vidal paralisou em frente a porta de metal, ficando imóvel por alguns segundos até escutar a segunda voz.
— Relaxa, tá tudo nos conformes, não fica estressado. Vamos pegar o bagulho e sair vazado, entendeu? — disse a segunda voz, rouca, como se fosse um fumante falando. Diferente da primeira, o segundo indivíduo parecia ser mais confiante, não expressando nervosismo na voz.
“Os dois caras que a Vanessa falou… esses desgraçados. Tenho que agir agora.”pensou Vidal, fincando o bastão na terra.
Raízes brotaram em frente ao portão principal, cobrindo-o por completo. O barulho produzido pelas raízes transpassando o solo alertou os dois suspeitos, que puseram-se a correr dentro do galpão.
Vidal, esperando que eles saíssem pela porta dos fundos, se pôs em posição de ataque, esperando os suspeitos mostrarem a cara para dar o bote.
Cinco segundos se passaram e a porta nem se mexeu, os barulhos já tinham cessado.
“Vamos malditos, saiam!” pensou Vidal tenso.
Quando já tinham se passado 8 segundos, Vidal abriu a porta com um chute, se deparando com o galpão deserto. A falta de iluminação fazia os cantos do lugar serem tomados por um breu, sendo impossível saber o que se encontrava lá.
A passos curtos e precisos, Vidal foi até o centro do galpão, desviando das agulhas e ampolas no caminho. De pé, logo embaixo do buraco no teto, que era de onde vinha os poucos raios de sol que iluminavam o covil, Vidal escutou algo à sua direita, virando-se logo em seguida, preparado para uma investida.
Ao invés de um ataque, Vidal foi surpreendido ao ver uma criatura alada saindo das sombras e vindo em sua direção, enquanto batia suas enormes asas. A criatura, que se assemelhava a um urubu, levava uma caixa selada em seus braços e carregava um homem encapuzado, que também levava uma caixa em seus braços, preso em seus pés.
O urubu gigante deu um rasante por cima de Vidal, que desviou por reflexo, fugindo pelo buraco no teto.
— Bye, bye, otário — gritou o homem encapuzado com sua voz fina.
Ao ver aquela cena bizarra e inesperada, Vidal não hesitou em sair do galpão, vendo os dois suspeitos voarem para longe. Eles já deviam estar a 10 metros de distância, quando Vidal usou sua habilidade especial de transmutar o bastão de madeira, mudando a sua forma e atributos para ficar semelhante a um cipó.
Vidal prontamente fez nó na ponta do cipó, usando como um laço logo em seguida para laçar a perna direita do suspeito encapuzado, contendo a dupla em pleno ar. Vidal usou todo o seu peso para segurar os suspeitos.
O urubu batia asas o mais rápido que podia, mas não saia do lugar, quando olhou para trás foi que percebeu o que estava lhe segurando.
— Merda! Mano, o babaca me agarrou! — alertou o encapuzado ao seu parceiro.
— Tenta cortar essa porra — berrou o uruburu.
— Não dá, eu tô carregando o bagulho — disse o encapuzado, se debatendo na tentativa de se livrar do laço.
— Para, filho da puta! Você vai fazer nós dois cair! — alertou o uruburu, que continuava a bater asas sem parar. Ele já tinha que fazer um grande esforço para carregar o seu parceiro e as caixas junto, e agora nessa situação, o seu corpo estava no limite. — Foi mal Snitch, de verdade.
— Do que você tá falando? — indagou Snitch, segundos antes de ser largado por seu parceiro.
Enquanto caía, o criminoso berrava, implorando ao seu companheiro para que não o deixasse. O encapuzado caiu de uma altura de mais de 5 metros em cima de um matagal que amorteceu um pouco a queda.
— Mas que droga! — gritou Vidal, vendo o segundo suspeito voar para longe.
Enquanto ficava ali, parado, sem saber o que fazer para impedir a fuga do criminoso, Vidal escutou uma voz feminina logo atrás de si.
— Deixa esse comigo, você cuida do outro — disse Aline, enquanto corria em direção ao segundo suspeito.
— Certo, pode deixar — disse Vidal, assentindo com a cabeça, colocando-se em direção ao matagal em que o encapuzado cairá.
Aline adentrou a floresta, assobiando alto em direção ao céu, enquanto seguia o suspeito que se distanciava cada vez mais e mais, até sumir de seu campo de visão.
Aqueles assobios tinham sido direcionados a Harpia, que durante todo aquele tempo, estava rodeando o local, apenas esperando as ordens de sua amiga.
Quando escutou o assobio agudo, a enorme ave de rapina se pôs em direção ao novo alvo, o homem alado que voava acima da floresta. Com uma velocidade assustadora, a harpia agarrou sua presa com suas enormes garras, que se assemelhavam a facas, ficando-as na costas do suspeito, que berrou de dor.
Ele tentou se debater para se livrar da sua predadora, mas já era tarde demais, as garras já tinham fincado em sua carne, ele rapidamente foi perdendo as forças que ainda lhe restavam.
Já exausto, o criminoso jogou a toalha, parando de lutar contra a ave, caindo nas árvores logo abaixo junto com a caixa que carregava.
Enquanto isso, Vidal correu até o local onde o primeiro suspeito havia caído, encontrando apenas a caixa destroçada, com o conteúdo espalhado pelo chão, e o capuz que foi rasgado pelos galhos. A caixa carregava diversas ampolas com um líquido vermelho vinho no interior, muitas haviam quebrado, liberando o líquido, que tresandava um mau cheiro forte.
