A Voz das Estrelas - Capítulo 13
Após toda a noite de sofrimento, Isaac e Isabella foram levados de volta para casa com dois familiares chamados às pressas.
Tudo havia acabado. Tudo estava monocromático.
O rapaz permaneceu calado durante tanto tempo que fez um incômodo cruel tomar conta da residência vazia, onde, naquele momento, apenas os dois se encontravam.
Sua maior preocupação era a irmã. Ela estava incomunicável desde então.
Durante todo aquele período doloroso, a via de cabeça baixa, com as franjas repartidas cobrindo um pouco das vistas que já eram cobertas pelos óculos.
— Isa…
— Mentiroso… — A voz rouca da garota o impediu de continuar. Ao ser encarado, viu sua pupila afiada penetrar-lhe a alma. — Você mentiu pra mim… Mentiu pra mim!!
— Eu… — Engoliu em seco, tentava encontrar as melhores palavras. — Eu só queria…
De repente, um riso escapou da boca trêmula dela, até crescer e crescer para se tornar uma gargalhada descontroladamente maníaca…
— Gahahaha!!!! — Aquilo o assustou pela primeira vez desde muito tempo, o fazendo engolir em seco. — É assim então, né!!? Você queria esconder de mim, mas olha só!!! No fim, nada mudou!!!
Um cintilar escarlate cresceu pelo recinto. Suas unhas se tornaram garras; os dentes caninos ganharam a imponência de um felino…
Arrasado, o garoto perdeu a reação espantada pois seu dorso da mão foi apossado por uma dor aguda.
Naquele momento, outro brilho surgiu; um azulado.
E a marca tomou forma sobre a pele, como se nascesse uma tatuagem do nada ali. Sentiu o corpo leve, muito leve.
De maneira a tirar-se do chão com uma facilidade que nem as leis da gravidade poderiam imperar sobre si.
Sem pensar duas vezes, avançou num rompante para abraçá-la com ímpeto.
Foi quando, em um instante, o cenário ao redor deles mudou. Como se o universo inteiro os abraçasse, a mente dos dois foi moldada a uma nova realidade.
Assim que aquela paisagem desapareceu, os dois caíram ajoelhados no chão.
Mesmo assim, ele não a soltou.
Conforme os segundos atônitos foram se passando, até que ambos pudessem digerir aquilo tudo, os brilhos de seus símbolos perderam força.
Em meio ao baque poderoso, Isaac encontrou forças a fim de murmurar:
— Me perdoa… Eu não queria mentir pra você. — Com o retorno do controle emocional, ela apenas ouviu. — Eu prometo que não vou mais mentir.
Segurou-a com ainda mais força, ao que as lágrimas se liberaram dos olhos estremecidos dela. Aos poucos, embaçaram as lentes transparentes.
Então, o envolveu em seus braços de igual modo.
O pranto de ambos se tornou o mártir que, dias depois, foi mascarado pelas fortes gotas d’água que caíam do céu.
Pouco se importavam sobre as vestimentas encharcadas pela chuva incessante. Um possível resfriado jamais seria comparado à dor da perda que precisavam superar.
Isaac, com a cabeça erguida na direção da abóbada nublada, questionava o mesmo que sua irmã, de joelhos sobre o solo molhado.
“Por que isso aconteceu?”
A resposta estava marcada em seus corpos.
Subiu a mão e encarou o dorso dela, encontrando o asterismo da constelação de Órion. A lembrança do dia da maior tragédia de suas vidas.
O símbolo que estampava o fardo que deveriam carregar a partir de então.
— Eu vou lutar… — O mussito do garoto fez a irmã, que tinha as lágrimas mascaradas pela chuva, levantar o rosto. — Vou alcançar o lugar desse tal de Rei Celestial, seja o que for. Então, poderemos reencontrar nossa mãe. Com certeza deve ter um jeito…
Isabella ficou em silêncio durante alguns segundos.
Diante das palavras determinadas do irmão, encontrou forças para se levantar do chão e mostrar a palma da mão a ele.
A mesma marca, porém avermelhada, residia ali. Gravada em seu corpo…
— Não me importo com isso de trono, mas vou ajudar. — Cortada pelo pranto, ela prosseguiu: — Foi pra isso que eu também fui escolhida, não é?
Mesmo com o desejo de rejeitar a ajuda, para que não a colocasse em risco, Isaac apenas absorveu.
A única coisa que pôde fazer foi levar sua mão até entrelaçar-se com a dela pelos dedos.
— Você não precisa fazer isso — disse com calma, apesar da garganta entalada. — Não quero que se arrisque e nem sofra mais…
— Está tudo bem, irmão. — A face chorosa da menina se contorceu em puro ódio… através de um sorriso feroz, no qual se destacavam os dentes caninos afiados. — Eu prometi a ela… que ficaria com você… Custe o que custar.
