A Voz das Estrelas - Capítulo 6
Aquele era, com certeza, o pior dos cenários.
Norman se empenhava para não demonstrar sinais de desespero ao encontrar Layla, que tinha acabado de chegar na sala de aula.
Mas era impossível.
Embora a sorte estivesse ao seu lado, já que todos contemplavam a beldade mística, torcia as sobrancelhas e mostrava os dentes quase trêmulos.
— Olá, pessoas. Espero não estar atrapalhando!
Num primeiro momento, ninguém conseguiu responder tais cumprimentos.
No entanto, não demorou até o de cabelo arrepiado de gel…
— O-olá! Meu nome é Willian, tenho vinte e dois anos, atualmente procurando uma namo…!
— Cala essa boca!
Helen socou a nuca do garoto, que soltou um grunhido de dor depois de morder a língua.
A Marcada de Vega boquiabriu num misto de espanto e divertimento ao ver aquela cena.
Notou que o cabelo da universitária caía sobre os ombros, com cachos emaranhados nas mechas que iam até o início das costas.
Enquanto achava a cena engraçada, Norman conseguiu enfim se desprender do temor para arregalar os olhos.
E a jovem morena abriu um sorriso que chegou a fazer seus olhos se fecharem; limpou a garganta com um pigarro e proferiu:
— Muito prazer! Me chamo Helen e esses aqui são o Norman e o Hudson. — Apontou aos dois paralisados ao lado. — Você parece ser nova aqui. Qual o seu nome?
— Me chamo Layla. — Fez uma breve mesura com sua cabeça.
— Layla! Que nome bonito. — Helen juntou as mãos na altura do queixo, como se fosse orar por aquela descoberta.
— Como uma bruta que nem você poderia achar coisas bonitas?… — Willian falou tudo com a língua para fora graças à dor.
— Falei pra calar a boca. — E a garota disparou uma encarada de canto totalmente afiada.
— D-desculpa…
Como se uma aura nefasta de sanguinolência a rodeasse, conseguiu colocou o garoto em seu devido lugar.
Deslocado daquele pequeno alvoroço, Norman escondeu o rosto com a palma esquerda. Entre os dedos indicador e médio, observou o semblante leve da alva.
Foi quando a própria delegou um sorriso desafiador a ele, que quase mordeu a língua que nem o colega de classe.
No fim, a conversa prosseguiu entre os três, com Helen chegando a puxar Hudson para sair de seu momento quietão e se enturmar.
Ela também via como Norman continuava tentando se afastar, a ponto de desviar o rosto.
Pensou em fazer algo para, também, trazê-lo à confraternização.
— Ei, Norma. — Willian cutucou-o no cotovelo. Depois, ele chegou perto e sussurrou perto do ouvido dele. — Sei que não gosta de puxar assunto com estranhos, mas…
— Ei, por que cê tá tão acanhado assim? — Willian perguntou, o cutucando com o cotovelo. — Sei que não gosta de puxar assuntos com estranhos, mas…
A voz do colega se perdeu em seus pensamentos. Após tanto se perguntar o motivo de ela ter ido até aquele lugar, se moveu.
O rangido dos pés metálicos da cadeira se arrastando no chão desfez a conversa. Ele se levantou, ficando de frente à “novata”.
— Eu conheço ela. — A declaração pegou os três desprevenidos. — Vamo’ conversar lá fora.
Fez o gesto com a cabeça e, sem esperar qualquer resposta, caminhou até o corredor entre as cadeiras e a ultrapassou.
Tanto a feição quanto o timbre soturno em sua frase elevaram a preocupação, principalmente a de Helen.
Layla observou-o até ele desaparecer após atravessar a porta, sendo observado por todos os encantados com sua chegada.
— Que surpresa… — A voz embargada de Helen puxou sua atenção de volta. — Então já se conhecem…
E, ao apertar as mãos contra o peito, forçou um sorriso gentil.
— Acho que posso dizer que somos amigos de infância. — Layla acenou para eles. E a morena arriou as sobrancelhas. — Ele é um pouco complicado no assunto de expressar sentimentos, não é mesmo? Mas fiquem tranquilos.
Ela deu meia-volta, recebendo a resposta silenciosa de Willian e Hudson, que nada tinham a declara.
— Amigo de infância… — Apenas a cacheada esboçou um lamento através de um murmúrio.
Mesmo a escutando, Layla continuou até o lado de fora que já estava menos movimentado.
Quando o fluxo de pessoas se tornou nulo, ambos sentiram segurança para conversar.