Ao longe, Vidal pode ver a silhueta do suspeito correndo por entre as árvores, se distanciando rapidamente até sumir da vista de Vidal.
— Se correr vai ser pior para você! — gritou Vidal, enquanto perseguia o criminoso pelo mato adentro.
O suspeito ignorou o aviso e continuou a sua fuga. Ele era extremamente rápido, mais que Vidal, que já estava ofegante.
— Que se foda! — berrou Vidal consigo mesmo, fincando o seu bastão no solo coberto por folhas.
Ele fechou os olhos, respirou fundo e entrou em um transe profundo. Nesse momento, Vidal podia sentir tudo em um raio de 50 metros, desde a mais leve brisa que batia em um galho, até o desabrochar de uma folha. Agora ele tinha conectado-se com toda forma de vida vegetal naquela área imaginária.
Essa é uma técnica extremamente complexa e que exige uma concentração enorme por parte de Vidal, que tinha que esvaziar sua mente para a técnica ser efetiva.
Entre tantas sensações, uma lhe chamou atenção, ele sentiu um galho sendo quebrado de forma abrupta, e depois outros, e mais outro em seguida, todos seguindo uma linha reta na direção oposta a Vidal. Ele tinha achado o suspeito.
Vidal usou de seus poderes de manipulação da vida vegetal para criar um muro de raízes em frente do suspeito, que foi engolido por aquela muralha de madeira, criando um casulo em sua volta.
Ao chegar no casulo, Vidal carregava um sorriso de orelha a orelha, era a primeira vez que usava essa habilidade em campo, e ficou extremamente satisfeito com o resultado.
— Eu disse que se corre-se era pior para você — disse Vidal de forma irônica, enquanto dava tapinhas no casulo.
Sons esquisitos começaram a vir de dentro do casulo, em pouco tempo, um buraco surgiu na lateral da prisão de raízes, bem em frente a Vidal, que pode ver a cara do suspeito.
Ele tinha um rosto deformado, parecido com o de um roteador, com os dentes incisivos amarelados e protuberantes, que destroçaram aquelas raízes com extrema facilidade.
A hesitação de Vidal proveniente da surpresa ao ver aquela aparência grotesca, foi aproveitada pelo criminoso, que aumentou o tamanho do buraco rapidamente até ser grande o suficiente para passar o seu corpo esguio. E assim o fez, pulando para fora do casulo, avançado em direção a Vidal, que usou o seu bastão para bloquear os dentes maciços que miravam a sua jugular.
Por o inimigo ser relativamente leve, Vidal o lançou no chão com extrema facilidade, chutando-o no estômago logo em seguida.
O suspeito soltou um berro ao ser golpeado na barriga, que se contraiu com o impacto, ele sentiu na pele a força explosiva esmagadora que aquele jovem vigilante possuía. Atordoado pela dor, o criminoso ergueu os braços em um gesto de rendição.
— Perdi, perdi!— gritava repetidamente.
— Fica de barriga no chão e mãos na cabeça, agora! — ordenou Vidal.
O criminoso obedeceu na hora, tendo seus membros presos com raízes que brotaram no chão, imobilizando-o. Enquanto era detido, o suspeito ficava tagarelando baixinho consigo mesmo, como se estivesse a queixar-se.
A mais de 300 metros dali, Aline chegava ao local onde o segundo suspeito tinha caído, encontrando-o preso em um emaranhado de galhos, com ambas as asas quebradas e com feridas profundas nas costas.
— Rende-se, agora! — gritou Aline, tomando fôlego.
— Eu não vou a lugar nenhum desse jeito — disse o criminoso de forma despreocupada.
Aline sacou uma pistola do coldre preso na sua cintura, mantendo-a apontada em direção ao inimigo o tempo todo. Aline, assim como todo vigilante, teve aulas de combate corpo a corpo, mas por ter atributos físicos de um humano normal, ela não tinha condições de confrontar um ser daquele de frente.
— Vamos lá, me mata logo. Acabe com o meu sofrimento — disse o criminoso de forma melancólica.
— Matar? Eu não vim aqui para te matar, vim aqui atrás de respostas — respondeu Aline, aproximando-se lentamente.
Ao ouvir aquilo, o homem uruburu mostrou-se surpreso, parecia que não estava esperando aquela resposta. Ele começou a se debater, na tentativa de se livrar dos galhos que o prendiam, mas o esforço foi inútil.
Quando Aline já estava bem próxima, o criminoso começou a emitir ruídos estranhos, como se estivesse coçando a garganta, vomitando uma porção de gororoba amarelada, que emitia um odor fétido, logo depois.
O mau cheiro era tão forte que fez Aline recuar alguns passos, enquanto tampava as narinas. A repulsa era tão grande, que Aline não aguentou, vomitando o seu café da manhã. Os seus olhos lacrimejavam e o seu nariz escorria ranho.
Aproveitando a oportunidade, o inimigo conseguiu desvencilhar-se do emaranhado de galhos, mancando mato adentro. Antes que conseguisse sair por completo do campo de visão de Aline, o criminoso acabou levando um tiro na sua perna boa, estatelando-se no chão logo em seguida.
— Truques sujos, ein? — indagou Aline, aproximando-se do oponente jogado no chão, enquanto limpava o ranho em seu rosto.
— Eu tinha que tentar, vai que tivesse funcionado — respondeu de forma irônica.