Ao receber aquele calor, entendeu que, de fato, não poderia a impedir.
E ela estava certa, no fim.
Por estarem juntos desde antes do nascimento, assim deveriam proceder, no intuito de reencontrarem a felicidade perdida naquele mundo.
A fim de respeitá-la acima de tudo, ele assentiu sem dizer mais uma palavra.
“Você é forte…”, o mesmo sorriso daquele dia… “por isso tenho certeza de que conseguirá seguir em frente sem medo.”
Era o semblante que tomava conta de Isaac, enquanto fitava sua irmã gêmea bem diante de si.
A faca que antes perfurava seu abdômen fora retirada sem que qualquer um pudesse notar.
E conforme o sangue foi liberado por aquela região, o Marcado de Regulus, portador da arma ensanguentada, o cercou pelas costas.
“Me perdoe, irmãzinha…”, Isaac fechou os olhos, numa placidez tenra. “Não vou poder ir até o fim.”
Apenas aceitou quando, sem pestanejar, o homem com o olho cintilante o perfurou pelas costas, um pouco mais à esquerda entre as escápulas.
Todos reagiram chocados. Afinal, era impossível pará-lo.
O corpo do Marcado de Rígel perdeu as forças no exato instante do golpe, mas só caiu quando Levi puxou a lâmina de volta.
Demorou a cair a ficha de Isabella. Só aconteceu depois que o irmão enfim desabou no chão.
Graças à faca que ainda estava cravada em seu abdômen, além dos outros ferimentos de antes, ela não conseguiu fazer nada a respeito.
A única resposta possível foi a dos olhos arregalados e do grito que veio gutural:
— IRMÃÃÃÃO!!!
O desespero se instaurou no ambiente. Mesmo os soldados aliados a Levi estavam aterrorizados.
Bianca, chorando ao presenciar o estado puro da crueldade, levou as mãos ao rosto.
Norman foi assolado por um calafrio na espinha, entretanto o foco não deveria continuar naquele garoto.
Pediria as devidas desculpas depois, mas a brecha que acabava de surgir por tamanha comoção precisava ser aproveitada.
Era a chance de alcançar a menina paralisada a poucos metros dali, no meio de todo o caos.
No entanto, quando estava pronto para usar a Telecinesia diretamente nela, com o intuito de trazê-la para perto de si…
— Hã!? — Foi agarrado no braço por Layla. — Layla!?
— Não se mova, Norman.
A determinação num timbre enervado da garota o fez interromper as ações sem nem retrucar.
Após do barulho provocado pela queda de Isaac ao asfalto e o grito de Isabella, um novo ruído peculiar se pronunciou.
Esse veio do próprio Marcado de Regulus, que, ao cambalear de repente, soltou um grunhido excruciante.
Ele rangia os dentes de dor. Afinal, o olho onde residia a marca do Leão expelia fios de sangue sobre o rosto.
Incrédulo por conta da agonia vinda do órgão especial, que logo foi fechado com força, Levi subiu a mão agitada até o tampar com a palma.
— Ele possui um Áster extremamente perigoso. A capacidade de manipular a velocidade temporal pode recair sobre qualquer foco nos arredores, assim como sobre si próprio.
Perante o resumo da aliada, o Marcado de Altair entendeu melhor como havia se sucedido o que tinha acabado de acompanhar.
Nem mesmo ela parecia esperar aquilo. Porém, os efeitos colaterais que se seguiram eram normais, ainda mais com base no que já tinha sentido ao usar sua Telecinesia.
Por isso surgiu como uma surpresa formidável. Afinal, o homem aparentava ter controle irretocável sobre o próprio poder.
Aquele baque revelado anunciava a existência de uma chance para eles.
— Que desagradável — resmungou Levi, na formação de um sorriso torto.
Ele sabia que havia excedido a utilização da habilidade por conta da necessidade de reagir abruptamente ao perigo.
Um descuida inaceitável.
No fim, teve sucesso em derrotar o adversário. Mas jamais conseguiria desfrutar totalmente naquele estado.
Agora, se via em desvantagem perante os que tinham restado, ainda mais depois dos outros dois terem surgido.
Se fosse apenas a irmã do abatido, não seria problema. E isso o frustrava ainda mais, pois era uma grande oportunidade ao vê-la com o emocional em frangalhos.
Portanto, tomou a próxima decisão mediante um estalar de língua enfurecido:
— Vamos nos retirar! — Segurou o braço da garotinha em prantos, a puxando com rusticidade. — Nos deem cobertura!!