A garota pôde respirar fundo, livre dos tantos olhares intensos vindos de qualquer um.
— Assim é melhor — sibilou entre os dentes, sendo encontrada pelos olhos verdes do garoto. — Prefiro que só você me contemple assim.
Norman deu de ombros àquela leve provocação, ainda que sentindo o coração bater mais rápido e até mesmo um ardor no rosto.
De vistas encruzilhadas, eles permaneceram quietos a princípio. E a severidade no olhar do rapaz, inédita para ela, logo foi correspondida por sua indagação:
— Falei pra você ficar em casa até eu voltar. — Apertou os punhos com força. — Por que veio aqui? Aparece do nada na frente de todo mundo, como vou explicar as coisas?
— Não precisa explicar. Somos amigos de infância, somente.
— Amigos de infância? Como se a Helen fosse acreditar nisso… — Desviou o olhar entrefechado.
Layla pareceu entender o motivo de ter ouvido aquele comentário cabisbaixo dela antes de sair.
Entretanto, havia algo mais importante.
— De qualquer maneira, eu pretendia aguardar por lá, porém a situação mudou. — Ela desfez o sorriso, o que transmitiu a ele um calafrio intenso. — Temos dois marcados nesta universidade.
O estado revoltoso de Norman desapareceu como poeira levada pelo vento.
Ele contorceu os supercílios e os alçou, ficando extremamente boquiaberto. Um assombro do qual não estava preparado para lidar naquele momento.
Desejava a questionar sobre aquela afirmação, mas…
“Foi o mesmo”, evocou as palavras proferidas pela própria no hospital.
De qualquer modo, o melhor seria confiar nela.
— E aí…? — A voz falhou, mas ele avançou: — O que a gente deve fazer?
— Não se preocupe. Eles também sabem sobre nós… — Virou o rosto até o caminho restante do corredor. — Permaneça em sua aula e aja como se tudo estivesse normal. Ficarei de olho até que possamos voltar para casa.
Norman abriu a boca, porém ficou sem palavras a fim de rebater.
Talvez fosse a melhor saída, de fato. Portanto, ateve-se a aceitar a indicação da aliada.
Se passou algum tempo do encontro entre Layla e Norman.
Sem dizer muita coisa, o garoto voltou para sua sala e fortaleceu a justificativa que ela tinha criado antes de sair ao corredor.
Coube somente a seus amigos aceitarem de qualquer maneira, pois nem tiveram tempo em prol de discutir com a chegada do professor.
Helen foi a única que continuou o encarando às vezes, mas ainda assim sem dizer nada. Estava preocupada e tentava não demonstrar isso com clareza.
Até porque, para além da conversa com aquela garota que nunca tinha visto na vida, podia vê-lo perdido em meio à aula.
Seus olhos não paravam de observar os arredores, em momentos distintos. Vez ou outra, ele ficava aéreo.
Totalmente distante da realidade, parecia encarar algo que não podia ser encontrado naquela sala.
Um ataque poderia ocorrer a qualquer instante…
“O que diabos eu ‘tô fazendo?”, apertou as mãos fechadas sobre a mesa da carteira.
Mesmo com o alerta de Layla, não conseguia deixar de se lembrar de tudo que viveu naquele hospital.
Não podia se dar ao luxo de esperar com tranquilidade em momento algum.
Portanto, depois do professor se despedir ao terminar os horários iniciais das aulas, ele se levantou da cadeira.
— Norman! — Helen se levantou junto, tentada a o seguir.
— Eu vou no banheiro. — Sem olhar para trás, sequer percebeu a rispidez na resposta estremecida.
Puxou o celular do bolso do casaco, mas lembrou que não possuía o número dela ou o e-mail.
Isso poderia ser crucial, visto a necessidade de comunicação que teriam ao longo daquele conflito.
Como acontecia agora, não era garantia de que permaneceriam sempre pertos um do outro.
Quando chegou até o pátio, o motivo de maior temor se tornou realidade.
Na parte esquerda da testa enfaixada, o formigamento tomou conta. Mesmo que a luz não pudesse escapar, tampou com a palma num gesto instintivo.
Queria que fosse mentira. Fez uma varredura pelos arredores através do olhar atônito.
Mesmo que as aulas estivessem em curso, havia algumas pessoas na área aberta.
Com o efeito repentino significado a proximidade com outro marcado, ele imaginou que poderia ser a própria Layla.
No entanto, a hipótese foi derrubada ao lembrar-se da ausência daquilo nos últimos encontros com ela.
