A Voz das Estrelas - Capítulo 7
Preparada para o embate, Layla deu as boas-vindas ao Marcado de Rígel através de uma encarada recheada de confiança no plano terreno.
Porém, apesar daquele semblante, ela sabia muito bem que seria difícil cortá-lo com apenas aquela faca.
O garoto, claramente incomodado com o curso das coisas, respirou fundo. A fraca brisa do entardecer fazia suas curtas pontas pretas dançarem no ar.
Ele tinha o corpo agasalhado do pescoço à cintura com um casaco de couro, além da calça de moletom que tomava as pernas esguias.
Sem áreas expostas, exceto o rosto de poucos amigos e as mãos. Em uma delas, tinha o símbolo de sua estrela.
“Ela conhece a estrela que me escolheu, então”, ponderou em silêncio, conforme tentava a analisar. “Deve conhecer meu Áster?… Não, isso não tem importância de qualquer maneira.”
Posicionou a faca de combate à frente do torso. Mesmo ele podia identificar a influência congelante e carregada que rodeava aquela jovem.
“Então, você me mostrará seu Áster igualmente?”, afunilou os olhos castanhos ao aproximar os cílios do contato.
Então, após ajeitar o porte de combate, puxou a outra faca que tinha no pequeno estojo da cintura.
A posicionou da mesma forma que a outra, as deixando em direções opostas. Depois, as cruzou os braços diante do peito na formação de um xis.
“Ele deve ser ter treinado para lutar assim. Preciso ser cuidadosa”, ainda no campo dos devaneios, Layla franziu o cenho ao se virar com o resto do corpo à direção dele.
Uma lâmina contra a duas… Reconhecia a desvantagem natural daquela abordagem.
Sem contar a outra preocupação de momento, responsável por a induzir a mexer os olhos para a esquerda.
Em proveito a isso, o Marcado de Rígel arregalou os dele, deixando sua aura perigosa irradiar junto ao brilho cerúleo do símbolo no dorso da mão canhota.
Sem pestanejar, saltou da cobertura numa queda vertiginosa contra a alva, as facas apontadas para baixo.
Tentou atingi-la com a primeira, defendida pela lâmina da garota. Depois veio com a outra, então ela rebateu a inicial e saltou para trás.
Layla manteve a postura apesar do ímpeto ofensivo do agressor, que logo ao tocar o chão com os pés, saltou em direção a ela em busca de uma abertura.
O tilintar das facas voltou a se pronunciar, com a Marcada de Vega precisando defender e desviar em sequência por conta das facas gêmeas.
Ele notava os movimentos extravagantes dela, mas sabia que poderia a encurralar em algum momento caso continuasse naquele ritmo.
Perceptiva a isso, a garota resolveu modificar a abordagem defensiva.
Quando as facas do inimigo se aproximaram na tentativa de a empalar no peito, ela se agachou contra o solo e girou a perna em uma rasteira rápida.
O moreno sentiu o impacto, assim como suas solas se desconectando da superfície.
Numa ação excepcional, Layla jogou a faca para a outra mão e, ao retornar na posição, mirou as costas dele.
Estalando a língua, o garoto simplesmente parou. Fez os olhos da jovem arregalarem ao ver como seu corpo tinha congelado no tempo antes de completar a queda.
O cintilar pronunciou-se ao máximo do símbolo estampado no dorso da mão: a constelação de Órion, o Caçador.
Após errar o golpe, ela sofreu outro. O braço do garoto se moveu em alta velocidade contra o rosto exposto dela, que precisou inclinar a coluna para trás.
Assim, a lâmina passou quase raspando o nariz dela, além de ter arrancado pequenos fios do cabelo branco.
“Ele possui um controle corpóreo que vai além das leis naturais deste mundo”, Layla, mantendo a serenidade apesar da aflição, usou as forças da perna para saltar de novo.
Podia ser um poder de levitação bem básico, mas sentiu ser mais do que aquilo. Seria ainda mais complicado lidar com aquele efeito inesperado.