Quando a mensagem alcançou os soldados, eles miraram as armas e recuaram sem virar para trás, no âmbito de proteger a ida de Levi e Bianca.
Norman queria muito correr atrás deles, mas Layla seguiu o segurando, dessa vez com mais força.
Ele a encarou com as vistas arregaladas, só para receber um gesto negativo de sua cabeça.
Frustrado com a incapacidade de salvar Bianca, juntou os dentes e os apertou. Só então foi liberado pela mão da alva.
Àquela altura, a dupla de marcados e os homens armados tinham desaparecido do quarteirão.
Restou ao rapaz cerrar os punhos com vigor, no intuito de suportar aquele momento.
O silêncio dominou o ambiente, à medida que o sol enfim chegava para tomar conta do céu.
“Ele ‘tá usando ela”, lembrou-se das expressões da menina, algo que não sairia de sua cabeça por algum tempo.
Layla entendia bem o que o aliado sentia, mesmo assim preferiu não dizer nada a ele.
Pelo menos sabia que ele não se deixaria abater. E recebeu a confirmação quando, através de um suspiro pesado, ele levantou o rosto.
Os olhos esverdeados miraram o que vinha a seguir de forma clara e concisa.
Na próxima oportunidade, não iria se permitir a falhar, pensou consigo.
Mais tranquila diante daquela resposta silenciosa dele, Layla voltou a projetar um leve sorriso. Então, delegou atenção àquela que havia restado.
Isabella estava ajoelhada ao lado de Isaac. A feição dele era a mais plácida possível. Algo que apenas a morte poderia trazer, mesmo para uma pessoa tão serena.
A Marcada de Vega caminhou à direção dos dois. E veio acompanhada pelo de Altair, que agora sim oferecia a devida condolência ao caso que tinha acompanhado.
De novo, uma cena pesada. De novo, uma perda dolorosa para alguém…
Nada poderia interromper a dor absoluta que tomava o coração da garota que tinha os óculos trincados.
Lágrimas escapavam das vistas estremecidas sem chamar atenção. E caíam sobre o rosto empalidecido de Isaac.
Aquele dia chuvoso retornou.
A promessa feita um para o outro, esperançosos em se reencontrarem com sua mãe, não mais existia.
Não podia mais existir…
Em meio a soluços, ela segurou a mão dele, cuja marca de Órion permanecia. A conexão entre os símbolos ocorreu no encontro entre o calor da vida e a frieza da morte.
E embora fosse um cenário teoricamente favorável aos outros dois que observavam por trás, nenhum deles sequer se imaginavam na posição de tirar proveito.
Para Norman, era só mais um destino inaceitável causado por aquele evento sobrenatural.
Sem contar que, partindo da necessidade de sofrerem uma grande perde para se tornarem escolhidos… aquela era a segunda vivida pela garota.
— O que a gente faz? — indagou à nívea, ao seu lado.
Ela não o respondeu por meio de palavras.
Reservou-se a soltar ar pelo nariz, até que andou mais um pouco para se juntar em definitivo aos escolhidos da constelação de Órion.
Encarada pela chorosa Isabella, assentiu com lentidão antes de se agachar ao lado dela.
Os olhares distintos se cruzaram durante um breve período. Sem parar de soluçar por causa do pranto, a jovem de óculos voltou a fitar o irmão gêmeo.
Sem largar a mão gelada dele, murmurou com dificuldades:
— O que… está fazendo? Me mate de uma vez…
— Não posso fazer isso. — Layla franziu as sobrancelhas ao responder. — Não há mérito algum em me aproveitar desse cenário. E Norman jamais permitiria que eu o fizesse.
O garoto, usado de exemplo, engoliu em seco.
Tentou não imaginar um caso em que nem estaria ali e a garota não hesitasse em fazer aquilo.
— Não pretendo lutar com você — completou.
Isabella ficou surpresa ao escutar aquela declaração de uma inimiga mortal.
Então, no ápice da confusão de sentimentos, não resistiu em soltar uma fraca risada.
— Eu nunca me importei com essa Seleção Estelar… Eu e meu irmão ganhamos esses poderes… depois de perdermos a nossa mãe pra uma doença… — Fez uma breve pausa, apertando a mão inerte do irmão. — Depois de um tempo, eu imaginei que mesmo sem a mamãe… se estivesse com meu irmão, ficaria tudo bem. Eu não queria que voltasse… não precisava voltar como era antes. Não passo de uma egoísta…
Norman ficou ainda mais atordoado ao ouvir as lamúrias. Com as sobrancelhas enrustidas e os lábios dobrados de tão apertados, ele desviou o rosto.
No fim de tudo, era muito fácil que todos eles se entendessem. Em essência, eles eram os mesmos.