Também tinha ocorrido no hospital, mas…
“Não é hora de pensar nisso”, balançou a cabeça em negação, na tentativa de depositar foco absoluto naquele caso.
Só quando sentiu o fulgor desaparecer que desceu seu braço para continuar a avançar.
Precisava encontrar a Marcada de Vega o quanto antes.
Com as mãos no bolso para mascarar seu nervosismo, passou por alguns estudantes misturados entre adultos e adolescentes.
Até que, com a atenção dispersa na área extensa…
— Uah! — Ele esbarrou com uma garota.
Ela derrubou a mochila no chão, enquanto ele recuou dois passos cambaleantes.
Norman semicerrou os olhos ao vê-la prontamente se agachando para apanhar de volta a bolsa de uma única alça.
— Me perdoa, por favor!! Eu ‘tô meio perdida e com pressa!!
Quando a menina se levantou, trazendo a mochila para a abraçar na altura do peito, o rapaz encarou o cabelo escuro, que caía com dois grandes feixes sobre cada ombro.
Os olhos dela, no entanto, quase se fechavam. E de maneira forçada por ela própria, que aproximava o rosto do dele ao inclinar-se para frente.
Norman se afastou para evitar contato.
— Que estranho… — A garota murmurou, deixando de tentar chegar perto dela para procurar nos arredores.
Ainda sem entender muito bem e repleto de aflição, o Marcado de Altair encontrou os óculos dela caídos ao seu lado.
Enfim entendeu o motivo de ela parecer tão perdida e com os olhos daquele tamanho.
Se agachou, apanhou a armação jogada e a ofereceu:
— A culpa foi minha… — Ela, o ouvindo, virou o rosto. — Por andar sem prestar atenção.
Encabulado, ele desviou o rosto, mesmo que a morena sequer pudesse ver.
Ela esticou a mão. Os dedos tatearam a palma dele, até acharem o que procurava.
Abrindo um sorriso tímido, colocou os óculos no rosto. Aquilo mudou completamente sua aparência, na iminência de trazer um enrubescimento ao rosto do garoto.
— Obrigada!! — Ela juntou os lábios, acuando os ombros em claro desconforto. — E me desculpa também!! Eu sou nova aqui, por isso ‘tô meio perdida… Não quero te perturbar, mas pode me ajudar!?
Norman matutou sobre o próprio azar em casos como aquele, mas não tinha muito o que fazer.
Ainda mais após ter provocado tamanha dor de cabeça à jovem que se dizia novata naquele lugar.
— O que deseja?
— Eu precisava ir no laboratório de ciências. Seria incômodo demais pedir pra que me levasse até lá?
Norman tinha a resposta positiva na ponta da língua.
Mas ver aqueles olhos brilhosos de tão arregalados, somados à feição inquieta, fizeram-no reconsiderar.
Imaginou-se na mesma posição, por isso…
— ‘Tá, vamo’ lá.
A resposta contrária ao que desejava fez ela abrir mais uma vez o sorriso acanhado.
Ele deu meia-volta e retornou todo o caminho atravessado, acompanhado pela perdida.
— Aliás, me chamo Isabella. Isabella Morgan. — Ela lhe encarou de canto. — Qual o seu nome?
— Norman.
A resposta seca a fez abrir levemente a boca.
— Que nome bonito…
O sussurro fascinado fez com que ele devolvesse a encarado de soslaio, quase virando o rosto por cima do ombro.
De qualquer maneira, manteve-se cauteloso quanto ao que tinha em seu entorno. O caso dos marcados seguia sendo prioridade.
Chegando perto dos elevadores e das escadarias, conferiu que já batia quase cinco da tarde naquele momento.
Também tinha mensagens de Helen, que perguntava se ele estava bem.
Arriou as sobrancelhas, ciente de que seria difícil esconder dela por muito mais tempo.
Pensou por algum tempo em como deveria respondê-la, ao menos por enquanto…
— Ah. — Isabella cortou sua linha de pensamento após dizer: — Desculpa, mas a gente pode subir pelas escadas? Não me sinto muito confortável em elevadores…
Norman não disse nada a respeito. Apenas aceitou sua demanda e foi em direção aos degraus.
Era uma boa subida, mas ele pouco se importava. Tudo que viveu naquele hospital tinha o acostumado à luta contra o sedentarismo.
Sem pressa, os dois subiram diversos andares. Olhares ou palavres sequer voltaram ser trocados entre si, até alcançarem o penúltimo piso.