Depois da surpresa, o jovem retomou o peso do corpo e fez com que ele fosse “empurrado” de volta, ficando em pé mais uma vez.
Exalou um suspiro intenso, no intuito de retomar todo o fôlego utilizado.
“Há efeitos, então?”, o olhar minucioso de Layla seguiu em ação.
Claro, era extremamente normal que aqueles poderes místicos, mesmo tão sobrenaturais, trouxessem algum tipo de preço a seus portadores.
Dependendo de como fossem aptos a utilizar, o nível de exigência seria cobrado a seus corpos.
Esse era o fardo que deveriam carregar…
— Você é boa. Melhor do que pensei. — Ele enfim proferiu algumas palavras. Sua voz soava neutra, porém pesada. — Mas não pode vencer…
— É possível que não. Diferente de ti, não possuo um Áster direcionado a habilidades físicas, afinal. — O sorriso de mistério se sustentou na faceta dela. — Apesar disto, acredito que não possa me matar sozinho.
— Tem razão! Sozinho ele não vai conseguir mesmo!
Uma terceira voz ecoou pelo pequeno campo de batalha, chamando a atenção de ambos até a passagem ao lado.
Layla não demonstrou surpresa alguma.
Pelo contrário…
— Enfim chegou…
A garota que tinha dois feixes de cabelo amarrados em prol de caírem sobre os ombros avançou a passadas curtas ao local.
Ela sorria com simpatia, ao mesmo tempo que acanho. Mas diferente daquele semblante inseguro, vinha de sua simples presença uma influência pesada.
— Mas nós dois conseguiremos!
Isabella Morgan parou de caminhar ao lado do garoto.
A situação parecia ir de mal a pior, mas Layla manteve o emocional firme perante a dupla.
— Você demorou, Isabella. — O garoto encarou de soslaio. — Foi tão difícil se livrar do outro?
— Foi bem simples, Isaac. Tudo correu certinho, como planejado. — Ela soltou a mochila no chão. — Mentira, eu tive que enrolar um pouquinho. No fim eu fiquei com um pouco de pena. Ele não parecia ser uma pessoa ruim…
O garoto, seu nome era Isaac, não a respondeu.
A Marcada de Vega fitou ambos com cautela, notando que eles, de fato, se pareciam bastante.
Irmãos gêmeos. De fato, aquilo só constatava um problema ainda maior…
— Mas parece que você é quem ‘tá com problema… Ela é forte? — Isabella arriou as sobrancelhas ao encarar a adversária.
— Não diria forte. É bastante habilidosa. Se não tomar cuidado…
— Entendo… do jeitinho que eu gosto!
Ao responder o irmão, tanto o sorriso quanto o tom de voz da menina elevaram-se de forma grotesca.
Ela avançou dois passos pesados e tomou a frente da situação.
A aura agressiva que trazia consigo cresceu exponencialmente, capaz de criar uma corrente de ar quente ao seu redor.
De súbito, um brilho intenso surgiu de sua palma destra, aberta com os dedos enrijecidos.
A ergueu ao lado do rosto, mostrando aos olhos noturnos de Layla o símbolo idêntico ao que estava estampado no dorso da mão de Isaac.
No entanto, diferente do dele, o ponto da estrela que a representava, o destaque das esferas, estava em outro vértice.
E a luz irradiada tinha um intenso tom de vermelho.
Há a possibilidade de haver mais de um participante caso estrelas da mesma constelação sejam suas representativas.
Era uma das regras conhecidas por ela, entregue daquela exata forma para Norman.
Isaac tinha sido escolhido por Rígel. E Isabella por…
— Betelgeuse.
Aqueles dois eram o escolhido de Órion.
Layla entrefechou os olhos com seriedade ao contemplar o início da manifestação mística exalada pela jovem que usou a mesma mão para retirar os óculos da face.
Diferente do comedido e sutil Áster do irmão gêmeo, a garota deu início a uma pequena metamorfose em seu corpo através do Áster singular.