Apesar da experiência na universidade, com a impressão inicial nada aprazível daquela pessoa, sentiu que era impossível continuar a odiá-la.
Por outro lado, Layla foi enfática no que interessava ao que viria a seguir:
— Então, o que deseja fazer agora?
Apesar da frieza que aquele tipo de pergunta irradiava, a Marcada de Betelgeuse se controlou na resposta:
— Mesmo que eu não me importe… não posso permitir que alguém tão cruel alcance o que meu irmão desejava. — Ela fechou os olhos dele, que ainda estavam semiabertos.
— Entendo…
Vendo o olhar determinado em meio ao sofrimento absoluto, Layla assentiu com a cabeça, capaz de confiar.
Em respeito à decisão da marcada, descansou a palma destra sobre o símbolo de Órion no dorso da mão do falecido.
O brilho cerúleo se acendeu pela última vez, até que a marca se desfez aos poucos.
Com o tempo, o corpo dele também começou a desaparecer, sendo transformado em esferas luminosas que subiam pelo espaço em direção ao céu.
Para Norman, foi a repetição da cena no fim do conflito no hospital. Apesar de triste, era inegavelmente bonito…
— Obrigada, irmão… — Isabella não pôde mais segurar a mão dele. — Vou fazer o meu melhor…
O pranto dela se tornou mais intenso.
A alma de Isaac enfim iria para um lugar melhor. Talvez, até para onde sua mãe estava…
— Descanse em paz, junto das estrelas — a alva murmurou ao fechar os olhos.
Findado o instante místico, ela se levantou. A Marcada de Betelgeuse permaneceu onde estava, tendo seu espaço respeitado pelo silêncio.
Por conta disso, Layla voltou a encarar o companheiro inquieto através dos olhos noturnos semicerrados.
Palavras não eram necessárias entre ambos. Tanto que Norman, após compadecer com o sofrimento da enlutada, não pestanejou em dizer:
— Não sei dizer se tenho um desejo com isso tudo, não ainda. Mas quando eu ‘tava no hospital, eu me decidi… — Que não iria se arrepender de novo, pensou ao fechar um dos palmos diante do peito. — Aquela garota… A Bianca ‘tá sofrendo. Eu quero salvar ela.
Com a resolução firme demonstrada pelos dizeres do garoto, Layla precisou questionar:
— Ela também é uma marcada. Acha que pode suportar os riscos que isso pode trazer no futuro?
— Isso não importa. Marcada ou não, ela é só uma criança que ‘tá sendo usada contra sua vontade. — Remeteu ao encontro na noite anterior. Aquele pedido de ajuda… — Se eu fechar meus olhos e ignorar só por isso… eu nunca iria conseguir me perdoar.
À sentença final do parceiro, a Marcada de Vega absorveu sem novas objeções.
Ainda tinha algum receio quanto aos fatos que seriam originados daquele movimento, mas se prestou a assentir sua cabeça em aceitação ao desejo dele.
No mínimo, era uma boa evolução. Tê-lo focado em um objetivo específico seria de grande valia…
— Nosso principal objetivo a partir de agora, portanto, é a derrota do Marcado de Regulus. Assim como o resgate da marcada sob seu controle. — Trocou outro aceno positivo de cabeça com ele. — Iremos nos reunir até alcançarmos nossos respectivos escopos. Após tudo terminar…
— Vocês não precisarão se preocupar. — Isabella enfim se reergueu, secando suas lágrimas ainda de costas para eles. — Quando eu conseguir a cabeça daquele desgraçado… a minha batalha vai terminar.
Deu a volta, enfim encontrando a figura da dupla a qual se aliava naquele momento.
E os dois entenderam muito bem o recado. Norman desejou abraçar a quietude, ao que Layla terminou:
— Estamos resolvidos. Vamos nos empenhar para trabalharmos acima de quaisquer desavenças passadas.
Sem ter mais o que conversar por ora, Norman liderou o retorno do novo trio a fim de se preparar para o primeiro embate de verdade que teria.
Dessa vez, por algo muito maior. Uma vontade que não desejava considerar como “nobre”, mas sim “necessária”.
Para ele mesmo…
“Eu vou salvar ela… custe o que custar”, impulsionado por aquele sentimento caloroso que não se lembrava de experimentar há bom tempo, ele avançou.
Para continuar a se sentir vivo de alguma forma, precisava conseguir libertá-la daquele sofrimento.
Pela primeira vez, teve uma iluminação pessoal a respeito de tudo aquilo.
Mesmo sem entender muito bem ainda, se agarrou à esperança que passava a surgir em meio àquelas tragédias.
Bastava torná-la ao alcance de suas mãos. Para jamais a soltar, até onde pudesse ir…
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