— Aqui está — disse ele, avistando a entrada para os laboratórios.
— Muito obrigada! — Isabella acenou com a cabeça. — Não vou mais me esquecer como vir aqui!
O veterano apenas fez um gesto de despedida com sua mão e deu a volta para ir até os elevadores.
Um deles já tinha a porta aberta, o que considerou uma sorte tremenda. No entanto, antes de pegar o transporte, sentiu um calafrio aterrador subir sua espinha.
E aquilo fez a caminhada travar inconscientemente.
Por alguma razão, sentia que deveria se virar. Contudo, estremecido dos pés à cabeça, apenas ouviu a voz congelante o envolver:
— Eu quase me esqueci de fazer um último pedido. — Era a voz de Isabella. Ao virar apenas o rosto atônito, enxergou nela um sorriso frio… — Poderia morrer?
Antes que pudesse dar a volta, foi atingido com um violento chute nas costas, que o fez ser lançado contra a parede frontal do elevador.
A força do impacto causou um balanço no transporte e graças a isso, o cabo de tração se desconectou pelos fios internos.
O primeiro solavanco o impediu de sequer tentar se levantar. O segundo, vindo com o rompimento definitivo, foi fatal.
Enquanto tentava esticar ao menos a mão para a saída, a máquina se desprendeu do que a sustentava e despencou.
Por um instante, ele conseguiu fitar uma linha de melancolia no rosto da garota, cujos olhos eram mascarados pela luz retida nas lentes dos óculos.
Por sua vez, ela acompanhou a queda vertiginosa que liberou uma corrente de ar fraca ao seu redor, fazendo os feixes volumosos dos ombros menearem.
Sem direito a últimas palavras, o garoto foi conduzido a um trágico fim quando o equipamento colidiu com o térreo.
O som destrutivo se propagou por todos os andares da universidade, seguido por um silêncio ensurdecedor.
Layla olhava a tela de seu telefone antigo, daqueles que possuíam teclas abaixo e a tela era uma espécie de tampa.
Conferindo o entardecer através do céu pintado de laranja e rosa, ela fechou o aparelho e desceu o corredor do primeiro andar.
Após avançar por certa parte do pátio, chegou em uma área onde havia diversos bancos e mesas presas ao chão, com uma cobertura logo à frente.
Encarando-a, pensou:
“Chegou a hora.”
O sinal foi lançado quando de sua marca no peito, coberto pelo vestido fechado que ia até a gola do pescoço, o brilho se manifestou.
Permaneceu serena quanto àquele aviso natural. Chegou a, inclusive, fechar os olhos com toda calma do mundo.
Aproveitou a fraca brisa que bateu em seu rosto, levantando os fios do cabelo branco amarrado em um rabo de cavalo que chegava às costas.
Foi o último momento de paz. O ruído explosivo a alguns metros dali se propagou até onde estava.
Diferente do que se seguiu com muitos professores e aluno, Layla não se preocupou tanto, mesmo enxergando a camada de fumaça a subir pelo espaço de onde veio o estrondo.
— Me perdoe — sussurrou para si mesmo, abrindo as vistas e deixando-as entrefechadas.
Concentrada no que deveria fazer, levou a mão até sua cintura. A aglomeração deveria crescer naqueles arredores, o que a deixava livre para lidar…
Com o ataque vindo do alto, que tentou a atingir sobre o crânio pela retaguarda.
Ela girou o corpo com agilidade, puxou a faca e a posicionou acima da testa, defendendo a lâmina idêntica.
As sobrancelhas do garoto se levantaram após ter seu ataque defendido.
O choque entre as navalhas causou um tilintar intenso, ofuscados pelo brilho que vinha do dorso da mão que a carregava.
Layla usou a força das pernas para suportar a pressão e, num movimento do braço dominante, afastou-o.
Ele precisou executar um giro mortal bastante alto no ar, caindo de pé sobre o telhado da cobertura.
A Marcada de Vega prendeu uma risada de ombros, ao que o rapaz estalou a língua com certa frustração.
Ainda girou a faca de combate com maestria, a segurando na vertente oposta da mão.
Foi quando o brilho do símbolo desapareceu.
Encarando daquela posição superior, recebeu uma encarada recheada de segurança. Ou, talvez, presunção…
— Estava lhe esperando — ela murmurou ao abrir um tênue sorriso. — Marcado de Rígel.
Em resposta às palavras reveladoras, o moreno de cabelo curto franziu o cenho e contorceu os lábios.
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