Em alguns segundos, as unhas de suas mãos cresceram e se tornaram afiadas como garras. Os dentes caninos viraram pequenas presas.
Os músculos dos braços ganharam um pouco de massa muscular, o que deveria ter se espalhado pelos outros membros de igual modo.
Então…
— Pode deixar que eu cuido dela!!
O sorriso animalesco surgiu, à medida que as pupilas de seus olhos se tornaram verticais afiadas, como as de um felino.
O tom mais escuro do castanho também se tornou um pouco mais vivo, numa espécie de âmbar-avermelhado.
O Transformismo Animal de Isabella exalou o novo nível de empecilho para a alva ter que lidar por conta própria.
Porém, ainda que diante daquela ferocidade, que parecia fazer a Marcada de Betelgeuse até mudar sua persona, ela permaneceu serena e segura de si.
Sem oferecer tempo para que Isaac protestasse, a bestial disparou num impulso violento das solas dos pés contra a inimiga.
Layla se assustou de verdade naquele instante, experimentando a intensidade da onda de choque chegando depois da garota que moveu o braço direito.
Com as garras, tentou a atingir, mas a Marcada de Vega saltou no puro reflexo.
O acerto ocorreu contra o chão, no exato ponto onde o alvo estava, causando um impacto destrutivo sobre a superfície.
“Tanto sua força quanto a velocidade aumentaram”, se mostrou aflita pela primeira vez ao desfazer o sorriso calmo.
Era, de fato, um poder latente. Talvez dos mais perigosos dentre todas as possibilidades de Áster.
No entanto, tudo ainda corria dentro do esperado.
O restante girava em torno de quanto tempo seria apta a aguentar contra os escolhidos de Órion.
Afinal…
“Não posso vencê-los.”
A aceitação precedeu um grunhido animalesco da Marcada de Betelgeuse, que, ensandecida, correu na direção dela para tentar atingir seu pescoço dessa vez.
Diferente da última ocasião, Layla aceitou o embate de frente ao segurar com firmeza sua faca.
Conforme o sorriso grotesco cresceu, Isabella desferiu o golpe como uma leoa na caça de seu almoço.
Porém, a alva bloqueou as garras afiadas com a faceta lisa da lâmina. O resultado da colisão foi que a onda de pressão daqueles cortes seguiu, estourando o solo logo atrás de si.
A soturna resguardou a compostura, porém o terceiro ataque consecutivo, com a outra mão, a lançou para trás.
A fez capotar duas vezes no chão, soltando leves arranhões por seus antebraços e pernas expostos.
Quando girou no intuito de voltar a se erguer, encontrou o cintilar azulado de Isaac vindo de cima.
Uma das facas de combate por ele cortou o espaço, na mira de seu olho esquerdo.
Layla reagiu além do expectado, inclinou o torso para trás e teve sucesso em se desvencilhar.
O Marcado de Rígel girou num mortal para frente com o auxílio de seu Áster e acertou um chute no braço dela, posicionado sobre a cabeça para a defender.
Sentiu o impacto se alastrar por todo o corpo até ser descarregado no chão cheio de rachaduras. No entanto, dessa vez, a garota foi impelida e derrubar um dos joelhos.
Pressionada, ainda viu Isabella avançar por baixo, em busca de subir um ataque que a atingiria no queixo.
Layla se desdobrou para empurrar a perna de Isaac e usou de novo a faca, bloqueando o ataque veloz.
Sentiu alguns rasgos no antebraço portador, porém foi o menor preço a ser pago para evitar o pior.
A pressão exercida por uma já era abissal. Quando eles se juntavam, se tornava quase impossível enfrentar.
Talvez os laços fraternos fossem tão fortes a ponto de criar a combinação que beirava a perfeição entre eles.
Abraçando o lúdico, mesmo cada vez mais enfiada em um beco sem saída, Layla levantou o canto dos lábios.
E a manutenção daquela aparência começava a tirar os dois da zona de conforto.
“Vamos, garoto. Não vai mostrar seu Áster?”, Isaac “levitou” para passar por cima da adversária e, de ponta-cabeça, tentou a acertar com um corte.
A Marcada de Vega deu meia-volta, se defendendo com primor. Ele ainda buscou atingir a barriga dela com a outra, porém a garota segurou seu braço e o impediu.
Se por algum acaso ela estivesse os subestimando…
— Sinto muito, então…
Se livrou da surpresa ao ver que Isabella estava pronta, a favor de executar a investida decisiva.
Presa na defesa contra as armas brancas do Marcado de Rígel, a alva nem pôde se virar.
Isabella agradeceu e desferiu um golpe agressivo, rasgando o vestido, a pele e a carne nas costas da pálida.
Sangue espirrou pelo ar. A ardência foi excruciante, entretanto… ela não expressou sua agonia de maneira alguma.
Em meio ao silêncio, a euforia da bestial cresceu, a fazendo mirar na cabeça da garota.
Foi a pior decisão que poderia tomar.
Sem demonstrar estar impactada pelo ferimento considerável, Layla arregalou os olhos e empurrou o Marcado de Rígel.
Quando a de Betelgeuse executou o corte, ela se moveu à esquerda num giro de corpo ágil, deixando as garras cortarem sua bochecha de raspão.
Ao sacrificar um pouco mais de seu sangue, ela enganchou no braço da agressora e fez força sobre ele.
Isabella sentiu os pés deixarem de tocar o chão. Após piscar e boquiabrir, viu a si própria sendo levantado pela pura força sobre-humana da alva.
“O quê!?”, incrédula, foi conduzida pelo ar a um arco de cento e oitenta graus, até ser lançada com as costas no solo.
A batida monstruosa a fez sentir os ossos estremecerem dos pés à cabeça, lhe despertando uma dor insólita à medida que cuspia saliva.
Nem mesmo Isaac foi capaz de admitir a cena.
Ainda que possuísse uma estatura aparentemente frágil, aquela garota pôde aguentar toda a massa fortificada de sua irmã para batê-la com tudo contra o chão.
E, para piorar, não havia qualquer indício sobre aquilo ser fruto de seu Áster…
O moreno se recusava a crer que o vigor natural da adversária foi o suficiente para permiti-la a executar tamanho movimento.
Estalando a língua, como de praxe, buscou superar tal perplexidade.
Depois de imobilizar a inimiga, Layla recuou até abrir alguns metros da dupla. Respirou fundo, mostrando que tinha excedido os limites.
“Me soltei demais agora”, queria sustentar a placidez à medida que os resmungos irritados vinham da bestial. “Tanto faz. Está na hora…”
Fechou os olhos por um instante.
Quando a irritadiça começou a se levantar, uma explosão se pronunciou bem próximo de onde os três batalhavam.
Ao virarem os rostos, puderam enxergar a camada escura de fumaça em formação para o céu.
— O que foi agora? — Isabella rangeu os dentes.
Conforme a aflição crescia, homens fardados todos em preto, com capacetes que escondiam suas faces, cercaram a ala do pátio onde o conflito ocorria.
Ao todo, cinco armados com fuzis miraram na direção dos marcados.
Isabella arregalou os olhos e terminou de escancarar a boca, enquanto Isaac franziu o cenho.
Layla permaneceu de costas, mesmo ao escutar o posicionamento dos homens e das armas de fogo destravadas em suas direções.
— Não se movam! — gritou um deles, a voz abafada detrás da proteção. — A universidade está tomada até que os inimigos de senhor Levi sejam encontrados! Se tentarem algo suspeito, mataremos sem piedade!!
Nenhum deles se moveu. Mais pelo choque da reviravolta insana do que pelas ordens daquela pessoa.
Enfim, a Marcada de Vega se virou, tendo seu contato visual com a nova ameaça.
A expressão, como sempre, permanecia leve. Como se a nova situação jamais pudesse a abalar em corpo e alma.
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